Estudando o Espiritismo

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sábado, 23 de fevereiro de 2019

Queda dos anjos

Queda dos anjos

O mito da queda dos anjos, ou o pecado original, tem suas raízes em todas as culturas e mais especificamente nos dogmas católicos. Kardec não se furtou em discuti-lo assim como fez sobre todas as outras coisas. E esta discussão veio desde o início pela publicação da primeira edição do Livro dos Espíritos até a publicação de sua derradeira obra, A Gênese, quando expõe a sua já sancionada doutrina dos anjos decaídos.

Esta doutrina ou teoria difere bastante da idéia tradicional do mito da queda. Basicamente, ela pressupõe a possibilidade de que espíritos que perseveram no mal e que se tornam um embaraço para o progresso de um mundo são excluídos deste e vão para um mundo menos adiantado. E o objetivo desta "queda" do espírito seria tanto a sua ajuda no progresso deste mundo inferior quanto a expiação de suas faltas e o seu consequente amadurecimento.

Entretanto, esta teoria não veio totalmente pronta e foi se estabelecendo com o desenvolvimento do trabalho de Kardec. Vamos, então, a um mapeamento entre as duas primeiras edições no qual se observa uma sutil diferença em relação aos objetivos da encarnação em um mundo inferior.

Primeira edição
133. Os espíritos podem se encarnar em um mundo menos perfeito do que àquele ao qual pertençam?
"Sim."
__ Mas então, uma vez que já ficaram apurados, por que suportam as tribulações de uma existência inferior?
"Ê uma missão de contribuir para o progresso."
Os espíritos que habitam em um mundo superior podem encarnar-se em um mundo menos perfeito; mas então isso não é uma expiação, é uma missão que eles cumprem assistindo os homens nas sendas do progresso, e que aceitam satisfeitos pelo ensejo que têm de praticar o bem.

Segunda edição
178. Os Espíritos podem reviver corporalmente num mundo relativamente inferior àquele em que já viveram?
"Sim, quando devem cumprir uma missão para ajudar o progresso, e, nesse caso, aceitam com alegria as tribulações dessa existência, visto que lhes fornecem um meio de progredir."
__ Isso não pode ocorrer por expiação e Deus não pode enviar os Espíritos rebeldes para mundos inferiores?
"Os Espíritos podem permanecer estacionários, mas não retrogradam; a sua punição, pois, é a de não avançar e de recomeçar as existências mal empregadas num meio conveniente à sua natureza."
__ Quais são aqueles que devem recomeçar a mesma existência?
"Os que faliram em suas missões ou em suas provas."

Isto é, na nova edição Kardec já admite a possibilidade de que o espírito volte a encarnar em um mundo inferior para expiação. Por sua vez, na primeira edição só se admitia esta volta para uma missão. É interessante que nesta edição encontramos um diálogo mais direto sobre a queda dos espíritos e que não foi aproveitado na nova edição. Vejam:

Primeira edição
61. Que pensar da crença nos espíritos decaídos?
"Já dissemos que todos os espíritos foram criados ignorantes e sem experiência; aprendem a verdade pelos testes a que todos são submetidos e nas missões que lhes são outorgadas. Aqueles que dão desempenho à missão sem nenhuma queixa avançam, os outros ficam para trás. Não são portanto decaídos; são, se quiser, rebelados; tal como a criança indócil para com o pai. Mas Deus não é impiedoso; fornece-lhes, incessantemente, os meios de se melhorarem; e cumpre-lhes aproveitá-los mais ou menos depressa, segundo a sua vontade, eis aí o livre arbítrio."
A idéia da queda dos espíritos implica uma degradação; ora os espíritos, tendo todos igual ponto de partida que é o estado de ignorância e de inexperiência, não podem senão elevar-se ou ficar estacionários; não pode portanto haver queda no sentido vulgar ligado a esta palavra. E como a elevação depende da vontade pessoal, e da sua submissão à vontade de Deus, e que alguns espíritos não têm aceitado sua missão sem queixa, há no caso simples rebelião da parte deles, e eles ficam punidos por si mesmos, permanecendo maior temporada sob as penas inerentes à sua inferioridade, não porém eternamente, pois cedo ou tarde compreendem sua falta e avançam pouco a pouco. Não são porém anjos rebelados, visto como os anjos são espíritos já chegados à perfeição e que não podem degenerar.

Neste diálogo observamos uma ênfase maior em não associar tal queda dos espíritos a doutrina espírita. Na segunda edição já há uma maior aceitação da idéia por encontrar espaço em uma nova interpretação de que estes espíritos poderiam expiar as suas faltas em um mundo inferior.

Provavelmente, esta teoria foi se consolidando na medida em que os relatos de espíritos chegavam até Kardec demonstrando a possibilidade desta forma de expiação. Por exemplo, veja as respostas de um espírito familiar sobre a questão:

Revista Espírita, outubro de 1858
Morte de cinco crianças por um menino de 12 anos
10. Qual será a posição desse Espírito em uma nova existência?
"Se o arrependimento vier apagar, senão inteiramente pelo menos em parte, a enormidade de suas faltas, então ele permanecerá na Terra; se, ao contrário, ele persistir nisso que chamais a impenitência final, ele irá para uma morada onde o homem está no nível do animal."
11. Assim, pode ele encontrar, sobre essa Terra, os meios de expiar suas faltas sem ser obrigado a retornar para um mundo inferior?
"O arrependimento é sagrado aos olhos de Deus; porque é o homem que julga a si mesmo, o que é raro em vosso planeta."

Aparentemente, Kardec busca uma conciliação com as idéias universalmente aceitas sem, contudo, deixar de interpretá-las sob uma visão menos mística e conforme os princípios espíritas. Especialmente, no caso do mito da queda que faz parte da cultura cristã, Kardec procura aproximar o Cristianismo do Espíritismo sobretudo porque ambos compartilham da mesma mensagem de amor de Jesus.
 por Vital Cruvinel

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