Washington Borges de Souza
O ensino dos Espíritos, consubstanciado na Doutrina codificada na segunda metade do século passado sob a denominação de Espiritismo, além de nos dar a conceituação precisa do nosso livre-arbítrio, amplia o entendimento a respeito desse atributo da alma humana.
Nenhum dos aspectos que fazem da Doutrina Espírita a bênção consoladora para a Humanidade deve ser considerado isoladamente e, como tal, apreciado pelos seus adeptos sinceros e conscientes. Do mesmo modo devem ser a avaliação e o trato das questões, mesmo que não nos pareçam transcendentes. Todos os aspectos e temas doutrinários devem ser tratados de idêntica maneira, o que não importa dizer que cada seguidor não sinta uma inclinação mais acentuada para esse ou aquele aspecto da Doutrina. O que não é admissível é a descaracterização do todo pela prevalência parcial de uma de suas feições.
Os hermeneutas das ordenações elaboradas pelos homens aconselham, com prudência, que a interpretação de um dispositivo legal não deve ser procedida isoladamente, mas em função do conjunto de normas e em harmonia com as mesmas. De igual modo, a Doutrina trazida pelos Espíritos e sabiamente codificada não pode nem deve ser entendida e apreciada parcialmente e muito menos que se pretenda que um dos caracteres científico, filosófico ou religioso se sobreponha aos outros ou, ainda muito mais grave, que até exclua os demais, como, às vezes, em mentes desavisadas encontra guarida e costuma ocorrer.
O Espiritismo, como sobejamente se sabe e se repete, é uma Doutrina de natureza filosófica, científica e religiosa. Sua filosofia é própria, peculiar e inconfundível e, como tal, não pode ser mutilada. Por sua vez, o caráter científico dessa Doutrina, além de não se distanciar dos conhecimentos tradicionais decorrentes do progresso humano, estende esses conhecimentos além da matéria densa, para lá do túmulo, para a vida que se desdobra após a morte do corpo. Desvenda a Ciência Espírita um Mundo ainda mais real porque nos mostra que a vida não cessa e que a alma é imortal. Mas, a feição religiosa dessa majestosa Doutrina, nos atuais estágios evolutivos do Planeta, configura-se de inefável valor, dada a grande necessidade do nosso progresso moral. Daí decorre a integral adoção da Doutrina de JESUS, assimilando-a inteiramente e tornando o Espiritismo, desse modo, a sublime Religião CRISTÃ-ESPÍRITA, para a redenção humana.
Por outro lado, com referência aos temas ordenados na Codificação Espírita, por falta de sensatez e fartura de incontida e indisfarçada vaidade, deparamos, muitas vezes, com atitudes e pronunciamentos discordantes dos princípios espíritas, em militantes do próprio Movimento. É o que acontece, por exemplo, com referência ao livre-arbítrio e à liberdade de expressão do pensamento. Embora constituam franquias inerentes ao ser humano, esses atributos, contudo, não são absolutos e ilimitados. Aos que entendem que o são, falta-lhes bom senso e sobejam-lhes orgulho e vaidade, mesmo quando não são carentes de preparo e de inteligência.
A Doutrina Espírita não impõe sua sabedoria e beleza aos seus seguidores: ela expõe com base em sua magnitude e sua origem.
Portanto, pretender desvirtuar e traçar rumos novos são tentativas vãs que esbarram logo na incompetência de seus autores e na improcedência de suas pretensões. Valem-se, justamente, da liberdade que a Doutrina faculta, de exame de seus postulados, com o uso da razão. Ela não necessita de novos rumos nem insta ninguém a ingressar em suas fileiras. Simplesmente, convida as pessoas que têm a ventura de aproximar-se dela para conhecerem a verdade que as liberta.
Entendem alguns que o livre-arbítrio e a liberdade não podem sofrer restrições e limitações.
A nossa inteligência ainda não está habilitada para absorver a inteira sabedoria das leis divinas.
Mas, a simples observação dos princípios naturais nos dá alguma idéia das limitações do ser humano em face das leis e da grandeza do Universo. Um pássaro dispõe de asas e de liberdade para vôos aparentemente ilimitados. Mas sabemos que não pode ir além de determinada altitude.
