Estudando o Espiritismo

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domingo, 24 de fevereiro de 2019

Cilício e vida

Cilício e vida


O Evangelho segundo o Espiritismo— Cap. V — Item 26


1 Cilícios para ganhar os Céus! A Infinita Bondade abençoe a quem os pratique de boa fé, no entanto, convém recordar que o Apelo Divino solicita “misericórdia e não sacrifício”. ( † )

2 Nessa legenda, a lógica espírita aconselha disciplinas edificantes e não rigores inúteis; austeridades que rendam educação e progresso; regimes que frutifiquem compreensão e beneficência; cooperação por escola e trabalho exprimindo aprendizado espontâneo.

3 Quando tenhas uma hora disponível, acima do repouso que te restaure, canaliza atenção e força para que se atenuem os sofrimentos da retaguarda.

4 Um minuto de carinho para com os alienados mentais ensina a preservar o próprio juízo.

5 Alguns momentos de serviço, junto ao leito dos paralíticos, articulam preciosa aula de paciência.

6 Simples visita ao hospital diminui ilusões.

7 Cozinhar prato humilde, a benefício dos que não conseguem assegurar a subsistência, impele a corrigir os excessos da mesa.

8 Costurar em socorro dos que tremem desnudos, auxilia a esquecer extravagâncias de vestuários.

9 Entregar voluntariamente algum recurso, nos lares desprotegidos, criando reconforto e esperança, imuniza contra o flagelo da usura e contra a voragem do desperdício.

10 Amparar em pessoa aos que vagam sem rumo ensina respeito ao lar que nos aconchega.

11 Cilícios para conquistar os talentos celestes!… Façamos aqueles que se transfigurem nas obras de fraternidade e elevação, por melhorarem a vida, melhorando a nós mesmos.

12 Não ignoramos que tanto o Planeta Terrestre, quanto as criaturas que o povoam jazem vivos, em pleno céu, entretanto, jamais contemplaremos a luz divina do Céu que nos circunda sem acendê-la, dentro de nós.


.Emmanuel

sábado, 23 de fevereiro de 2019

Ensaio sobre a interpretação da doutrina dos Anjos decaídos

Allan Kardec
>  Ensaio sobre a interpretação da doutrina dos Anjos decaídos


REVISTA ESPÍRITA
Jornal de Estudos Psicológicos
publicada sobre a direção de Allan Kardec

janeiro de 1862

* * *


A questão das origens tem sempre o privilégio de excitar a curiosidade, e, nesse ponto de vista, o que o homem vê o estimula tanto mais quanto é impossível, a qualquer pessoa sensata, aceitar ao pé da letra o relato bíblico, e nisso não ver uma dessas alegorias das quais o estilo oriental é tão pródigo. A ciência, aliás, veio fornecer-lhe a prova demonstrando, por sinais os menos contestáveis, a impossibilidade material da formação do globo em seis dias de vinte e quatro horas. Diante da evidência dos fatos escritos em caracteres irrecusáveis, nas camadas geológicas, à Igreja deveu se alinhar à opinião dos sábios, e convir com eles que os seis dias da criação são seis períodos de uma extensão indeterminada, como fez outrora quanto ao movimento da Terra. Se, pois, o texto bíblico é suscetível de interpretação sobre esse ponto capital, pode sê-lo, do mesmo modo, sobre outros pontos, notadamente sobre a época do aparecimento do homem sobre a Terra, sobre a sua origem, e sobre o sentido que se deve dar à qualificação de anjos decaídos.

Como o princípio das coisas está nos segredos de Deus, que não no-lo revela senão gradativamente, e à medida que julga a propósito, fica-se reduzido às conjecturas. Muitos sistemas foram imaginados para resolver esta questão, e cada um, até o presente, não satisfez completamente à razão. Vamos tentar, nós também, levantar um canto do véu; seremos mais felizes do que os nossos predecessores? Nós o ignoramos; só o futuro isso decidirá. A teoria que apresentamos é, pois, uma opinião pessoal; ela nos parece concordar com a razão e com a lógica; é o que lhe dá, aos nossos olhos, um certo grau de probabilidade.

Constatamos, de início, que, se é possível descobrir alguma parte da verdade, isso não pode ser senão com a ajuda da teoria espírita; ela já resolveu uma multidão de problemas insolúveis até então, e será com a ajuda das balizas que nos fornece que vamos tratar de remontar à cadeia dos tempos. O sentido literal de certas passagens dos livros sagrados, contraditados pela ciência, repelidos pela razão, fez mais incrédulos do que se pensa, pela obstinação que se pôs em delas fazer artigos de fé; se uma interrupção racional fá-las aceitar, evidentemente, é reaproximar da Igreja aqueles que dela se afastaram.

Antes de prosseguir, é preciso entender-se sobre as palavras. Quantas disputas deveram a sua eternização senão à ambiguidade de certas expressões, que cada um tomava no sentido de suas idéias pessoais! Demonstramo-lo em O Livro dos Espíritos, a propósito da palavra alma. Dizendo, decididamente, em qual acepção a tomamos, pusemos fim a toda controvérsia. A palavra anjo está no mesmo caso; é empregada indiferentemente no bom ou mau costume, uma vez que se costuma dizer: os bons e os maus anjos, o anjo das luzes e o anjo das trevas; de onde se segue que, em sua acepção geral, significa simplesmente Espírito. Evidentemente, é neste último sentido que é preciso entendê-lo falando dos anjos decaídos e dos anjos rebeldes. Segundo a Doutrina Espírita, de acordo nisto com vários teólogos, os anjos não são seres privilegiados de criação, isentos, por um favor especial, do trabalho imposto aos outros, mas Espíritos chegados à perfeição por seus esforços e seus méritos. Se os anjos fossem seres criados perfeitos, a rebelião contra Deus sendo um sinal de inferioridade, os que se revoltaram não podiam ser anjos. A Doutrina nos diz também que os Espíritos progridem, mas que não retrogradam nunca, porque não podem jamais perder as qualidades que adquiriram; ora, a rebelião, da parte de seres perfeitos, seria uma retrogradação, ao passo que ela se concebe da parte de seres ainda atrasados.

Para evitar todo equívoco, conviria reservar a qualificação de anjos para os puros Espíritos, e chamar os outros simplesmente Espíritos bons ou Espíritos maus; mas tendo prevalecido o uso do emprego dessa palavra para os anjos decaídos, dizemos que a tomamos na acepção geral, e ver-se-á que, neste sentido, a idéia de queda e de revolta é perfeitamente admissível.

Não conhecemos, e provavelmente não conheceremos jamais, o ponto de partida da alma humana; tudo o que sabemos é que os Espíritos são criados simples e ignorantes; que progridem intelectual e moralmente; que, em virtude de seu livre arbítrio, uns tomaram o bom caminho e os outros o mau; que, uma vez colocado o pé no lamaçal, nele afundaram mais e mais; que, depois de uma sucessão ilimitada de existências corporais cumpridas sobre a Terra ou em outros mundos, se depuram e chegam à perfeição, que os aproxima de Deus.

Um ponto que também é difícil de compreender é a formação dos primeiros seres vivos sobre a Terra, cada um em sua espécie, desde a planta até o homem; a teoria contida sobre este assunto, em O Livro dos Espíritos, nos parece a mais racional, embora não resolva, senão incompletamente e de maneira hipotética, o problema, que cremos insolúvel para nós quanto para a maioria dos Espíritos, a quem não é dado penetrar o mistério das origens. Se interrogados sobre esse ponto, os mais sábios dizem que não o sabem; mas outros, menos modestos, tomam a iniciativa por si mesmos e se colocam como reveladores, ditando sistemas, produtos de suas idéias pessoais, que dão como verdade absoluta. É contra a mania dos sistemas de certos Espíritos, com respeito ao princípio das coisas, que é preciso se pôr em guarda, e o que, aos nossos olhos, prova a sabedoria daqueles que ditaram O Livro dos Espíritos, é a reserva que observaram sobre as questões dessa natureza. Na nossa opinião, não é uma prova de sabedoria decidir essas questões de maneira absoluta, assim como alguns o fazem, sem inquietar-se com as impossibilidades materiais resultantes dos dados fornecidos pela ciência e pela observação. O que dizemos do aparecimento dos primeiros homens sobre a Terra se entende quanto à formação dos corpos; porque, uma vez formado o corpo, é mais fácil conceber que o Espírito vem tomar-lhe posse. Estando dado o corpo, o que nos propomos examinar aqui é o estado dos Espíritos que os animaram, a fim de chegar, se possível, a definir, de maneira mais racional do que não se fez até este dia, a doutrina da queda dos anjos e do paraíso perdido.

Se não se admite a pluralidade das existências corpóreas, é preciso admitir que a alma é criada ao mesmo tempo que o corpo se forma; porque, de duas coisas uma, ou a alma que anima o corpo em seu nascimento já viveu, ou ela ainda não viveu; entre essas duas hipóteses, não há meio termo; ora, da segunda hipótese, aquela em que a alma não viveu surge uma multidão de problemas insolúveis, tais como a diversidade de aptidões e de instintos, incompatíveis com a justiça de Deus, a sorte das crianças que morrem em tenra idade, a dos cretinos e dos idiotas, etc.; ao passo que tudo se explica naturalmente admitindo-se que a alma já viveu e que traz, encarnando em um novo corpo, o que adquirira anteriormente. Assim é que as sociedades progridem gradualmente; sem isso, como explicar a diferença que existe entre o estado social atual e o dos tempos de barbárie? Se as almas são criadas ao mesmo tempo que o corpo, as que nascem hoje são tão novas, tão primitivas quanto aquelas que viviam há mil anos; acrescentemos que não há, entre elas, nenhuma conexão, nenhuma relação necessária; elas são completamente independentes umas das outras; por que, pois, as almas hoje seriam melhor dotadas por Deus do que suas predecessoras? Porque compreendem melhor? Porque têm instintos mais depurados, costumes mais brandos? Porque têm a intuição de certas coisas sem tê-las aprendido? Desafiamos a sair daí, a menos que se admita que Deus criou almas de diversas qualidades, segundo os tempos e os lugares, proposição inconciliável com a idéia de uma soberana justiça. Dizei, ao contrário, que as almas de hoje já viveram em tempos recuados; que elas puderam ser bárbaras como seu século, mas que progrediram; que, a cada nova existência, elas trazem as aquisições das existências anteriores; que, por conseguinte, as almas dos tempos civilizados são as almas não criadas mais perfeitas, mas que se aperfeiçoaram, elas mesmas, com o tempo, e tereis a única explicação plausível do progresso social.

Estas considerações, tiradas da teoria da reencarnação, são essenciais para a inteligência do fato do que falaremos dentro em pouco.

Se bem que os Espíritos possam se reencarnar em diferentes mundos, parece que, em geral, eles cumprem um certo número de migrações corpóreas sobre o mesmo globo e no mesmo meio, a fim de poderem melhor aproveitar da experiência adquirida; não saem desse meio senão para entrar num pior por punição, ou num melhor por recompensa. Disso resulta que, durante um certo período, a população do globo é quase composta dos mesmos Espíritos, que nele reaparecem em diversas épocas, até que tenham alcançado um grau de depuração suficiente para irem habitar mundos mais avançados.

Segundo o ensinamento dado pelos Espíritos superiores, essas emigrações e essas imigrações dos Espíritos encarnados sobre a Terra ocorrem de tempos em tempos individualmente; mas, em certas épocas, elas se operam em massa, em conseqüência das grandes revoluções que dela fazem desaparecer quantidades inumeráveis, e são substituídos por outros Espíritos que constituem, de alguma sorte, sobre a Terra ou sobre uma parte da Terra, uma nova geração.

O Cristo disse uma palavra notável que não foi compreendida, como muitas outras que se tomaram ao pé da letra, sem pensar que, quase sempre, ele falou por figuras e parábolas. Anunciando grandes mudanças no mundo físico e no mundo moral, disse ele: Eu vos digo, em verdade, que esta geração não passará antes que estas coisas tenham se cumprido; ora, a geração do tempo do Cristo passou há dezoito séculos sem que estas coisas tenham chegado; é preciso disso concluir, ou que o Cristo se enganou, o que não é admissível, ou que suas palavras tinham um sentido oculto, que se interpretou mal.

Se nos reportarmos agora ao que dizem os Espíritos, não somente a nós, mas pelos médiuns de todos os países, atingimos o cumprimento dos tempos preditos, uma época de renovação social, quer dizer, a uma época de uma dessas grandes emigrações dos Espíritos que habitam a Terra. Deus, que para ela os enviara para se melhorarem, nela deixou-os o tempo necessário para progredirem, fê-los conhecer as suas leis, primeiro por Moisés, em seguida pelo Cristo; fê-los advertir pelos profetas; em suas reencarnações sucessivas, puderam tirar proveito desses ensinamentos; agora é chegado o tempo em que aqueles que não aproveitaram da luz, aqueles que violaram as leis de Deus e desconheceram seu poder, vão deixar a Terra onde estariam, doravante, deslocados no meio do progresso moral que se cumpriu, e ao qual não poderiam senão trazer entraves, seja como homens, seja como Espíritos. A geração da qual o Cristo falou, não podendo se reportar aos homens vivendo em seu tempo, corporalmente falando, deve se entender da geração dos Espíritos que percorreram, sobre a Terra, os diversos períodos de suas encarnações e que vão deixá-la. Vão ser substituídos por uma nova geração de Espíritos que, mais avançados moralmente, farão reinar, entre eles, a lei de amor e de caridade ensinada pelo Cristo, e cuja felicidade não será perturbada pelo contato dos maus, dos orgulhosos, dos egoístas, dos ambiciosos e dos ímpios. Parece mesmo, no dizer dos Espíritos, que já entre as crianças que nascem agora, muitas são a encarnação de Espíritos dessa nova geração. Quanto àqueles da antiga geração que tiverem bem merecido, mas que, no entanto, não atingiram ainda um grau de depuração suficiente para chegar aos mundos mais avançados, eles poderão continuar a habitar a Terra e nela cumprir ainda algumas encarnações, mas, então, no lugar de ser uma punição, isto será uma recompensa, uma vez que nela serão mais felizes por progredirem. O tempo em que uma geração de Espíritos desaparece, para dar lugar a uma outra, pode ser considerado como o fim do mundo, quer dizer, do mundo moral.

