Lucas, 7:36-50
O nome Simão, derivado de símio em português, costuma ser associado a macaco. Na antiga Palestina tinha significado mais nobre – alguém que se faz ouvir por Deus. Várias personagens evangélicas ostentaram esse nome respeitável. Pedro e o Zelota, membros do colégio apostólico...
Um irmão de Jesus... Um leproso curado... Outros aparecem em Atos dos Apóstolos.
Lucas nos fala de um Simão da casta dos fariseus que, em Cafarnaum, convidou Jesus para uma refeição em sua casa. Não obstante a hostilidade crescente de proeminentes membros da seita farisaica que o contestavam, o Mestre aceitou, exemplificando boa vontade. Segundo velho costume romano, imitado pelos judeus, em ocasiões de cerimônia usava-se o triclínio para as refeições.
Era um conjunto de três ou mais divãs, onde os convidados se recostavam, confortavelmente instalados, servidos pelos criados.
O jantar ia em curso, quando uma mulher entrou no recinto. Trazia um vaso de alabastro, pedra calcária semelhante ao mármore, contendo perfume.
Ajoelhando-se, pôs-se a lavar os pés de Jesus.
Tão intensa era sua emoção que os molhou com as próprias lágrimas. Depois os enxugou com seus cabelos longos e sedosos, pondo-se a beijá-los e ungi-los de perfume. Algo inusitado hoje, amigo leitor, até chocante, mas normal na vida judaica daquele tempo. Personalidades ilustres eram homenageadas assim, em manifestações de humildade e submissão. O próprio Jesus, na última ceia, quando transmitiu as derradeiras instruções, lavou os pés dos discípulos, invertendo as posições, a fim de oferecer uma
lição inesquecível: A verdadeira grandeza, habilitando-nos aos páramos celestiais, exprime-se
na disposição de servir. Lá, o maior de todos é aquele que mais serve, disposto a sacrificar-se em
favor do bem comum. Simão, o ardiloso hospedeiro, certamente a conhecia e favorecera seu ingresso
no recinto, tanto que considerou com seus botões:
– Se este homem fosse profeta saberia quem é esta mulher. Trata-se de uma pecadora.
O fato de ter permitido que a “mulher de vida fácil” entrasse em sua casa evidencia que estava mal-intencionado. Pretendia testar os poderes de Jesus.
Os grandes profetas da raça, austeros e dotados de sensibilidade, facilmente identificariam a visitante.
Um Elias, um Eliseu não se deixariam iludir. Jamais permitiriam que ela os tocasse, atendendo aos rígidos costumes judaicos. O contato com uma prostituta tornava o homem impuro, algo inconcebível num homem santo. O dono da casa saboreava, intimamente, seu triunfo. Desmascarara aquele falso profeta!
Eis, porém, que o visitante se voltou para ele:
– Simão, tenho uma coisa para te dizer.
– Fala, Mestre...
– Certo homem tinha dois devedores: um devia quinhentos denários e o
outro, cinqüenta. Não tendo nenhum dos dois com que pagar, perdoou a dívida a
ambos. Qual deles, portanto, lhe terá maior amor?
O denário era uma moeda romana que equivalia a um dia de trabalho.
Respondeu Simão:
– Suponho que foi aquele a quem mais perdoou...
Fitando-o com complacência, Jesus comentou:
– Julgaste bem.
E apontando a mulher:
– Vês esta mulher? Entrei em tua casa e não me deste água para os pés: ela, porém os regou com lágrimas e os enxugou com seus cabelos. Não me deste ósculo; ela, porém, desde que entrei, não cessou de beijar-me os pés. Não ungiste minha cabeça com óleo; ela, porém, ungiu com perfume os meus pés.
Por isso te digo: perdoados lhe são os pecados, que são muitos, porque ela muito amou; mas aquele a quem pouco se perdoa, pouco ama.
E, dirigindo-se à mulher:
– Perdoados são os teus pecados. A tua fé te salvou; vai-te em paz!
Os que estavam à mesa comentavam, perplexos:
– Quem é este que até perdoa pecados?
Como sempre, Jesus surpreendeu o malicioso opositor com comentários
inteligentes, enfatizando inesquecível ensinamento: A força redentora do amor.
Em Deus, o amor em plenitude. Evidencia-se nos cuidados divinos.
O Pai não quer perder nenhum de seus filhos – ensina Jesus. Por isso, jamais nos marginaliza.
Ao invés de nos aniquilar como a uma erva daninha, quando nos comprometemos
com o mal, concede-nos a bênção de experiências que nos redimem.
Por isso, quando reconhecemos nossos desvios, tanto maior deve ser nossa
gratidão e o empenho por corresponder às suas expectativas, quanto maior o
abismo em que tenhamos mergulhado.
Legítimo representante da bondade celeste, Jesus convive sem problemas com o fariseu, comprometido com a hipocrisia, e com a mulher, comprometida com a prostituição. O amor nunca discrimina.
Mas, se Deus, o amor perfeito, perdoa sempre os deslizes de seus filhos, o
mesmo não ocorre com nossa consciência quando despertamos para a responsabilidade
e avaliamos a extensão de nossos comprometimentos.
Ela passa a exigir a reparação do mal praticado, impondo-nos dores e angústias
que guardam relação com nossos desvios. Colhemos o mal que semeamos, bebemos o fel que instilamos.
O perdão da própria consciência só pode ser conquistado a partir do exercício
de amor que se exprime na disposição de servir, eliminando o mal do pretérito
com o bem do presente.
Foi exatamente o que fez a mulher que procurou Jesus.
Naquele momento não era a pecadora quem ali estava, mas a serva amorosa,
disposta a homenagear aquele homem que, em nome de Deus, lhe acenava
com uma vida diferente.
Aos olhos de Jesus ela estava redimida por aquele amor, embora talvez
não redimida perante a própria consciência, que lhe pediria novos testemunhos.
Há outro aspecto importante.
Fácil dizer:
– Jesus é meu mestre!
A dificuldade está em ser seu discípulo. Podemos, como o fariseu, ostentar ligação com Jesus, entronizando em nossa casa ritos e rezas, imagens e estampas, a caracterizar sua presença em
nossas vidas.
Mas, somente seremos discípulos autênticos quando, como a pecadora, o procurarmos com o coração, conscientes de nossas misérias morais, sustentando contrição autêntica e inabalável disposição de servir.
Então, sim, estaremos exercitando o amor que redime!
Ante Jesus
Eis que passa no tempo a imensa caravana –
A multidão revel que humilhada se agita –
Reis, tiranos e heróis, rondando a turba aflita
E fugindo à verdade augusta e soberana.
Sobre carros triunfais, a Treva se engalana...
E a mendaz ilusão freme, goza e palpita
Para rojar-se, após a miséria infinita,
Na cinza a que se acolhe a majestade humana.
Mas tu, Mestre da Paz, que a bondade ilumina,
Guardas, imorredoura, a grandeza divina,
Sem que o lodo abismal Te ofenda ou desconforte.
Tudo passa, descendo à sombra do caminho,
Mas no sólio da cruz inda imperas sozinho,
Na vitória do amor que fulge além da morte.
Amaral Ornellas
(Do livro “Antologia Mediúnica do Natal”, por diversos Espíritos, psicografado pelo médium
Francisco Cândido Xavier, cap. 38, p. 107, 4. ed. FEB.)
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