Também o homem, no uso de seu livre-arbítrio, não pode praticar determinados atos. É contido quando tenta. Do mesmo modo o Espírito, liberto do corpo físico, não dispõe livremente de sua vontade. As leis e as organizações humanas não permitem que as pessoas usem da liberdade e da via pública para cometerem tropelias de toda ordem. Assim, também, os Espíritos muito endividados e cujos atos os aproximam da natureza primitiva dos animais são contidos, no espaço, e impedidos de praticar certas ações, tolhidos, temporariamente, do pleno exercício do livre-arbítrio, em estrita conformidade com as leis divinas e em perfeita consonância, pois, com a razão. O comportamento não pode ultrapassar determinados limites, embora seja ilimitada a liberdade de pensar.
A liberdade de que se utilizam certas pessoas para distorcer os ensinamentos dos Espíritos, prática que, não raras vezes, constatamos, não as isenta de implicação em falta grave. Em nome do princípio de liberdade da prática religiosa ou da expressão de pensamento, não podem induzir os outros a erro, mormente quando dispõem de tribunas, meios de comunicação e instrução com que não podem contar seus semelhantes.
Os espíritas sinceros, mesmo aqueles que não tiveram acesso à instrução, devem estar atentos a todas aquelas pregações feitas em nome do Espiritismo, mas que não estejam de acordo e em consonância com o ensino dos Espíritos. Não podemos dar guarida a tais distorções, preservando, pois, a simplicidade e a pureza da Doutrina e evitando o que ocorreu com a Revelação Cristã, tantas vezes desvirtuada e ultrajada no curso do tempo.
Conforme nos ensina "O Livro dos Espíritos", na resposta dada à questão 133, o Espírito é criado "simples e ignorante" e, ainda de conformidade com a resposta à questão nº 843 do aludido livro, "lhe é outorgado o livre-arbítrio" donde se conclui que o bom ou mau uso que dessa outorga se faz decorre da maior ou menor evolução do Espírito. Ora, todos aqueles que pretendem modificar o ensinamento dos Espíritos ou estão imbuídos de má-fé ou se julgam superiores aos Espíritos que nos trouxeram a Nova Revelação. E, se se julgam superiores, antes têm que comprová-lo com suas obras, na construção do bem.
Há, pois, pessoas que, movidas por excessivo orgulho e desmedida vaidade, fomentam discórdias, dissonâncias e dissensões nas Instituições, nos Centros e Grupos Espíritas e podem dificultar e retardar o progresso do seu semelhante. Mas, nesta ou noutra vida, vão responder pelos danos e prejuízos causados aos outros.
Assim, tal qual se verifica com a fisionomia humana, a atitude religiosa da criatura é de variada espécie. Há aquela que se opõe à nossa crença com intolerância maior ou menor, a intransigente, a indiferente, a concordante, a discordante, etc. Na abrangência especificamente espírita a atitude também varia. Há os que somente aceitam e julgam bela a filosofia espírita, os que imaginam que a Doutrina é eminentemente científica, há os místicos, os que se limitam à forma, os que se restringem a conhecer sem praticar, os que praticam de um lado e desmentem de outro, mas, felizmente, há considerável número de criaturas que não alardeiam conhecimentos, silenciam, trabalham, doam amor e fraternidade, sempre prontas a ouvir e ajudar, com humildade e dedicação, fiéis à Doutrina porque a absorvem e são bem assistidas pelos Espíritos. Por isso mesmo o Espiritismo está integrado em suas vidas. Afastam-se de discussões estéreis e ficam atentas a qualquer oportunidade de aprender. Amar e aprender é o lema dessas criaturas, que estão sempre nos ensinando a amar com seus comportamentos, obras e exemplos.
Tem, pois, a criatura ampla liberdade de agir e de pensar, mas a sua evolução, as conquistas, as alegrias e felicidade futuras ficam condicionadas ao seu aprendizado, ao bem que proporciona e ao amor dedicado ao seu semelhante, também caminhante da longa estrada humana.
Reformador - Maio de 1997
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