Em que vão se tornar os Espíritos expulsos da Terra? Os próprios Espíritos nos dizem que irão habitar mundos novos, onde se encontram seres ainda mais atrasados do que neste mundo, e estarão encarregados de fazê-los progredir, levando-lhes o produto de seus conhecimentos adquiridos. O contato do meio bárbaro, onde se encontrarão, será, para eles, uma cruel expiação, e uma fonte incessante de sofrimentos físicos e morais, dos quais terão tanto mais consciência quanto sua inteligência estiver mais desenvolvida; mas essa expiação será, ao mesmo tempo, uma missão que lhes oferecerá um meio de resgatar seu passado, segundo o modo como a cumprirem. Ali, sofrerão ainda uma série de encarnações, durante um período de tempo mais ou menos longo, no fim do qual, aqueles que tiverem merecido, serão dele retirados para irem para mundos melhores, talvez sobre a Terra que, então, será uma morada de felicidade e de paz, ao passo que os da Terra, a seu turno, subirão, e, assim, alternativamente, até o estado de anjos ou de puros Espíritos.

É muito demorado, dir-se-á, não seria mais agradável ir de uma vez da Terra ao céu? Sem dúvida, mas, com esse sistema, tendes a alternativa de ir também direto da Terra para o inferno, pela eternidade das eternidades; ora, convir-se-á que a soma das virtudes necessárias para ir direto ao céu é bastante rara neste mundo, e há muito poucos homens que possam se dizer certos de possuí-las; de onde resulta que há mais chance de ir para o inferno do que de ir para o paraíso. Não vale mais fazer uma caminhada mais longa e estar seguro de atingir o objetivo? No estado atual da Terra, ninguém se preocupa de a ela voltar, mas nada o obriga, porque depende de cada um avançar de tal modo, enquanto nela está, que possa merecer subir. Nenhum prisioneiro que sai da prisão se impacienta para nela reentrar; o meio, para ele, é muito simples, é não recair em falta. O soldado, ele também, acharia muito cômodo tornar-se general de repente; mas embora tenha o bastão na sua cartucheira, não lhe é preciso menos ganhar suas esporas.

Remontemos agora à escala dos tempos; e, do presente, como ponto conhecido, tratemos de deduzir o desconhecido, pelo menos por analogia, se não o for com a certeza de uma demonstração matemática.

A questão de Adão, como fonte única da espécie humana sobre a Terra, é muito controvertida, como se sabe, porque as leis antropológicas demonstram-lhe a impossibilidade, sem falar dos documentos autênticos da história chinesa que provam que a população do globo remonta a uma época bem anterior à que a cronologia bíblica assinala a Adão. A história de Adão foi inventada? Isso não é provável; é uma figura que, como todas as alegorias, deve encerrar uma grande verdade da qual só o Espiritismo pode nos dar a chave. A questão principal, na nossa opinião, não é saber se o personagem Adão realmente existiu, nem em qual época ele viveu, mas se a raça humana, que se designa como sua posteridade, é uma raça decaída. A solução desta questão não está mesmo sem moralidade, porque, esclarecendo-nos sobre o nosso passado, pode nos guiar na nossa conduta para o futuro.

Notemos, de início, que a idéia de queda aplicada ao homem é um contra-senso, sem a reencarnação, do mesmo modo que a da responsabilidade que levaríamos pela falta de nosso primeiro pai. Se a alma de cada homem é criada em seu nascimento, portanto, ela não existia antes; não deve ter nenhuma relação, nem direta nem indireta, com a que cometeu a primeira falta, e, desde então, pergunta-se como dela pode ser responsável. A dúvida, sobre esse ponto, conduz naturalmente à dúvida, ou mesmo à incredulidade, sobre muitos outros, porque, se o ponto de partida é falso, as conseqüências devem também ser falsas. Tal é o raciocínio de muitas pessoas. Pois bem! esse raciocínio cai tomando-se o espírito, e não a letra, do relato bíblico, e se se reporta aos próprios princípios da Doutrina Espírita, destinada, como foi dito, a reanimar a fé que se extingue.

Notemos, ainda, que a idéia dos anjos rebeldes, dos anjos decaídos, do paraíso perdido, se encontra em quase todas as religiões, e, no estado de tradição, em quase todos os povos; ela deve, pois, repousar sobre uma verdade. Para compreender o verdadeiro sentido que se deve dar à qualificação de anjos rebeldes, não é necessário supor uma luta real entre Deus e os anjos, ou Espíritos, uma vez que a palavra anjo está aqui tomada em uma acepção geral. Admitindo-se que os homens são Espíritos encarnados, que são os materialistas e os ateus senão anjos ou Espíritos em revolta contra a Divindade, uma vez que negam a sua existência e não reconhecem nem seu poder, nem suas leis? Não é por orgulho que pretendem que, de tudo o que são capazes, vem deles mesmos e não de Deus? Não é o cúmulo da rebelião o de pregar o nada depois da morte? Não são muito culpáveis aqueles que se servem da inteligência de que se glorificam, para arrastarem seus semelhantes aos precipícios da incredulidade? Não fazem igualmente ato de revolta, até um certo ponto, aqueles que, sem negarem a Divindade, desconhecem os verdadeiros atributos de sua essência? Aqueles que se cobrem com uma máscara de piedade para cometerem más ações? Aqueles que a fé no futuro não desliga dos bens deste mundo? Aqueles que, em nome de um Deus de paz, violam a primeira de suas leis: a lei de caridade? Aqueles que semeiam a perturbação e o ódio pela calúnia e pela maledicência? Aqueles, enfim, cuja vida, voluntariamente inútil se escoa na ociosidade, sem proveito para eles mesmos e para os seus semelhantes? A todos será pedida a conta não só do mal que fizeram, mas do bem que não terão feito. Pois bem! todos esses Espíritos que empregaram tão mal suas encarnações, uma vez expulsos da Terra enviados para mundos inferiores, entre os povos ainda na infância e na barbárie, que serão senão anjos decaídos enviados em expiação? A Terra que deixam, não é para eles um paraíso perdido em comparação com o meio ingrato onde vão se achar relegados durante milhares de séculos, até que tenham um dia merecido a sua libertação?

Se, agora, remontarmos à origem da raça atual, simbolizada na pessoa de Adão, encontramos todos os caracteres de uma geração de Espíritos expulsos de um outro mundo, e exilados, por causas semelhantes, sobre a Terra já povoada, mas de homens primitivos, mergulhados na ignorância e na barbárie, e que eles tinham a missão de fazê-los progredir, trazendo entre eles as luzes de uma inteligências já desenvolvida. Não é, com efeito, o papel que cumpre até este dia a raça adâmica? Relegando-a sobre esta Terra, de trabalho e de sofrimento, Deus não teve razão em dizer-lhe: "dela tirarás o teu sustento com o suor de teu rosto"? Se ela mereceu esse castigo por causas semelhantes às que temos hoje, não é justo dizer que ela está perdida pelo orgulho? Em sua mansuetude, não poderia lhe prometer que lhe enviaria um Salvador, quer dizer, aquele que deveria esclarecê-la sobre o caminho a seguir para chegar à felicidade dos eleitos? Este salvador enviou-lhe na pessoa do Cristo, que ensinou a lei de amor e de caridade, como a verdadeira âncora de salvação.

Aqui se apresenta uma importante consideração. A missão do Cristo é facilmente compreendida admitindo-se que foram os mesmos Espíritos que viveram antes e depois de sua vinda, e que, assim, deveram aproveitar seja de seu ensinamento, seja do mérito de seu sacrifício; mas compreende-se mais dificilmente, sem a reencarnação, a utilidade desse mesmo sacrifício para Espíritos criados posteriormente à sua vinda, e que Deus, assim, teria criado manchados com faltas daqueles com os quais não tiveram nenhuma relação.

Essa raça de Espíritos parece, pois, ter feito seu tempo sobre a Terra; entre eles, uns aproveitaram esse tempo o seu adiantamento e mereceram ser recompensados; outros, pela sua obstinação em fechar os olhos à luz, esgotaram a mansuetude do Criador e mereceram um castigo. Assim cumprir-se-á esta palavra do Cristo: "Os bons ficarão à minha direita e os maus à minha esquerda."

Um fato parece vir em apoio da teoria que atribui uma preexistência aos primeiros habitantes dessa raça sobre a Terra, é que Adão, que é indicado como a sua origem, é representado com um desenvolvimento intelectual imediato, muito superior ao das raças selvagens atuais; que esses primeiros descendentes, em pouco tempo, puderam mostrar aptidão para trabalhos de arte muito avançados. Ora, o que sabemos do estado dos Espíritos em sua origem nos indica o que teria sido Adão, do ponto de vista intelectual, se sua alma houvesse sido criada ao mesmo tempo que o seu corpo. Admitindo-se que, por exceção, Deus lhe haja dado uma mais perfeita, restaria a explicar porque os selvagens da Nova-Holanda, por exemplo, se saem da mesma fonte, são infinitamente mais atrasados do que o pai comum. Tudo prova, ao contrário, tão bem pelo físico como pelo moral, que pertencem a uma outra raça de Espíritos mais próximos de sua origem, e que lhes é preciso ainda um grande número de migrações corpóreas antes de alcançarem mesmo o grau menos avançado da raça adâmica. A nova raça que vai surgir, fazendo reinar por toda a parte a lei do Cristo, que é a lei de justiça, de amor e de caridade, apressará o seu adiantamento. Aqueles que escreveram a história da antropologia terrestre, sobretudo, se apegaram aos caracteres físicos; o elemento espiritual, quase sempre, foi negligenciado, e o foi, necessariamente, pelos escritores que não admitem nada fora da matéria. Quando ele for levado em conta no estudo das ciências, lançará uma luz toda nova sobre uma multidão de questões ainda obscuras, porque o elemento espiritual é uma das forças vivas da Natureza, que desempenha um papel preponderante nos fenômenos físicos, tão bem quanto nos fenômenos morais.

Eis, em pequeno, um exemplo surpreendente da analogia com o que se passa em grande no mundo dos Espíritos, e que nos ajudará a compreendê-lo.

No dia 24 de maio de 1861, a fragata Iphigénie trouxe à Nova Caledônia uma companhia disciplinar composta de 291 homens: o comandante da colônia dirigiu-lhes, à sua chegada, uma ordem do dia, assim concebida:

"Pondo o pé sobre esta terra longínqua, já cumpris o papel que vos está reservado.

"A exemplo de nossos bravos soldados da marinha, servindo sob os vossos olhos, nos ajudareis a levar com brilho, no meio das tribos selvagens da Nova Caledônia, a bandeira da civilização. Não é uma bela e nobre missão? Eu vos peço, vós a cumprireis dignamente.

"Escutai a voz e os conselhos de vossos chefes. Eu estou no seu comando; que as minhas palavras sejam bem entendidas.

"A escolha de vosso comandante, de vossos oficiais, de vossos suboficiais e cabos é uma garantia segura de todos os esforços que serão tentados para fazer, de vós, excelentes soldados, digo mais, para vos elevar à altura de bons cidadãos e vos transformar em colonos honrados, se o desejais.

"Vossa disciplina é severa; deve sê-lo. Colocada em nossas mãos, será firme e inflexível, sabei-o bem; como também, justa e paternal, ela saberá distinguir o erro do vício e da degradação..."


Eis, pois, homens expulsos, por sua má conduta, de um país civilizado, e enviados, para punição, entre um povo bárbaro.

Que lhes disse o chefe? "Infringistes as leis de vosso país; fostes ali uma causa de perturbação e de escândalo, e dele fostes expulsos; enviaram-vos para aqui, mas podeis com isso resgatar o vosso passado; podeis, pelo trabalho, aqui vos criar uma posição honrosa, e vos tornar cidadãos honestos. Tendes aqui uma bela missão a cumprir, a de levar a civilização entre essas tribos selvagens. A disciplina será severa, mas justa, e saberemos distinguir aqueles que se conduzirem bem."

Para esses homens, relegados ao seio da selvageria, a mãe-pátria não é um Paraíso perdido pela sua falta e pela sua rebeldia à lei? Sobre essa terra longínqua, não sois anjos decaídos? A linguagem do chefe não é a que Deus devera fazer ouvir os Espíritos exilados sobre a Terra? "Desobedecestes às minhas leis, e é por isso que vos expulsei do país em que poderíeis viver feliz e em paz; aqui sereis condenados ao trabalho, mas podereis, pela vossa boa conduta, merecer vosso perdão e reconquistar a pátria que perdestes pela vossa falta, quer dizer, o céu."

À primeira vista, a idéia da queda parece em contradição com o princípio de que os Espíritos não podem retrogradar; mas é preciso considerar que não se trata de um retorno para o estado primitivo; o Espírito, embora numa posição inferior, não perde nada do que adquiriu; seu desenvolvimento moral e intelectual é o mesmo, qualquer que seja o meio onde esteja colocado. Ele está na posição de um homem do mundo, condenado à prisão por seus erros; certamente, ele caiu do ponto de vista social, mas não se torna nem mais estúpido, nem mais ignorante.

Crê-se, agora, que esses homens, enviados à Nova Caledônia, vão se transformar subitamente em modelos de virtudes? Que vão abjurar, de repente, seus erros passados? Seria preciso não conhecer a Humanidade para o supor. Pela mesma razão, os Espíritos que vão ser expulsos da Terra, uma vez transplantados nos mundos de exílio, não vão se despojar instantaneamente de seu orgulho e de seus maus instintos; por muito tempo ainda, conservarão as tendências de sua origem, um resto do velho fermento. Deve ter ocorrido o mesmo com a raça adâmica exilada sobre a Terra; ora, não está aí o pecado original? A tarefa que eles trazem, ao nascer, é a da raça de Espíritos culpados e punidos à que eles pertencem; tarefa que podem encobrir pelo arrependimento, pela expiação, e pela renovação de seu ser moral. O pecado original, considerado como a responsabilidade de uma falta cometida por outrem, é um contra-senso e a negação da justiça de Deus; considerado, ao contrário, como conseqüência e saldo de uma imperfeição primeira do indivíduo, não só a razão a admite, mas se considera de toda justiça a responsabilidade que dela decorre.

Esta interpretação dá uma razão de ser toda natural ao dogma da Imaculada Conceição, do qual o ceticismo tanto tem zombado. Esse dogma estabelece que a mãe do Cristo não estava manchada pelo pecado original; como pode ser isto? É muito simples: Deus enviou um Espírito puro, não pertencente à raça culpada e exilada, para se encarnar sobre a Terra e nela cumprir essa augusta missão; do mesmo modo que, de tempos em tempos, envia Espíritos superiores para nela se encarnarem, para darem um impulso ao progresso e apressar o seu adiantamento. Esses Espíritos são, sobre a Terra, como o venerável pastor que vai moralizar os condenados em sua prisão, e mostrar-lhes o caminho da salvação.

Certas pessoas, sem dúvida, acharão esta interpretação pouco ortodoxa; alguns mesmo poderão denunciá-la como heresia. Mas não está averiguado que muitos não vêem, nos relatos da Gênese, na história da maçã e da costela de Adão senão uma figura; que, por falta de poder dar um sentido preciso à doutrina dos anjos decaídos, dos anjos rebeldes e do paraíso perdido, olham todas essas coisas como fábulas? Se uma explicação lógica leva-os a nisso ver uma verdade disfarçada sob a alegoria, isso não vale mais do que uma negação absoluta? Admitamos que essa solução não esteja, em todos os pontos, conforme a ortodoxia rigorosa, no sentido vulgar da palavra, perguntamos se é preferível não crer em tudo, ou de crer em alguma coisa. Se a crença no texto literal afasta de Deus, e se a crença pela interpretação dele aproxima, uma não vale mais do que a outra? Não viemos, pois, destruir o princípio, solapá-lo em seus fundamentos, assim como o fizeram alguns filósofos; procuramos descobrir-lhe o sentido oculto, e viemos, ao contrário, consolidá-lo, dando-lhe uma base racional. Seja como for, a essa interpretação não se lhe recusará, em todos os casos, um caráter de grandeza que o texto, tomado ao pé da letra, não tem. Essa teoria abarca, ao mesmo tempo, a universalidade dos mundos, o infinito no passado e no futuro; ela dá, a tudo, sua razão de ser pelo encadeamento que liga todas as coisas, pela solidariedade que estabelece entre todas as partes do Universo. Não está mais conforme com a idéia que fazemos da majestade e da bondade de Deus, do que aquela que circunscreve a Humanidade num ponto do espaço, e a um instante na eternidade?


Respostas à questão dos anjos decaídos

REVISTA ESPÍRITA
Jornal de Estudos Psicológicos
publicada sobre a direção de Allan Kardec

abril de 1862

Nota.
- Recebemos de diversos lados respostas a todas as perguntas propostas no número de janeiro último. Sua extensão não nos permite publicá-las todas simultaneamente; limitar-nos-emos hoje à questão dos anjos rebeldes.


(Bordeaux. - Médium, Sra. Cazemajoux.)

Meus amigos, a teoria contida no resumo que vindes de ler, é a mais lógica e a mais racional. A sã razão não permite admitir a criação de Espíritos puros e perfeitos se revoltando contra Deus e procurando igualá-lo em poder, em majestade, em grandeza.

Antes de chegar à perfeição, o Espírito ignorante e fraco, entregue ao seu livre arbítrio, se entrega, muito freqüentemente, à corrupção, e mergulha com prazer no oceano da iniqüidade; mas o que causa sobretudo a sua perda, é o orgulho. Ele nega Deus, atribui ao acaso sua existência, as maravilhas da criação e a harmonia universal. Então, infeliz dele! É um anjo decaído. Em lugar de avançar para os mundos felizes, é mesmo exilado do planeta em que habita para ir expiar, em mundos inferiores, a sua rebeldia incessante contra Deus.

Guardai-vos, irmãos, de imitá-los: são os anjos perversos; fazei todos os vossos esforços para não lhes aumentar o número; que a luz da fé espírita vos esclareça sobre os vossos deveres presentes e sobre os vossos interesses futuros, a fim de que possais, um dia, evitar a sorte dos Espíritos rebeldes, e subir a escala espiritual que conduz à perfeição.

VOSSOS GUIAS ESPIRITUAIS


(Haia (Holanda). - Médium, Sr. barão de Kock.)

Sobre este artigo não tenho senão poucas palavras a dizer, senão que é sublime de verdade; nada há a acrescentar, nada há a suprimir; bem felizes aqueles que unirem fé a essas belas palavras, aqueles que aceitarão esta Doutrina escrita por Kardec. Kardec é o homem eleito de Deus para instrução do homem desde o presente; são palavras inspiradas pelos Espíritos do bem, Espíritos muito superiores. Acrescentai-lhe fé; lede, estudai toda esta Doutrina: é um bom conselho que vos dou.

VOSSO GUIA PROTETOR.


(Sens. - Médium, Sr. Pichon.)

Perg. Que devemos pensar da interpretação da doutrina dos anjos decaídos, que o Sr. Kardec publicou no último número da Revista Espírita? - Resp. Que ela é perfeitamente racional e que nós mesmos não teríamos explicação melhor.

ARAGO.


(Paris. Comunicação particular. - Médium, senhorita Stéphanie.)

Está bem definido, mas é preciso ser franco, não acho senão uma coisa que me contrarie: por que falar desse dogma da Imaculada Conceição? Tivestes revelações concernentes à Mãe do Cristo? Deixai essas discussões para a Igreja católica. Lamento tanto mais essa comparação quanto os padres crerão e dirão que quereis lhes fazer a corte.

UM ESPÍRITO amigo sincero do médium e do diretor da revista espírita.


(Lyon. - Médium, senhora Bouillant.)

Outrora críamos que os anjos, depois de ter habitado os mundos mais radiosos, tinham se revoltado contra Deus, e tinham merecido ser expulsos do Éden, que Deus lhes havia dado como morada. Cantamos sua queda e sua fraqueza, e, crendo nessa fábula do Paraíso perdido, bordamo-lo com todas as flores da retórica que conhecíamos. Era para nós um tema que nos oferecia um encanto particular. Esse primeiro homem e essa primeira mulher expulsos de seu oásis, condenados a viver sobre a Terra, presos de todos os males que vêm assediar a Humanidade, era para o autor um grande recurso para estender suas idéias, e o assunto, sobretudo, se prestava perfeitamente às nossas idéias melancólicas; como os outros, acreditamos no erro, e acrescentamos a nossa palavra a todas as que já tinham sido pronunciadas. Mas, agora que nossa existência no espaço nos permitiu julgar as coisas sob seu verdadeiro ponto de vista; no presente que podemos compreender o quanto é absurdo admitir que o Espírito, chegado ao seu mais alto grau de pureza, podia retrogradar de repente, se revoltar contra seu o criador e entrar em luta com ele; mas agora que podemos julgar por quantos cadinhos é preciso que o líquido se filtre para se depurar ao ponto de se tornar essência e quintessência, estamos no estado de vos dizer o que são os anjos decaídos, e o que deveis acreditar do Paraíso perdido.

Deus, em sua imutável lei do progresso, quer que os homens avancem, e avancem sem cessar, de século em século, em épocas determinadas por ele. Quando a maioria dos seres que habitam a Terra se torna muito superior para a parte terrestre que ela ocupa, Deus ordena uma emigração de Espíritos, e aqueles que cumpriram sua missão com consciência vão habitar regiões que lhes são determinadas; mas o Espírito recalcitrante ou preguiçoso que vem fazer sombra no quadro, este está obrigado a permanecer para trás, e nessa depuração do Espírito, ele é rejeitado, como os químicos fazem para o que não passou pelo filtro; então o Espírito se encontra em contato com outros Espíritos, que lhe são inferiores, e sofre realmente do constrangimento que lhe é imposto.

Lembra-se intuitivamente da felicidade que gozava, e se encontra no meio de seus iguais como uma flor exótica que fosse bruscamente transplantada num campo inculto. Esse Espírito se revolta compreendendo a sua superioridade; procura dominar aqueles que o cercam, e essa revolta, essa luta contra si mesmo, volta-se também contra o criador que lhe deu a existência, e que desconhece. Se seus pensamentos podem se desenvolver, derramará o que excede de seu coração em recriminações amargas, como o condenado na prisão, sofrerá cruelmente até que tenha expiado a preguiça e o egoísmo que o impediram de seguir seus irmãos. Eis, meus amigos, quais são os anjos decaídos e porque todos lamentam seu paraíso. Tratai, pois, a vosso turno, de vos apressar para não serdes abandonados quando soar o sinal do retorno; lembrai-vos de tudo o que deveis a vós mesmos; dizei-vos bem que sois vós, e que tendes o vosso livre arbítrio. Essa personalidade do Espírito vos explica porque o filho do homem sábio, freqüentemente, é um idiota, e porque a inteligência não pode se transformar em morgadio. Um grande homem poderá bem dar à sua prole o garbo de sua aparência, mas jamais lhe transmitirá o seu gênio, e podeis estar certos de que todos os gênios que vieram ostentar seus talentos entre vós eram bem os filhos de suas obras, porque, assim como disse um homem muito sábio, é que: "as mães dos Patay, dos Letronne e do vasto Arago criaram esses grandes homens muito inocentemente". Não, meu amigo, a mãe que dá nascimento a um talento ilustre não está, por nada, no Espírito que anima seu filho: esse Espírito já era muito avançado quando veio se reencarnar no cadinho da depuração. Escalai, pois, esses degraus da escala; degraus luminosos e brilhantes como sóis, uma vez que Deus os ilumina com a sua esplêndida luz; e lembrai-vos de que, agora que conheceis o caminho, sereis muito culpáveis se vos tornardes anjos decaídos; de resto, não creio que ninguém ousaria vos lamentar e vos cantar ainda o Paraíso perdido.

MILTON.


(Francfort. - Médium, senhora Delton).

Não direi nada diverso sobre essa interpretação dos anjos rebeldes e dos anjos decaídos, senão que ela faz parte dos ensinamentos que devem vos ser dados, a fim de dar, às coisas mal compreendidas, seu verdadeiro sentido. Não creiais que o autor desse artigo o haja escrito sem assistência, como ele mesmo pensou; acreditou emitir suas próprias idéias e foi por isso que dela se duvidou, ao passo que, em realidade, não fez senão dar uma forma às que lhe eram inspiradas.

Sim, está com a verdade quando disse que os anjos rebeldes estão ainda sobre a Terra, e que são os materialistas e os ímpios, aqueles que ousam negar o poder de Deus, não está aí o cúmulo do orgulho? Todos vós que credes em Deus e cantais seus louvores, vos indignais com tal audácia da criatura, e tendes razão; mas sondai a vossa consciência, e vede se não estais, vós mesmos, a cada instante em revolta contra ele, pelo esquecimento de suas mais santas leis. Praticai a humildade, vós que credes na superioridade de vosso mérito; que vos glorificais dos dons que recebestes; que vedes com inveja e ciúme a posição de vosso vizinho, os favores que lhe acontecem, a autoridade que lhe é concedida? Praticai a caridade, vós que denegris vosso irmão; que derramais sobre ele a maledicência e a calúnia; que em lugar de lançar um véu sobre seus defeitos, tendes prazer em expô-los à luz, a fim de rebaixá-lo? Vós que credes em Deus, sobretudo vós, Espíritas, e que se agis assim, eu o digo em verdade, sois mais culpáveis do que o ateu e o materialista, porque tendes a luz e não vedes. Sim, sois também anjos rebeldes, porque não obedeceis à lei de Deus, e no grande dia Deus vos dirá: "Que fizestes de meus ensinamentos?"

PAUL, Espírito protetor.





REVISTA ESPÍRITA
Jornal de Estudos Psicológicos
publicada sobre a direção de Allan Kardec

https://vk.com/topic-73728575_33962628

Veja melhor acima no link



A Queda dos Espíritos. Das orígens primeiras a matéria
Eronildo Aguiar
Eronildo Aguiar Jun 12, 2016 at 1:55 am
.

Deus é amor. De Deus não poderia vir o desamor, o imperfeito, o mal. A teoria da queda, apresentada por Pietro Ubaldi, preludiada no Livro A Grande Síntese e desenvolvida nos livros Deus e Universo, O Sistema, e Queda e Salvação, pelo mesmo autor, responde satisfatoriamente a questões que nenhuma outra filosofia conseguiu resolver até os nossos dias: O das origens primeiras dos Espíritos.

Esse tema foi pincelado por Allan Kardec na Revista Espírita de janeiro de 1862. Vejamos o que disse a respeito ‘o bom senso encarnado’:

“Um ponto que também é difícil de compreender é a formação dos primeiros seres vivos sobre a Terra, cada um em sua espécie, desde a planta até o homem; a teoria contida sobre este assunto, em O Livro dos Espíritos, nos parece a mais racional, embora não resolva, senão incompletamente e de maneira hipotética, o problema, que cremos insolúvel para nós quanto para a maioria dos Espíritos, a quem não é dado penetrar o mistério das origens. Se interrogados sobre esse ponto, os mais sábios dizem que não o sabem; mas outros, menos modestos, tomam a iniciativa por si mesmos e se colocam como reveladores, ditando sistemas, produtos de suas idéias pessoais, que dão como verdade absoluta. É contra a mania dos sistemas de certos Espíritos, com respeito ao princípio das coisas, que é preciso se pôr em guarda, e o que, aos nossos olhos, prova a sabedoria daqueles que ditaram O Livro dos Espíritos, é a reserva que observaram sobre as questões dessa natureza. Na nossa opinião, não é uma prova de sabedoria decidir essas questões de maneira absoluta, assim como alguns o fazem, sem inquietar-se com as impossibilidades materiais resultantes dos dados fornecidos pela ciência e pela observação. O que dizemos do aparecimento dos primeiros homens sobre a Terra se entende quanto à formação dos corpos; porque, uma vez formado o corpo, é mais fácil conceber que o Espírito vem tomar-lhe posse. Estando dado o corpo, o que nos propomos examinar aqui é o estado dos Espíritos que os animaram, a fim de chegar, se possível, a definir, de maneira mais racional do que não se fez até este dia, a doutrina da queda dos anjos e do paraíso perdido.”

(Allan Kardec - Ensaio sobre a interpretação da doutrina dos Anjos decaídos - Revista Espírita, janeiro de 1862)

No Sistema Orgânico e Perfeito criado por Deus as criaturas eram todas perfeitas (de perfeição relativa, pois absoluta somente a de Deus) e ocupavam funções, ao ponto de ser oferecido aos espíritos a liberdade de permanecer obedientes a Lei de Amor ou recusar o convite e tentar expandir suas consciências por livre vontade. No Sistema de espíritos perfeitos e livres não havia imposição de uma obediência incondicional (de não poder errar por exemplo), pois isso faria deles autômatos em vez de autônomos. Automatismo seria aprisionamento e não liberdade num organismo de infinitas possibilidades, baseado na ordem e na disciplina, inclusive a de dualidade: Queda e Salvação (- e +).

Os decaídos [da primeira criação] que viviam no S (Sistema que é perfeito, uno, substância de Deus, Espiritual) optaram por livre vontade a criar como Deus [expandir-se mais]. Com isso veio a segunda criação, o AS (o Anti-Sistema) imperfeito, dual, fragmentado, produto da criação por desobediência, a queda - a matéria). Erraram por ignorância, não por maldade nem egoísmo.

120. Todos os Espíritos passam pela fieira do mal para chegar ao bem?

“Pela fieira do mal, não; pela fieira da ignorância.”

(Perg. 120. Livro dos Espíritos – Allan Kardec)
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Eronildo Aguiar
Eronildo Aguiar Jun 12, 2016 at 1:56 am
O Processo evolutivo [de retorno dos desobedientes] era previsto no S (Sistema). Com a desordem aparente, os elementos do AS (Anti-Sistema) são atraídos novamente para o S . No S não há evolução, mas perfeição. Tudo é perfeito no Universo Criado por Deus e apresentado por Pietro Ubaldi ao ponto de o Sistema ser auto-corretivo, numa eventual queda que era prevista. [de Deus não poderia sair nada imperfeito]. A evolução [correção da criação dos decaídos] é da Lei. É a salvação dos que se perderam. Em resumo seria assim: queda = involução [não entender como retrogradação]. Salvação = evolução.

124. Pois que há Espíritos que desde o princípio seguem o caminho do bem absoluto e outros o do mal absoluto, deve haver, sem dúvida, gradações entre esses dois extremos. não?

“Sim, certamente, e os que se acham nos graus intermediários constituem a maioria.”

(Perg. 124. Livro dos Espíritos – Allan Kardec)

“A Evolução não retrograda” (AGS). A queda diz respeito a contração das consciências sofrida pelos espíritos da primeira criação (perfeitos) que foi proporcional (e é justo) a suas funções no Sistema [orgânico perfeito]. A Involução [queda] ocorreu quando houve a desobediência em permanecer na Lei (eram autônomos e livres para isso). A Evolução se dá somente no AS (na Segunda Criação). É a Lei atraindo todos de volta no processo de redenção para o S. No S há perfeição.

125. Os Espíritos que enveredaram pela senda do mal poderão chegar ao mesmo grau de superioridade que os outros?

“Sim; mas as eternidades lhes serão mais longas.”

126. Chegados ao grau supremo da perfeição, os Espíritos que andaram pelo caminho do mal têm, aos olhos de Deus, menos mérito do que os outros?

“Deus olha de igual maneira para os que se transviaram e para os outros e a todos ama com o mesmo coração. Aqueles são chamados maus, porque sucumbiram. Antes, não eram mais que simples Espíritos.”

(Pergs. 125 e 126. Livro dos Espíritos – Allan Kardec)

Por fim, um pouco da teoria, pela pena desse “aparelho da grande verdade”, como acentuou Emmanuel:

"Uma última observação para maior esclarecimento do fenômeno da Queda. O S é um organismo baseado na ordem e na disciplina. O ser devia dar prova de respeitá-lo e assim,conforme a justiça, tornar-se merecedor de permanecer feliz na eternidade. Eis que já existia potencialmente no S uma prova de compreensão, obediência e fidelidade, através da qual a criatura deveria demonstrar, como era indispensável, que sabia viver como ser livre, mas responsável, na disciplina em que se baseava a organicidade do S. Esta prova foi superada pelos elementos obedientes, com a sua adesão à Lei, na qual permaneceram enquadrados, e está sendo superada agora pelos elementos rebeldes, que deverão, para isso, percorrer todo o ciclo involução-evolução. Deste modo, no final, os dois tipos serão vitoriosos, merecendo e adquirindo com isso o direito de se tornarem cidadãos do S."

(Livro: O Cristo, pág. 7 - Pietro Ubaldi)

Paz
[]'s

SATANÁS NA VISÃO ESPÍRITA

SATANÁS NA VISÃO ESPÍRITA

Fonte:  http://www.everystockphoto.com

Quando falamos em Diabo, Satã ou Satanás, nos referimos a uma entidade, um ser existente fisicamente, completamente voltado ao mal sem possibilidades de recuperação, condenado por Deus a reinar, privado da Luz Divina, seu lugar nos escuros e sombrios labirintos de uma caverna que chamamos Inferno.

Também nos lembramos do maior inimigo de Deus com quem batalha há milênios tendo por prêmio a alma dos homens: Deus ficaria com a alma dos bons e o Diabo com a alma dos maus.

O Espiritismo nos mostra que o Diabo seja qual for o seu apelido, não existe. Por Diabo devemos entender a maldade que existe em cada ser humano, seja ele desencarnado ou encarnado. Daí a existência de espíritos bons e espíritos maus, e para todos sempre existe a recuperação.

No entanto temos que admitir que o Espiritismo, enquanto religião é relativamente novo se comparado com as demais religiões. É normal, portanto, que muitos de seus adeptos, senão a maioria, seja originária de outras religiões. Aportamos no Espiritismo vindos do Catolicismo e do Protestantismo trazendo conosco todo um conjunto de valores que tínhamos como verdade absoluta e inquestionável. Um desses valores é a existência do Diabo, dos demônios e das penas eternas. Apesar de aprendermos muitas coisas que o Espiritismo nos ensina, ainda guardamos algum receio, ou mesmo medo das velhas crenças.

Pode ainda nos causar incômodo ou desconforto ao pronunciarmos ou ouvirmos alguns apelidos que conhecemos: capeta, coisa-ruim, sujo, cascudo, tinhoso, danado, cão, maldito, chifrudo, manquitola, quatro - dedos, beiçudo, bode – preto, cramulhano, pé – de – cabra,
Anti - Cristo e por aí vai.

Como nos ensina o Espiritismo, precisamos estar sempre estudando porque o estudo desenvolve nossa inteligência, com a qual podemos melhor diferenciar o bem do mal.

Estudarmos o diabo e sua história nos ajuda a desmistificar a imagem errada que fazemos deste personagem.

A visão moderna que temos do Diabo não é a mesma de tempos atrás. Em toda a história da humanidade sempre existiram bons e maus. Por não compreenderem as verdades como hoje as compreendemos, a humanidade explicou a existência de coisas ruins de maneiras coerentes com a época.

Entre os gregos, Sócrates já afirmava a existência dos demônios, que seriam gênios. Esses gênios (ou demônios) eram espíritos intermediários entre Deus e os Homens. Como tais, podiam ser ruins ou bons. Ele mesmo tinha seu gênio que o aconselhava.

No Museu do Louvre (Paris) existe uma imagem em bronze, datada de 1350 a.C. de Pazuzu (o Agarrador), o demônio do vento do sudoeste. No verão trazia doenças e o flagelo da seca e da fome e no inverno trazia gafanhotos.

Como se nota, os homens atribuíam às divindades boas ou más a explicação dos fenômenos naturais que ele não compreendia.
Estas referências servem apenas para demonstrar que a crença na existência de espíritos bons e maus não é nova, nem exclusividade hebraica ou cristã.

Apesar do interesse que o assunto nos provoca, é no meio cristão que mais no interessa a compreensão do Diabo.

A palavra Satã refere-se ao nome do Príncipe do Mal e origina-se na palavra hebraica Sãtãn que em grego significa Satanás. Portanto, Satã ou Satanás refere-se à mesma criatura, e significa “adversário”.

Nas traduções modernas da Bíblia, a palavra Sãtãn foi traduzida por Satanás, todas escritas com o “S” maiúsculo, ou pela palavra Diabo. Nos textos mais primitivos do Antigo Testamento, o “s” de satã era minúsculo.

Satanás, ou satã com “s” minúsculo indica um substantivo qualificativo. Neste caso algo ou al-guém é qualificado com uma função ou atribuição assim como hoje em dia chamamos de Promotor o homem que é advogado e tem a função de acusador. Nas citações do Velho Testamento, analisando o contexto em que foi citado, satã refere-se ao acusador (promotor) e muitas vezes é descrito um verdadeiro tribunal divino.

Já a palavra Diabo tem origem na tradução do Velho Testamento conhecida como a Bíblia dos Setenta. Isto porque a tradução foi feita no século III a.C. por 72 rabinos e, segunda a lenda, demorou 72 dias para ser concluída. Nesta tradução a palavra satã foi substituída pela palavra grega “diabolos” que traduzida para o português arcaico significa “diaboo”.
As passagens Bíblicas:

1. Zacarias, 3,1-2
2. Jó, 1, 6-12

são suficientes para demonstrar o caráter de Satanás. Notemos que não havia nenhum diálogo entre ele e Deus que denotasse a inimizade arraigada de hoje em dia. Não se trata aqui de dois oponentes que disputam a alma dos homens. Ao contrário, Satanás se mostra bem submisso às ordens de Deus, aceitando calmamente todas as decisões divinas e não encontramos nenhuma passagem que pudesse ser caracterizada de forma diferente. Satanás era, como se demonstra, um servidor de Deus. Este servidor possuía uma tarefa das mais desagradáveis: encontrar e denunciar as falhas humanas. Por isso mesmo, Satanás era temido por aqueles que cometiam erros contra o Senhor. Nota-se que no versículo 6 do capítulo 1 de Jó, que Satanás
encontrou-se com o Senhor junto aos filhos de Deus e não há citação alguma de qualquer incômodo que a presença pudesse ter causado.

De promotor divino, acusador, Satanás evoluiu, ou involuiu para o ser infeliz, destinado a viver nas trevas, privado da Luz Divina, adversário de Deus com quem disputa a alma dos homens. Esta evolução aconteceu apenas no Cristianismo.

Foi com os evangelistas que o caráter infernal de Satanás veio à tona.

O Apocalipse de João revela uma imagem melhor elaborada de Satanás, e é no capítulo 12 que João descreve a queda do Anjo, identificado como o grande dragão.

Por todo o novo testamento existem citações das ações do Diabo que é reconhecido em todo lugar onde haja uma maldade humana.

A palavra Lúcifer , também atribuída erroneamente a Satã, era, na verdade, atribuída a Jesus, o Cristo pois é Ele o único Lúcifer que o nosso mundo conheceu.

Feroz e terrível, a imagem do Diabo assombrou os cristãos iniciantes mas foi com Santo Agostinho que sua imagem se firmou.

O antagonismo entre Deus e Diabo representa antes de tudo a eterna luta entre o bem e o mal. Aurelius Augustinus, o nosso Santo Agostinho, nasceu em 13 de novembro de 354. Romano de descendência, africano de nacionalidade (nasceu em Tagaste, Numídia, na África), ingressou no Catolicismo aos 32 anos, em 386 e converteu-se num dos quatro pilares da filosofia Católica. Defendeu a idéia de que Deus é a bondade absoluta.

Em 395 torna-se bispo na cidade de Hispona.

Em 397 e 398 escreve As Confissões que é uma autobiografia.

Em 413 começa a escrever a Cidade de Deus.

Falece em 28 de agosto de 430.

N’As Confissões defende a tese de que Deus é incorruptível, sendo o eterno Bem. Também defende que o mal nada mais é do que a corrupção do bem. Portanto, todo aquele que pratica o mal está, na verdade, corrompendo o bem que está em si. Se estiver corrompendo o bem que está em si é porque existe nele alguma coisa boa que possa ser corrompida. Portanto, todo o que se corrompe é bom. Para ele, o mal absoluto não existe porque, ou seria criado por Deus, mas Deus não criou o mal, ou o mal absoluto seria um outro deus que contraria a crença Cristã do Deus Único. Portanto, nada existe que não possa obter a salvação, apenas restringe a salvação como sendo por uma graça Divina.

O diabo, como ser eternamente devotado ao mal, no Livro A Cidade de Deus, Santo Agostinho ratifica que o mal não é criação Divina mas uma criação do homem. O anjo que se revoltou contra Deus e foi expulso da Felicidade Eterna dos Anjos, revoltou-se por conta da soberbia e do orgulho que lhe dominou. Portanto, o diabo não é uma criação de Deus mas o resultado dos pecados de um anjo.

Esta filosofia de Santo Agostinho fortaleceu ainda mais a crença no diabo.

E o capeta cresceu em poder diante dos homens durante os séculos vindouros. Mas foi na Idade Média que ele atingiu o topo de seu apogeu.

Tudo o que viam e acontecia sem uma explicação, era designado ao diabo. Se uma pessoa caía e se debatia no chão, com a espuma a sair-lhe pela boca, estava possuída.

A arma mais forte do diabo era a tentação.

No Paraíso, o diabo na forma de uma serpente tentou Eva a consumir a fruta proibida ocasionando sua expulsão do Paraíso.

A mulher foi responsabilizada pela condenação do homem. Por ter cedido à tentação, formou-se a opinião de que a mulher era facilmente influenciada e por isso mesmo, transformou-se em serva do diabo, sendo chamada de bruxa. Tidas como insaciáveis, faladeiras, sensuais e lascivas, as mulheres atraíam facilmente os homens para o pecado.

Foi na Idade Média que surgiram as caças aos bruxos (ou feiticeiros) e a identificação da ação no Diabo nos possuídos e nos atormentados.

Os possuídos eram aquelas pessoas tomadas pelos demônios, mas contra sua vontade.

Os atormentados eram aquelas pessoas tomadas esporadicamente pelos demônios e também contra a sua vontade.

Os feiticeiros (ou bruxos) eram indivíduos que fizeram um acordo com o Diabo recebendo poderes especiais em troca de sua alma.
Mesmo com todo o poder adquirido na Idade Média, o Diabo viria a sofrer golpes terríveis.

No Renascimento, que marcou o fim da Idade Média, o Diabo começou a sofrer sérios reveses e seu poder foi diminuindo pouco a pouco.

Neste período, o desenvolvimento da cultura e da ciência, a bruxaria foi taxada como coisa de gente ignorante, indigna de pessoas mais cultas.
Outro golpe que marcou o fim do poderio satânico foi o desenvolvimento das ciências.
Trazendo ao mundo várias descobertas que não podiam ser contestadas pela crendice ou pela ignorância, os fatos antes atribuídos ao demônio tornaram-se problemas de saúde física com recuperação através de tratamentos e medicação.

É natural que o seu poder diminuiria pois sua fonte estava justamente sendo demonstrado nada ter de demoníaco, mas  foi na segunda metade do século XIX que o Diabo sofreu os mais sérios e decisivos golpes.

O primeiro em 18 de Abril de 1857 quando Allan Kardec trouxe ao mundo O LIVRO DOS ESPÍRITOS.

Mais precisamente nas perguntas de números 128 até a 131, os Espíritos esclarecem que não existem seres eternamente voltados ao mal nem seres criados em situações especiais, diferentes do restante da humanidade.

Evidentemente que a obra de Kardec gerou muita oposição, mas a verdade prevaleceu.
Mas o golpe decisivo veio em setembro de 1865 quando Kardec entrega ao mundo sua obra O CEU E O INFERNO.

Apesar d’O Livro dos Espíritos abordar este assunto de forma incontestável, é n’O Céu o Inferno que temos uma explicação detalhada e racional demonstrando a impossibilidade da existência do Diabo e seus seguidores.

Não importa quantos nomes ou apelidos foram atribuídos ao ser de eterno mal, o fato é que ele não existe como um ser real, físico.

Sua existência deve sim, a uma figuração do mal. Um símbolo do mal que o homem pode produzir.

Dentro desta simbologia, podemos denominar os espíritos maus como demônios, desde que aceitemos o fato de que estes demônios não são espíritos condenados a praticar o mal eternamente.

A visão espírita do Diabo está em perfeita comunhão com a definição do mal dada por Santo Agostinho. O mal absoluto não pode ser criação de Deus, porque em assim sendo, Deus não seria eternamente bom nem justo. Para o espiritismo o mal é causado pela ignorância dos homens que não conhecem e nem praticam a busca dos valores espirituais anunciados por Jesus. Para Santo Agostinho, o mal é a corrupção do bem. Em síntese, são uma e a mesma coisa.

Evidentemente que a teoria de Santo Agostinho não para aí e vai em frente, admitindo a existência dos anjos, dos anjos revoltosos e sua queda, com o que o Espiritismo não concorda.

Toda a crença na existência dos anjos, demônios e das penas eternas vai contra toda a existência lógica do próprio Deus.

Colocando este ponto de vista, nos perguntamos então, porque a humanidade o fez tão forte. Seria para enganar e manter o domínio sobre a população? Seria uma guerra de interesses e de poder entre a Igreja e o Estado? A Igreja Católica deve ser condenada por este mal causado à humanidade?

Para todas estas perguntas, só existe uma resposta: NÃO!

Em primeiro devemos entender que o Cristianismo, no início, sofreu muita pressão das religiões existentes. Muitas destas religiões pretendiam explicar tudo, e dava suas explicações, absurdas se consideradas nos dias atuais, mas perfeitamente enquadradas nos moldes intelectuais da época.

Apenas a título de exemplo podemos citar as teorias do Maniqueísmo que defendia, entre outras, a tese da existência de dois deuses: o Deus bom e justo e o Deus do mal (o diabo), justificando a guerra entre o bem e o mal. O próprio Santo Agostinho foi maniqueísta antes de sua conversão ao Cristianismo.

Outra corrente em vigor na época de Santo Agostinho, era a dos Platônicos que combatiam a tese das penas eternas. Segundo eles, todo o mal praticado pelos homens era, na verdade, uma maneira de aprenderem o bem. Diziam que nenhum mal ficaria sem punição, e todo o mal cometido seria corrigido durante a vida através dos castigos e flagelos recebidos. Aqueles males cometidos e não purificados antes da morte, seriam levados pela alma que os purificariam após a morte. Uns iriam para os abismos, outros seriam içados aos ventos e
outros ficariam queimando em um fogo que não se apagava até que todos os males estivessem purificados. Esta teoria não deixa claro o que ocorre após a purificação, mas sugere a existência de uma espécie de céu.

Pressionado por estas religiões, o Cristianismo deveria também ter uma resposta para tudo, Se não tivesse, ficaria ameaçado de esquecimento porque não teria aceitação junto à população. Afinal, quem se dedicaria a uma Religião que não soubesse explicar os acontecimentos rotineiros do dia – a – dia, quando tantas outras explicavam?

Impossibilitados de alçar vôo mais alto devido à completa ausência de conhecimento e desenvolvimento científico, pressionado pelas exigências culturais e racionais da época, influenciado pelas crenças de outras religiões, o surgimento do Diabo, como sido anjo caído foi a mais racional que puderam entender.

Não podemos deduzir daí que a criação do Diabo e das penas eternas é hoje um bem, ou que estamos aqui defendendo sua existência.

Apenas devemos nos colocar no contexto social de uma época para entender o que esta época realizou.

A existência do Diabo pode até mesmo ser considerada um bem para a humanidade pois serviu de freio para os homens. Se não fosse assim, a violência e a crueldade humana teriam sido muito maiores.

Acreditar nisto, é uma coisa. Acreditar hoje em dia que o Diabo existe do mesmo jeito que se acreditava é um erro, mesmo para uma pessoa não espírita já que os avanços da ciência, por si só, já apagou o fogo eterno do inferno.

Para os Espíritas, o diabo e seus demônios não podem ser vistos senão como a alma dos próprios homens que, ainda endurecidos, praticam toda a sorte de maldades, mas que um dia, cansados do mal, quererão, poderão e alcançarão as mesmas alegrias que desfrutam os
espíritos superiores, chamados anjos.

Mas nem tudo está perdido para o Diabo. Ainda hoje existem algumas seitas, se assim podemos chamá-las, de adoração ao Diabo. Nas religiões tradicionais, como no Protestantismo e no Catolicismo, o seu poder ainda é muito forte. Mas esses casos representam apenas os últimos redutos, ou os últimos suspiros de uma crença que teve seu valor, mas que está irremediavelmente condenado à superação.

E o Espiritismo foi o golpe fatal. O tempo do Diabo acabou, porque já era pouco, como disse o Evangelista João no Apocalipse, 12,12 “... porque o Diabo desceu até vós, e tem grande ira, sabendo que já tem pouco tempo.”

BIBLIOGRAFIA
O Céu e o Inferno – Allan Kardec
O Livro dos Espíritos – Allan Kardec
Revista Edições Planeta – Os Grandes Enigmas – numero 4
Revista História Viva – Grandes Temas numero 12 – Sob a sombra do Diabo
A Bíblia Sagrada – Tradução de João Ferreira de Almeida – Revisada em 1969
Santo Agostinho – Coleção “Os Pensadores”
A Cidade de Deus contra os pagãos – Santo Agostinho
O Novo Dicionário da Bíblia – J. D. Douglas – tradução João Bentes – Edições Vida Nova
Anjos Caídos por Aécio Cesar

Haveria a possibilidade desses anjos caídos temporariamente na senda do mal, viessem a afetar diretamente seus irmãos em humanidade na Terra quanto nos planos invisíveis?

Sim, embora ante os estragos que causam o Bem sempre vence principalmente nesse caso em que veremos nesse capítulo.

Vamos analisar aqui o que André Luiz nos informa a respeito desses espíritos em trânsito nas fileiras da maledicência no livro em estudos “Obreiros da Vida Eterna” na psicografia do médium Chico Xavier.

Seriam tantos os malfeitores das sombras para justificar semelhante pavor?”

Como podemos notar, nosso ex-médico estava bastante preocupado quando assistia a luta com entidades trevosas que tentavam invadir a “Casa Transitória” em que estava sitiado.

Observava ele por pequena abertura grande holofotes que se acendiam no seu exterior tentando iluminar aquele terreno por demais nevoento. Outra observação que deveremos levar em conta revelada por André:

Ruídos característicos (…) informava-nos que aparelhos elétricos haviam sido postos em funcionamento”

Muitos aqui devem ter passado indiferentes a esse assunto. Nessa “Casa Transitória” haviam, sim, geradores de energia também para situações como essa pela qual passava os seus residentes. Pergunto:

Como essa energia elétrica funcionaria sem esses transformadores? Muitos devem estar pensando, pela força do pensamento. Não descarto esse meio, embora devemos convir que, nem sempre o pensamento está ajustado a certas situações como essa que estamos tratando aqui.

A diretora Zenóbia procurava asserenar um pouco a tensão que crescia em todos dizendo:

A tragédia bíblica da queda dos anjos luminosos, em abismos de trevas, repete-se todos os dias, sem que o percebamos em sentido direto”

Aqui temos um leque enormes de situações em que recorre a raça humana. Participamos todos os dias de notícias desagradáveis de tragédias que avassalam milhares de lares pelo mundo afora. E como é sutil essa aproximação que o ser humano não percebe bem a sua influenciação.

Devemos, sim, reforçar a nossa vigilância, pois somos facilmente afetados por hordas de espíritos que nos quer apenas nos fazer mal. Atingindo esse ideal conseguem eles adentrar, sem nenhuma cerimônia, o nosso mundo íntimo sem que, muitas vezes, nos atentemos do perigo iminente.

No caso aqui, espíritos trevosos querem de todo jeito atrapalhar o maravilhoso trabalho desses tarefeiros do bem em lugares onde as trevas reúnem aqueles infratores das Leis Divinas.

Esses espíritos não são demônios criados à parte por Deus para atazanar a vida de encarnados e desencarnados, mas sim, homens sem o corpo físico que quando na Terra, não se importaram tanto em trilhar o caminho do bem.

Retornando aos planos espirituais, são eles automaticamente atraídos a fazer parte da legião de espíritos que têm a mesma afinidade no mal. Devemos convir que esses espíritos não ficarão eternamente na prática do mal.

Não sou eu quem diz essa verdade, mas sim, a Justiça Divina indefectível a nós vinculada. Cap.4-d

Aécio Emmanuel Cesar

Referências da Queda na Doutrina Espírita

Referências da Queda na Doutrina Espírita

Referências da Queda na Codificação Espírita e na obra de Chico Xavier

E o Espírito deve agora resgatar o homem da matéria.

Lázaro (O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. XI)



Texto de autoria de Gilson Freire, extraindo e adaptado do Posfácio do livro Tabernáculo Eterno

O estudioso sincero do Espiritismo, ao entrar em contato com a extraordinária revelação de Pietro Ubaldi, sobretudo aquela contida na obra Deus e Universo e que nos traz a notícia de nossa Queda espiritual, pergunta-se, e com razão, se essa estupenda e indispensável proposição não contradiz formalmente o que aprendemos das fundamentais lições kardequianas. Assustado e indeciso, a primeira intenção do leitor espírita é de abandonar Ubaldi, julgando que essa aparentemente nova informação abala os basilares ensinos dos Espíritos.

Neste pequeno estudo procuremos demonstrar que a noção da Queda, além de ser a essência do Evangelho de Jesus, está presente tanto nas obras básicas da codificação quanto na literatura espírita moderna, sobretudo aquela que herdamos da maravilhosa mediunidade de Chico Xavier.

Para aqueles que se encontram receosos de impugnar as bases do Espiritismo adentrando esses aparentemente novos conceitos, apressamo-nos a citar Carlos Torres Pastorino, autor espírita altamente conceituado e tradutor de várias obras de Pietro Ubaldi, que nos afiançou categoricamente: “Para quem lê Kardec superficialmente, detendo-se nas palavras impressas, a teoria de Pietro Ubaldi pode parecer ‘herética’, mas aos que leem o mestre penetrando as entrelinhas das respostas dos Espíritos, tão sábias e profundas, nada lhes parece de contraditório”1.

Portanto, não é hora de deter-se em dúvidas destrutivas ou simplesmente abandonar a temática, pois a revelação espírita, como muito bem determinou o mestre de Lyon, não se estancou nos preciosos corolários estabelecidos em suas lições básicas. Estamos em evolução e participamos de uma revelação crescente que acompanha o nosso paulatino avanço, por isso o Codificador deixou-nos claro o conselho de acompanhar o inestancável andamento das revelações, ao exarar em A Gênese: “Caminhando de par com o progresso, o Espiritismo jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrassem estar em erro acerca de um ponto qualquer, ele se modificará nesse ponto. Se uma verdade nova se revelar, ele a aceitará”2.

Os espíritas mais conservadores poderão não estar de acordo com essa posição inovadora, julgando que as bases do Espiritismo, por trazerem verdades sagradas, são inamovíveis, não carecendo absolutamente de complemento algum. Certamente os seus preceitos fundamentais não estão eivados de equívocos. Destarte, seria uma imensa pretensão considerar que, ao serem lançados, eles albergassem toda a extensão da verdade e contivessem o máximo saber possível ao ser humano em todos os tempos. Tal postura misoneísta dificulta o avanço da revelação espírita, o que não condiz com a intenção progressista de seu Codificador.

Ora, muitos conceitos lançados por Kardec estavam atrelados aos conhecimentos de sua época e requerem uma revisão, fato que, em absoluto, nada reduz do imenso valor de sua obra. Além disso, embora se pudesse esperar das magnas entidades que a ditaram a mais absoluta fidelidade à verdade, as mentes dos médiuns que captavam os seus elevados pensamentos filtravam toda informação que lhes parecesse por demais desconhecida e contraditória à lógica que os servia, no tempo em que viviam na Terra. Daí a necessidade de se renovar permanentemente o nosso acervo de conhecimentos, coisa em que o mundo espiritual se esmera, enviando-nos a cada tempo novas e paulatinas parcelas da verdade, cuja completude, evidentemente, não podemos açambarcar de uma só vez. Esse é um fato verificável em todas as revelações e a doutrina espírita não pôde evadir-se dele, pois é lei natural da evolução do homem. E os Espíritos deixaram claro que a revelação a nós ofertada não estava concluída, ao afirmarem na questão 18 de O Livro dos Espíritos: “O véu se levanta a seus olhos à medida que o homem se depura; mas, para compreender certas coisas, são-lhe precisas faculdades que ele ainda não possui”. Na questão 182, completaram: “Nós, os Espíritos, só podemos responder de acordo com o grau de adiantamento em que vos achais”.

Ademais, os próprios espíritos estão igualmente em evolução e não atingiram, evidentemente, o ápice do saber. Assim, é compreensível que seus conhecimentos, da mesma forma que os dos encarnados, achem-se sujeitos a avanços ao longo dos anos. Por isso o espírito Galileu, em A Gênese, de Kardec, afirma com sinceridade, demonstrando o caráter evolutivo da revelação espírita: “Há questões que nós mesmos, espíritos amantes da ciência, não podemos aprofundar e sobre as quais não poderemos emitir senão opiniões pessoais, mais ou menos hipotéticas”.

Assim, é compreensível que, a despeito das fantásticas luzes que a ciência espírita proporcionou-nos, não podemos nos gabar de haver respondido com elas a todas as questões que nos premem a alma, tendo em vista que, evidentemente, não atingimos o conhecimento absoluto. E pretender caminhar sempre não pode ser um erro, pois é o próprio Espiritismo, doutrina progressista por excelência, que nos concita a seguir adiante, sem jamais nos deter.

Kardec, o bom senso encarnado, indicou-nos em sua obra vários pontos dúbios a espera de futuros esclarecimentos. Como exemplo, citamos o item 21, cap. III, de A Gênese, no qual o codificador, um ano antes de desencarnar, declara com sinceridade ignorar as razões dos embates de vida e morte presentes na natureza: “Por meio do incessante espetáculo da destruição, ensina Deus aos homens o pouco caso que devem fazer do envoltório material e lhes suscita a ideia da vida espiritual, fazendo que a desejem como uma compensação. Objetar-se-á: não podia Deus chegar ao mesmo resultado por outros meios, sem constranger os seres vivos a se entredestruírem? Desde que na sua obra tudo é sabedoria, devemos supor que esta não existirá mais num ponto do que noutros; se não o compreendemos assim, devemos atribuí-lo à nossa falta de adiantamento. Contudo, podemos tentar a pesquisa da razão do que nos pareça defeituoso, tomando por bússola este princípio: Deus há de ser infinitamente justo e sábio. Procuremos, portanto, em tudo, a sua justiça e a sua sabedoria e curvemo-nos diante do que ultrapasse o nosso entendimento”.

Bezerra de Menezes, o chamado “Kardec brasileiro”, igualmente compreendeu que a doutrina espírita estava fadada a evoluir, escrevendo no jornal Gazeta de Notícias, edição de 6 de abril de 1897: “Enquanto o homem não chegar ao último grau da perfeição intelectual, de penetrar todas as leis da criação, a revelação não chegará a seu termo; pois ela é progressivamente mais ampla, na medida do desenvolvimento da faculdade compreensiva do homem. O Espiritismo, pois, tendo dado mais do que as anteriores revelações, muito terá ainda que dar, porque muito terá que progredir a humanidade terrestre”.

Então é hora de darmos um passo mais, absorvendo as novas preleções que o próprio plano espiritual envia-nos, desde que atendam à nossa necessidade de lógica e se mostrem coerentes com as nossas verdades fundamentais. Eis por que julgamos que a revelação de Pietro Ubaldi sobre nossa Queda espiritual fazem-se indispensáveis ao nosso amadurecimento espiritual. E sabemos que esse emérito enviado do Cristo cuidou de ofertar o seu trabalho não só à nação brasileira, mas, sobretudo, ao Espiritismo, onde se acomodam as mentes mais maduras e prontas para compreendê-lo e albergá-lo, em proveito de nossa mais rápida aproximação das esferas crísticas.

Aceitando a nova revelação que nos foi trazida por Ubaldi, sobretudo na obra Deus e Universo, o leitor sincero ainda estará se perguntando: por que então essa essencial informação não foi devidamente estabelecida nos alicerces doutrinários? E por que ela ressurge somente neste momento, em obras psicografadas por nosso intermédio (Tabernáculo Eterno e Senda Redentora), um médium desconhecido e sem expressão no cenário espírita nacional, não tendo sida anunciada pelos nossos grandes e famosos medianeiros? À primeira pergunta, respondemos que tudo tem a sua hora para dar-se a conhecer, pois nenhuma verdade poderá ser absorvida sem que tenhamos desenvolvido condições de apreendê-la. Portanto, era preciso aguardar o nosso paulatino amadurecimento. Quanto à segunda questão, somente podemos afiançar que se fazia necessário um instrumento mediúnico que antes albergasse com ardor a noção da Queda, a fim de dar guarida às entidades que a desejam veicular em nosso mundo. Um intermediário que a priori rejeitasse essa ideia dificilmente a acomodaria em seu campo psíquico, dificultando assim o seu trâmite pelas delicadas correntes de pensamento. Apenas isso justifica o fato de ela vir à tona pelas nossas parcas condições, pois não detemos, absolutamente, nenhuma especial qualificação que nos distinga dos demais.

Se, para muitos, os conceitos desenvolvidos por Ubaldi parecem revolucionários e contrários aos fundamentos da codificação espírita, os mais atentos perceberão que apenas os completam e esclarecem, sem nada abalar em seus alicerces, como nos afirmou Carlos Pastorino, referindo-se aos equivalentes ensinamentos ofertados por Ubaldi. Além disso, é pertinente considerar que, se muitas são as opiniões dos homens, diversas também são as crenças dos espíritos, nada mais do que seres humanos despojados da veste física densa e igualmente sujeitos à diversidade de opiniões e conhecimentos. Portanto, nosso trabalho consiste unicamente em mostrar, aos estudiosos da Terceira Revelação, que as acepções que nos foram apresentadas Por Ubaldi fazem parte do acervo cultural de grandes comunidades de desencarnados, competindo-nos respeitar suas crenças, aceitando-as ou não segundo nos autorize a lógica que nos assiste. O que não nos convém, em absoluto, é fazer-nos juízes da verdade, limitando-a à nossa particular condição de apreendê-la.

Assim, pedimos apenas aos estudiosos que, com sinceridade, perpassem as revelações do místico da Úmbria pelo crivo da lógica, antes de simplesmente rejeitá-las, ajuizando se podem melhor nos explicar a complexidade fenomênica em que respiramos e, apressando os nossos passos na alçada evolutiva, tornar mais feliz e proveitosa a nossa vilegiatura carnal. E, sobretudo, procuremos constatar se as suas afirmações encontram-se perfeitamente aderidas ao Evangelho de Jesus, nossa única e inquestionável referência da verdade. Se assim for, então não haverá motivos para fazermos dessas novas acepções pretextos para dissensões e enfrentamentos ideológicos na arena dogmática da fé, pois interessa-nos apenas unir esforços em torno dos excelsos ensinos do Cristo e seguir juntos as pegadas do bem, rumo às supremas realizações espirituais do porvir.

Sabemos ainda que a verdade se estabelecerá segundo as determinações da Lei de Deus, a qual jamais será abalada pelas nossas irrisórias e momentâneas opiniões individuais. Portanto, não precisamos arvorar-nos na defesa dos preceitos aqui apresentados ou apoquentarmo-nos com os ataques que venham a sofrer, pois a vida cuidará do seu julgamento, validando-os efetivamente se forem indispensáveis à nossa caminhada evolutiva.

A despeito de seu tom de novidade, sabemos que a revelação de Ubaldi de nossa Queda espiritual não é novidade em nosso mundo. Um leitor atento poderá identificar essa informação fundamental na codificação espírita. Se o tema parece, para muitos, encontrar-se oculto na letra e inserido de uma forma subliminar, possivelmente o fato se explique pela falta de um substrato mediúnico capaz de identificá-lo com clareza na captação do pensamento dos guias espirituais. Perpassando, no entanto a vasta obra de Chico Xavier, poderemos denotar que o tema lá está devidamente inserido, e passou despercebido de nossas leituras iniciais por não determos ainda subsídios para apercebê-lo.

Contrapondo com algumas interpretações parciais da codificação que suscitam estarmos tão somente em um processo natural de crescimento evolutivo, podemos ver, sobretudo permeando a fantástica obra de Emmanuel, a clara imagem do homem terreno como a de um ser falido, lutando e sofrendo pela sua regeneração. Citemos alguns poucos exemplos, para não cansar o leitor: a questão 282 de O Consolador3 afirma-nos ser “o Velho Testamento, o alicerce da revelação divina” e, “o Evangelho, o edifício da redenção das almas”. E agrega o sábio mentor: “Como tal, deve ser procurada a lição de Jesus”. Ora, sabemos que os antigos ensinos enfeixados na tradição judaica representam um nítido retrato da Queda primordial do espírito. E somente podemos compreender a redenção como o ato de redimir ou salvar alguém de uma situação aflitiva ou perigosa. Portanto, Emmanuel concita-nos claramente a caracterizar os ensinos do Cristo como o roteiro da salvação, aferindo-se assim o seu significado original. Logo, deveríamos concordar que as lições do excelso Mestre não se destinam unicamente à nossa ascensão moral, mas, sobretudo, à reconquista de uma posição perdida. Afirmação que somente pode nos legar plena lógica se nos virmos como seres desviados do correto caminho, em decorrência de um significativo erro original.

Vejamos alguns outros trechos da referida obra, onde a derrocada do espírito está claramente estabelecida. Na questão 13, explicando-nos por que sofremos as necessidades da vida, Emmanuel diz-nos: “O oxigênio é uma dádiva de Deus para todas as criaturas; quanto ao azoto e ao carbono, é pela sua obtenção que o homem luta afanosamente na Terra, recordando-nos a exortação dos Textos Sagrados ao espírito que faliu — comerás o pão com o suor do teu rosto”4. Compreendemos aqui que a inferência ao “espírito que faliu” não pode ser entendida de outra forma a não ser pela Queda de origem. E a expiação que a vida na carne representa, com todas as dificuldades que impõe a todos os seres que evoluem, deixa de ser um regime de normalidade para o conjunto dos filhos de Deus, mas atributo somente aplicável àqueles que caíram.

A questão 116 de igual maneira afirma-nos: “Podemos figurar o homem terrestre como alguém a lutar para desfazer-se do seu próprio cadáver, que é o passado culposo, de modo a ascender para a vida e para a luz que residem em Deus”. E a 243: “Todos os espíritos que estão em processos reencarnatórios no orbe terrestre estão em processo de resgate de quedas do passado” — ainda que consideremos que a magna entidade se refira somente aos espíritos racionais, os homens, dotados de livre-arbítrio, facilmente se constata que a totalidade dos seres em trânsito na Terra se acha em acerbas lutas evolutivas, pois, quanto mais involuído ele é, maiores são as suas dificuldades. Assim, absolutamente todos, entregues aos atritos e dores evolutivas, vivenciam processos expiatórios, caracterizando-nos como um planeta de expiações na escala dos mundos, como muito bem aferiu a doutrina. Ora, se os animais irracionais e os povos primitivos estivessem progredindo a partir de uma condição de pureza, ignorância e simplicidade, não poderiam estar submetidos aos sofrimentos evolutivos e provacionais que imperam em nosso orbe. Portanto se torna mais lógico considerar que o mentor se refere a todas as almas que trafegam pelas plagas terrenas, inclusive os animais, uma vez que são também espíritos em evolução.

No item 135, o autor explica-nos, com clareza, que o mal se origina da liberdade de escolha do espírito e não de Deus: “O determinismo divino se constitui de uma só lei, que é a do amor para a comunidade universal. Todavia, confiando em si mesmo, mais do que em Deus, o homem transforma a sua fragilidade em foco de ações contrárias a essa mesma lei, efetuando, desse modo, uma intervenção indébita na harmonia divina. Eis o mal. Urge recompor os elos sagrados dessa harmonia sublime. Eis o resgate. Vede, pois, que o mal, essencialmente considerado, não pode existir para Deus, em virtude de representar um desvio do homem, sendo zero na sabedoria e na providência divinas. O Criador é sempre o Pai generoso e sábio, justo e amigo, considerando os filhos transviados como incursos em vastas experiências” — aqui Emmanuel nos fala, com nitidez, dos filhos transviados e do significado de resgate em que se converteram suas vidas. Poderíamos inferir que ele aludia somente aos espíritos que caíram depois de adquirir a razão, fato a partir do qual teriam passado a existir o mal e a dor. Destarte, não se pode olvidar, como já afirmamos, que tais indesejáveis contributos são presenças peremptórias em todos os departamentos da vida planetária, sendo tanto mais intensos quanto mais primitivo é o ser. Ora, se a Lei de Deus é somente amor, como justificar tal disparate senão pela teoria da Queda?

Na pergunta 205, a sábia entidade mostra-nos o seu elevado conceito de homem, apresentando-o como alguém a quem a Lei de Deus impõe limites em decorrência de sua inata rebeldia: “O homem comum é uma representação parcial do homem transcendente, que será reintegrado nas suas aquisições do passado, depois de haver cumprido a prova ou a missão exigidas pelas suas condições morais, no mecanismo da justiça divina. Aliás, a incapacidade intelectual do homem físico tem sua origem na sua própria situação, caracterizada pela necessidade de provas amargas. O cérebro humano é um aparelho frágil e deficiente, onde o espírito em queda tem de valorizar as suas realizações de trabalho. Imaginai a caixa craniana, onde se acomodam células microscópicas, inteiramente preocupadas com a sua sede de oxigênio, sem dispensarem por um milésimo de segundo a corrente do sangue que as irriga, a fragilidade dos filamentos que as reúnem, cujas conexões são de cem milésimos de milímetro, e tereis assim uma ideia exata da pobreza da máquina pensante de que dispõe o sábio da Terra para as suas orgulhosas deduções, verificando que, por sua condição de espírito caído na luta expiatória, tudo tende a demonstrar ao homem do mundo a sua posição de humildade, de modo que, em todas as condições, possa ele cultivar os valores legítimos do sentimento”.

Nessa elevada definição da condição humana, vemos o mentor referindo-se a proposições a respeito das quais unicamente a visão da grande falência espiritual pode nos facultar uma coerente interpretação. Utilizando-se de terminologia muito própria da Queda, como “homem parcial”, “homem transcendente” e a premência de “reintegração de aquisições do passado”, posiciona-nos como alguém que perdeu atributos e agora precisa reconquistá-los.

E como compreender a necessidade de submeter-nos a uma “carne frágil e deficiente”, embutidos em “uma pobre máquina pensante” que nos abafa o potencial de origem, senão considerar que degeneramos a pureza com a qual fomos gerados e empregamos mal as potências que Deus nos confiou ao nascer? Ora, um pai não imporia aos seus filhos essas graves limitações caso não se justificasse restringir-lhes o poder.

Da mesma forma, aí vemos a clara referência à nossa condição de “espíritos caídos”, entregues às “lutas expiatórias do mundo”. Como elucidar tal realismo, se tudo indica que nos encontramos imersos nas arenas evolutivas do planeta desde tempos imemoriais, quando ainda experimentávamos a inconsciência?

Na questão 64, o autor, chamando-nos “espíritos decaídos”, exprobra-nos os erros que nos são comuns, caracterizando-nos como almas pejadas de culpas desde um passado ignominioso, cuja origem se perde na noite dos tempos. E na 255, ele nos fala de uma “redenção universal” sem nos explicar a que alude propriamente tão vultosa expressão.

Deixando-nos sem entender a que se referia, podemos ainda ler na obra Renúncia5 a curiosa afirmação também do prestimoso mentor: “A morte mais terrível é a da queda”. Afirmação que se assemelha à contida na Lição 176 do livro Caminho, Verdade e Vida6, na qual o benfeitor exarou: “É indispensável romper com as alianças da queda e assinar o pacto da redenção”. Tudo nos indica serem essas citações nítidas alusões à falência primária do espírito, que somente agora podemos elucidar com clareza.

Em Ave Cristo, ante as vicissitudes que visitam e atormentam a vida humana em todos os tempos, Emmanuel interroga: “Seremos, porventura, consciências caídas no integral esquecimento de si próprias, algemadas à Terra para serviços de purgação?”7. Interrogação que mostra nitidamente a intenção do autor em nos preparar para as novas revelações do porvir.

Na obra A Caminho da Luz, Emmanuel sugere-nos, ainda que de forma sutil, que a queda do homem tenha ocorrido fora do tempo e do espaço, transcendendo o exílio de Capela, ao escrever: “Onde está Adão com a sua queda do paraíso? Debalde nossos olhos procuram, aflitos, essas figuras legendárias, com o propósito de localizá-las no espaço e no tempo. Compreendemos, afinal, que Adão e Eva constituem uma lembrança dos espíritos degredados na paisagem obscura da Terra, como Caim e Abel são dois símbolos para a personalidade das criaturas”8. Aqui vemos uma simbologia muito mais abrangente, que somente a tese da queda primordial pode explicar, por retratar arquétipos que configuram o inconsciente coletivo humano, não se aplicando exclusivamente aos exilados de Capela. Todos somos almas degredadas nas sombrias paisagens da matéria, eis a realidade que tudo explica. E, como já compreendemos, os capelinos retrataram uma pequeníssima parcela de nossa humanidade e, em sua maioria, retornaram ao plano de origem antes mesmo da vinda do Cristo à Terra, não sendo genuínos representantes do homem em evolução nas plagas terrenas. Fato que nos leva a concluir que o exílio da constelação do Cocheiro é mera repetição, em escala menor, de um fenômeno muito mais abrangente e cósmico.

No livro Emmanuel, da mesma maneira, identificamos muitos informes que dificilmente encontrarão uma coerente interpretação sem a teoria da Queda. Para não delongar este estudo citaremos apenas duas passagens que nos dizem estarmos vivendo na Terra a condição de seres exilados, em regime de recomposição espiritual: “Dilatai vossa esperança, porque um dia chegará em que, na Terra, devereis abandonar o exílio onde chorais como seres desterrados (cap. XII, item Aos meus irmãos). E no cap. V, item O que significa a reencarnação: “Cada encarnação é como se fora um atalho nas estradas da ascensão. Por esse motivo o ser humano deve amar a sua experiência de lutas e de amarguras temporárias, porquanto ela significa uma bênção divina, quase um perdão de Deus”. Se entendermos a vida na matéria como uma condenação exclusiva para o espírito que se rebelou, faz-se coerente a mensagem. Todavia, se admitimos que a reencarnação é simples meio de crescimento evolutivo, não haveria por que considerá-la propriamente um “perdão de Deus”, desde que o erro é perfeitamente aceitável para aquele que ainda é ignorante.

Assim, acatar a derrocada inicial é a única forma de tornar perfeitamente lógicas todas essas pertinentes informações de Emmanuel, deslindando o que de fato a magna entidade ocultou sob o véu da letra, por não ser ainda o momento propício para explicar claramente o seu pensamento.

Em André Luiz encontramos, igualmente, subjacentes informações que somente o conhecimento da Queda do espírito pode elucidar convenientemente. Na obra Entre a Terra e o Céu, por exemplo, o autor nos afirma que “a cadeia de ascensão do espírito vai da intimidade do abismo à suprema glória celeste”9. Como aceitar que o Senhor tenha simplesmente nos arremetido às ignominiosas profundezas abissais apenas para crescer? Certamente, fomos nós que nos arrojamos às furnas da matéria, gerando-nos a tremenda necessidade de alçar novamente às altitudes divinas, proposta de outra forma incompreensível ante a sabedoria e o infinito amor de Deus.

Essa afirmação é abonada pelo relato de Pedro em sua segunda epístola (Pe II, 2:4), que nos diz: “Pois Deus não poupou os anjos que pecaram, mas os lançou no inferno, prendendo-os em abismos tenebrosos, a fim de serem reservados para o juízo”. Ora, segundo nos assevou Jesus, um “juizo” nos espera na resolução dos tempos; e se nossa alçada evolutiva se inicia na “intimidade do abismo”, como alega André Luiz, facilmente concluímos que somos os próprios “anjos que pecaram”, retidos nos despenhadeiros infecundos da matéria, aguardando o “julgamento final”.

Em A Vida Continua, o excelso mentor declara que “a evolução é a nossa lenta caminhada de retorno para Deus”10. Logo, se estamos em uma via de regresso, deduz-se consequentemente que nos retiramos da casa do Pai. E se nosso caminho está eivado de dores, esforços, numerosas privações e onerosas necessidades, caracterizados pela preclara entidade em seu conjunto como a “dor-evolução”, então deve ter existido algo que justifique tão árdua jornada na justa Lei de Deus.

É inegável que vivemos sérias dificuldades evolutivas e estamos envoltos em graves limitações que nos roubam o potencial divino de origem. Portanto somente a opção por caminhos e condutas impróprias pode justificar a acerba condição que vivenciamos na senda do progresso. Ou seja, nossas vidas e o próprio universo onde vivemos partem, de fato, de uma grande revolta básica da qual todos participamos. Não temos outra forma de explicar o exótico realismo que vivenciamos, condição completamente inadequada para seres que foram criados como puros pensamentos, quais éramos ao surgir no seio divino. Assim, confere-se à nossa existência o seu inquestionável caráter expiatório, validando-se a existência da “dor-evolução” como genuíno recurso divino de reintegração de espíritos falidos na impreterível ordem do absoluto.

No livro Ação e Reação, a sábia entidade caracteriza a vida física como a “prisão redentora da carne”11. Fato que está absolutamente em conformidade com os preceitos estabelecidos em O Livro dos Espíritos que, na questão 11, nos diz que o “espírito se acha obscurecido pela matéria”. Assim, elucida-se que estamos em uma via de recomposição da perfeição perdida, detidos nos cativeiros regeneradores dos redemoinhos atômicos, como uma imposição àqueles que se rebelaram contra a Lei do amor, jamais como condição de normalidade da obra divina. Deus não poderia impor uma verdadeira clausura aos seus rebentos em processo de crescimento, exigindo-lhes dela libertarem-se através da dor e da renúncia, sem um motivo que a justificasse.

No livro Missionários da Luz (cap. 17), do mesmo autor, encontramos a afirmação: “Quase todas as escolas religiosas falam do inferno de penas angus­tiosas e horríveis, onde os condenados experimen­tam torturas eternas. São raras, todavia, as que ensinam a verdade da queda consciencial dentro de nós mesmos, esclarecendo que o plano infernal e a expressão diabólica encontram início na esfera interior de nossas próprias almas”. Torna-se evidente nessa afirmativa que os planos inferiores da vida, tanto física quanto extrafísica, onde imperam dores e expiações e Deus parece ausente, são nítidas projeções “de nossa esfera interior”. Desse modo, se vivemos em um universo imperfeito que parte do caos e nos subordina à evolução pela ação permanente da dor, do atrito e do esforço, a caracterizar um verdadeiro inferno, somente podemos imputá-lo às circunstâncias que criamos para nós mesmos, através de uma “queda consciencial”. Entretanto preferimos acreditar na nossa inocência, compreendendo a vida nos mundos primitivos como um normal roteiro que o Criador teria imposto a todos os seus filhos. Não percebemos que nosso orgulho nos ludibria, pois admitir a imperfeição e o sofrimento como condições naturais da vida é violar a impreterível perfeição e o imaculado amor que necessariamente devem imperar na obra divina.

Conferindo validade ao novo conceito de ressurreição, como nos foi apresentado por Ubaldi, André Luiz afere-nos em Ação e Reação que “o Mensageiro divino utilizara o sacrifício para traçar-nos o caminho da vitoriosa ressurreição”12. E, na obra Libertação, um de seus personagens, o espírito Gúbio, suplica ao Pai: “Revela-nos tua vontade soberana e misericordiosa a fim de que, executando-a, possamos alcançar, um dia, a glória da ressurreição verdadeira”13. Aclara-se aqui que a entidade suplica por outro tipo de ressurreição, a legítima, aquela que representa o retorno definitivo ao absoluto e transcende a simples transposição dos umbrais da morte ou mesmo o renascimento na carne. A ocorrência se torna evidente em outra citação da mesma obra: “Cada criatura encarnada permanece só, no reino de si mesma, e faz-se indispensável muita fé e suficiente coragem para marcharmos vitoriosamente, sob o invisível madeiro redentor que nos aperfeiçoa a vida, até ao Calvário da suprema ressurreição”14. E em Os Mensageiros, o mentor conclui, na voz de outro de seus personagens: “Meditei muitíssimo, refleti intensamente e concluí que, para atingirmos a ressurreição gloriosa, não há, por enquanto, outro caminho além daquele palmilhado pelo doutrinador Divino”15.

Não necessitamos de maior clareza. Mediante a revelação de Ubaldi podemos agora compreender melhor essas pertinentes citações, contidas na extraordinária obra de Chico Xavier, e que não foram referidas na literatura básica do Espiritismo, por não haver chegado ainda o momento propício. Com a informação da Queda primordial aqui apresentada, e tão bem esmiuçada nos livros do missionário da Úmbria, torna-se agora fácil aceitar a excelsitude dessas mensagens, das quais o nosso amor-próprio ocultou-nos o verdadeiro sentido. Somos nós os “ímprobos da Terra”, os “filhos pródigos”, os “pobres deserdados”, aqueles que “sucumbiram” e se acham mortos na matéria, detidos na “prisão da carne” e carentes de ressurgir na “vida eterna”, por haver-nos afastado da casa paterna.

Essa é uma das mais importantes afirmações de nosso tempo, a qual nos leva agora a reafirmar a verdade apregoada pelo cristianismo ao longo dos séculos: Jesus, o Salvador, veio reconduzir-nos ao seio da família divina, resgatando-nos das trevas onde nos achamos procumbidos. Estamos de fato distorcidos de nossa verdadeira natureza e muito distantes do reino de Deus. E não foi nosso Pai que nos retirou de lá para evoluirmos, em absoluto. O Seu amor infinito não tornaria isso possível. Nós mesmos nos apartamos para o livre exercício da rebeldia e do egoísmo. Agora sim, todos os corolários ofertados pela ciência espírita podem ser devidamente compreendidos e perfeitamente jungidos aos preceitos cristãos, nada mais podendo ser negado, sem que se fira a lógica da realidade em que estamos inseridos e os egrégios ensinos de Jesus.

Os exemplos espalhados pela vasta literatura espírita são muitos e deixamos aqui apenas aqueles que de imediato nos ocorreram. Certamente que o estudioso saberá agora identificá-los facilmente, uma vez que tenha compreendido o verdadeiro sentido da palavra dos Espíritos.

A doutrina espírita alberga ainda a visão da Queda primordial em outros trabalhos, embora contestados por muitos de seus seguidores, derivados da obra Os Quatro Evangelhos de J. B. Roustaing. Compondo o que se convencionou designar de roustanguismo, trata-se de um extenso estudo de natureza mediúnica, produzido pela médium francesa Émilie Collignon, organizado por Jean-Baptiste Roustaing, um advogado de Bordeaux, e publicado na França em 1866, ou seja, três anos antes da partida de Allan Kardec. Editada no Brasil em quatro volumes, essa obra contou com o apoio de Bezerra de Menezes, quando ainda encarnado, e continua a ser patrocinada pelo órgão representativo do Espiritismo em nosso país, a Federação Espírita Brasileira (FEB). Fato que nos demonstra que a terceira revelação deu guarida à tese da falência espiritual, sem que isso significasse conflito algum com os postulados básicos lançados pelo codificador.

Não pretendemos trazer à tona a questão do corpo fluídico de Cristo, proposta apresentada no trabalho de Roustaing e bastante complexa para os nossos conhecimentos atuais. Ressaltamos, porém, que o tema fundamental desse estudo não é bem a organização biológica de que Jesus se serviu em sua romagem terrena, mas sim a Queda do Espírito. Essa temática, das mais importantes para a nossa evolução, terminou por ser eclipsada pelas polêmicas que a natureza do corpo de Jesus veementemente suscitou nos meios espíritas. A derrocada espiritual, entrementes, está muito bem caracterizada na obra, conferindo ao homem que evolui na Terra a imagem de um ser falido na criação divina, e ao Evangelho a pertinente interpretação de roteiro de redenção, destinado a restituí-lo à ordem perdida.

O escritor espírita Antônio Luiz Sayão produziu o livro Elucidações Evangélicas, publicado também pela FEB e considerado um resumo muito bem elaborado do extenso trabalho de Roustaing. Nessa rica exegese podemos ler, como exemplo da ideologia da Queda: “Saindo puro e inocente das mãos de Deus, o Espírito viveu no ‘paraíso’ até que, transviando-se, incorreu em faltas que só por meio de encarnações e reencarnações no mundo poderia remir, em tantas gerações quantas sejam necessárias à reparação das iniquidades. [...] Cometido o pecado, expirou a inocência de Adão, ou seja — na legião de Espíritos de que Adão é o símbolo, verificou-se a encarnação dos que se tornaram culpados, o sepultamento deles na carne. Daí vem o dizer-se que em Adão todos morremos. [...] Essa é a morte de que falava o divino Mestre. [...] Deu-se a morte de Adão, isto é, dos Espíritos de que ele é o símbolo, quando estes, por se haverem tornado pecaminosos, tiveram que mergulhar na carne, em forma humana, qual a de todos os que habitam este planeta, mundo atrasado, cárcere de criminosos, onde a vida decorre sujeita às contingências do trabalho árduo, das fadigas e das misérias sem conta que nos consomem”16.

Esse texto deixa claro que a encarnação não seria simples meio de edificação de almas recém-saídas do seio divino, como a princípio a interpretação kardecista nos induz a crer, porém um método de correção de seres que a priori optaram por uma revolta contra a ordem estabelecida pelo Criador.

Essa mesma explicação se encontra na obra Universo e Vida, do espírito Áureo, psicografada por Hernani T. Sant’Anna e também publicada pela FEB. Essa psicografia, referta de modernos conceitos científicos, deixa-nos claro que a necessidade fundamental da encarnação em corpo de matéria é consequência direta da Queda espiritual (pág. 65 da 7ª edição). Fato que nos esclarece a questão 86 de O Livro dos Espíritos, a qual nos afirma, deixando-nos intrigados, que o “mundo corporal poderia deixar de existir ou nunca ter existido”, sem que isso afetasse o mundo espiritual.

O livro Universo e Vida apresenta ainda um entusiástico ensaio unificador da revelação espírita em torno dos ensinos de Kardec, Roustaing e Ubaldi. Embora considerada polêmica por muitos estudiosos, essa obra detém o valor de nos demover da dogmatização que, por arraigado hábito humano, permanentemente ameaça macular a doutrina dos Espíritos. Ela nos atesta que os alicerces espiritistas não estão perfeitamente unificados, e que não podemos nos fixar neles como se fossem verdades inamovíveis, mas sim conhecimentos focados em diferenciados ângulos da verdade. Assim, a codificação kardequiana básica não deve ser encarada, como muito bem a caracterizou o seu fundador, como um repositório de verdades prontas e irredutíveis, porém informes progressivos que aguardam a nossa evolução para se fazer mais bem compreendidos.

Pode-se concluir dessa rápida exposição que o Espiritismo não constitui um corpo conceptual homogêneo, mas convive com importantes dilemas a permear a sua base filosófica. Dilemas que as instituições espíritas, atendendo ao bom senso, habitualmente evitam abordar, a fim de não semear dúvidas destrutivas nos neófitos que a elas recorrem em busca de verdades sólidas e inquestionáveis. Contudo a evolução do pensamento humano inevitavelmente terminará cobrando da nossa doutrina a mais perfeita equidade de seus fundamentos. Sem considerarmos que o roustainguismo representa, na atualidade, um apreciável seguimento do Espiritismo brasileiro, adotado pelo seu órgão diretor e que não pode continuar à deriva de seu corpo doutrinário principal.

Desse modo, podemos aferir importância capital ao estudo da Queda espiritual, nas suas variadas versões aproximativas da verdade, tornando-a indispensável a todo estudioso interessado em avançar na ciência do espírito. Estudo sobremodo útil não só para nos libertar de nossos costumeiros dogmas bem como encaminhar-nos para a validação de todas as correntes em jogo no âmbito da religião espírita. E assim guardamos a esperança de que em futuro próximo possamos urdir em um único corpo doutrinário as lições básicas da codificação kardequiana, as teorias de Roustaing e a revelação de Ubaldi, compreendendo-as como parcelas distintas de uma mesma e ampla realidade, cuja completude nossa razão atual ainda não pôde abarcar.

Pode-se então concluir que as revelações trazidas por Ubaldi não vêm romper a unidade doutrinária do Espiritismo, porém, muito pelo contrário, unir-se ao esforço de cingir as suas principais correntes filosóficas em um só contingente da verdade, sanando-se as suas aparentes divergências. Além do mais, como vimos, elas representam a chave que nos faltava para unificar o evoluído pensamento espírita à teologia cristã, conferindo-lhe legitimidade universal. E então passaremos a entender a relevância que aqui lhe foi dada.

Antevemos que estamos diante de uma nova revolução ideológica, a qual não só convulsionará a epistemologia moderna como também será a base para todo edifício conceptual a se erguer doravante no profícuo terreno do espírito, fazendo-se assim o sustentáculo da nova civilização do terceiro milênio. Os estudos psíquicos serão abastecidos com essa renovada compreensão dos panoramas da alma humana, consubstanciando significativamente uma nova psicologia e uma nova medicina na Terra, as quais nos disponibilizarão renovados e surpreendentes recursos terapêuticos. E, sobretudo, será o fator que aproximará o Evangelho do Cristo da ciência dos nossos dias, conferindo-lhe o aval de insofismável verdade científica. Eis então que não podemos deixar passar a oportunidade de meditar profundamente nessas lições, preparando-nos para as estradas do porvir.

Por tudo isso, estamos certos de que a premissa da Queda será, no futuro, comparada à descoberta de Copérnico, a qual nos retirou definitivamente do centro do universo, pois, uma vez compreendida, ela nos projetará em uma revolucionária e surpreendente visão da vida e de nós mesmos. Fato que não apenas modificará significativamente a face do planeta, como também, enfeixando o mais espetacular estímulo de reforma moral, ajudará a fixar em nós a imprescindível redenção crística.

Remetemos o leitor interessado em aprofundar a análise dos temas aqui apresentados às obras de Pietro Ubaldi, sobretudo Deus e Universo, O Sistema e Queda e Salvação17, onde encontrará o mais importante e detalhado estudo da grande queda do espírito já composto até os dias de hoje. Obras que não só nos esclarecem sobremaneira, mas representam o mais elevado compêndio de ciência do espírito ao nosso dispor na atualidade.



Belo Horizonte, outono de 2007



Gilson Freire



Notas



1 O Sistema, página 8 da 3ª edição – um dos livros de Pietro Ubaldi, traduzido e apresentado por Pastorino, publicado pelo Instituto Pietro Ubaldi.

2 FEB, capítulo I, item 55.

3 Editado pela FEB.

4 Os grifos em todas as citações são nossos.

5 FEB, 30ª edição, primeira parte, capítulo 1, página 13.

6 Editado pela FEB.

7 FEB, 13ª edição, segunda parte, capítulo II, página 202.

8 FEB, 27ª edição, capítulo 2, página 30.

9 FEB, 7ª edição, capítulo 33, páginas 213 e 214.

10 FEB, 6ª edição, capítulo 21, página 179.

11 FEB, 4ª edição, capítulo 2, página 24.

12 FEB, 4ª edição, capítulo 11, página 155.

13 FEB, 21ª edição, capítulo 18, página 227.

14 FEB, 21ª edição, capítulo 18, página 233.

15 FEB, 30ª edição, capítulo 11, página 63.

16 FEB, 7ª edição – Mateus I, 1-17; Lucas III, 23-28 – páginas 67 e 68.

17 Publicadas pelo Instituto Pietro Ubaldi.