Alicia Mérola
O mundo capitalista se apresenta sob a lógica neoliberal. Essa lógica defende a busca do lucro pelo lucro, independente de outros valores como ética e respeito pelo próximo. Formou-se assim uma sociedade onde os valores morais foram deturpados, onde a mídia nos incentiva diariamente o consumismo e a busca pela beleza exterior. Frente a isso, apresentamos a reforma íntima como alternativa para a melhora da sociedade, mostrando um esboço do que seria o homem ideal.
A lógica do capitalismo neoliberal defende o progresso da civilização através da benéfica concorrência das empresas em um mundo livre. Segundo essa lógica, todos os indivíduos da sociedade capitalista tem a oportunidade de abrir o seu próprio negócio e alcançar sucesso e riqueza através dele. Isso irá depender exclusivamente da competência de cada indivíduo. No capitalismo as oportunidades de riqueza e prosperidade estão abertas a todos, esse sistema surge como modelo de sociedade a ser seguido, pois ele é naturalmente o meio de progresso da humanidade.
O pensamento contrário ao neoliberal não é proibido na sociedade capitalista, afinal, vivemos num mundo capitalista livre. No entanto, numa sociedade onde a minoria rica é dona de todos os meios de comunicação e difusão das idéias, não é errado dizer que até as idéias contrárias são deturpadas e utilizadas para garantir a perpetuação do modelo neoliberal.
Mas se essa riqueza é acessível a todos, nessa sociedade livre, como se explica que 23% da população do planeta consomem 67% das riquezas totais produzidas. Como se explica a miséria na qual a maior parte da população do planeta vive? Certamente que essa liberdade é ilusória e serve para poucos.
O pensamento neoliberal, adotado pelo sistema capitalista, não valoriza em nada o ser humano. O homem não é visto, respeitado, classificado pelo que ele é moralmente e sim pelo que ele tem em se tratando de bens materiais.
O capitalismo, sistema com mais de trezentos anos de história, defende uma mentalidade norteada pela busca do lucro pelo lucro em um mercado competitivo que já tomou conta de todos os setores de vivência humana, as pessoas foram igualmente transformadas em mercadorias e máquinas de competir. Nesse contexto, vale à pena apreciar as palavras do teólogo Leonardo Boff falando sobre a sociedade capitalista:
“Os fundamentos de uma sociedade estão nas relações e intercâmbios entre pessoas. Só existe sociedade se existe relação entre as pessoas. Uma sociedade cujo motor é a competição e a esnobação como sinônimo de poder é uma sociedade que se propõem ao suicídio. Se me ponho a competir com outros, não existe mais intercâmbio, mas apenas estratégias que permitem algum contato tendo por base o interesse. Não posso compartilhar, dividir, somar com ele, mas devo desconfiar de meu concorrente, sondá-lo, retirar dele o que me for útil, eliminá-lo e destruí-lo”. (Leonardo Boff, Fundamentalismo, A globalização e o Futuro da Humanidade, Ed. Sextante, 2002, PP.36)
Através dessas palavras o autor consegue resumir o pensamento capitalista. Nesse sistema não são levados em consideração os aspectos psicológicos dos indivíduos, nem os aspectos ecológicos quando se trata de alcançar o lucro através da destruição do planeta e muito menos os aspectos humanistas.
Infelizmente, o que vemos no mundo atualmente é a pobreza, o descaso com o próximo, destruição do planeta e violência. Não vemos a violência só nas ruas, entre bandidos, entre bandido e vítima, mas dentro das casas no seio familiar. Vendo os noticiários, lendo jornais, vemos cada vez mais a violência crescer no mundo. A moral e os bons costumes parecem ter desaparecido do planeta. São pais que agridem os filhos, filhos que agridem os pais, o uso de drogas cresce entre os jovens do Brasil. Fora esses problemas, ainda estão as enchentes, as secas, o clima do planeta está totalmente desequilibrado, conseqüência da exploração irresponsável praticada pelo homem.
Diante desse quadro desanimador, a pergunta que vem à mente é: como promover uma mudança? Como sobreviver nessa sociedade egoísta? É preciso ter muito cuidado também nessa questão, pois até mesmo esse setor da vida humana já foi transformado em fonte de lucro. São tantas seitas prometendo a salvação, a redenção ao homem e que se estudadas a fundo, percebemos que são apenas promessas vazias de pessoas mais preocupadas em enriquecerem através da ingenuidade e ignorância dos menos privilegiados do que na melhoria da humanidade. Por essa razão, surge a proposta da reforma íntima em resposta ao sistema capitalista e a ideologia neoliberal.
Pensando na reforma íntima, trago uma história aonde o pai chega a casa, cansado do trabalho e o filho lhe pede atenção para brincar. O homem, tentando se livrar e prender a atenção do filho, pega uma página do jornal que tentava ler onde havia o mapa do mundo, rasga em vários pedaços e entrega ao filho, dizendo: - assim que você terminar poderemos brincar. Pensando que o menino iria demorar muito, o pai se surpreende quando o menino em menos de 5 minutos lhe traz o mundo montado. Espantado o pai pergunta: - como você fez isso. O menino, em sua inocência, lhe mostra o outro lado da folha, onde aparece a figura de um homem e diz: - pai, primeiro eu consertei o homem e assim o mundo foi consertado também. Moral da história: de nada adianta querermos consertar o mundo, seja ele capitalista ou não, a primordial mudança que cada um consegue realmente promover é em si mesmo.
A proposta da reforma íntima é pedra fundamental da doutrina espírita. Porém acredito que qualquer doutrina que consiga ligar o homem a Deus, (re-ligar= religião) e promover seu crescimento espiritual e moral, podem cumprir perfeitamente esse papel.
Um dos motivos que me levou a simpatizar com a doutrina espírita é o fato de ser uma filosofia onde não é defendida a idéia de que fora do espiritismo não há salvação, ao contrário, a doutrina traz a máxima “fora da caridade, não há salvação”. Nessa doutrina servem as palavras de Jesus quando ele diz “são muitos os caminhos que levam ao meu pai”, então o que vale é a caridade, a bondade, a real vontade de amar o próximo e ajudá-lo e não qual religião ele segue. Para explicar essa doutrina e a sua concepção de homem, trago um trecho e faço um comentário do capitulo do Evangelho Segundo o Espiritismo, onde é sugerido o modelo de homem ideal.
O espiritismo é uma doutrina que aliada à ciência propõem que o mundo é regido por leis naturais, como a lei de causa e efeito, ou seja, de ação e reação. Segundo essa lei, toda a ação seja ela boa ou má gera uma reação do mesmo tipo. A escolha da atitude a ser tomada é decisão da pessoa, pois o homem tem o livre livre-arbítrio de agir segundo a sua vontade. O espírito de cada homem foi criado por Deus simples e ignorante, a evolução do espírito é galgada através das suas próprias escolhas. Portanto, não existe castigo, ou fatalidade tudo no universo ocorre por conseqüência das atitudes de cada um e sob a vontade de Deus. Se existe o livre-arbítrio também existe Deus, e nada ocorre sem que seja a vontade Dele. Deus é o poder supremo, Deus é o amor supremo e é primordial seguir o seu primordial mandamento: “Amar a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.” Francisco do Espírito Santo diz: “o amor que tenho é o amor que dou”, é ingenuidade acreditar que podemos amar ao nosso irmão sem amar a si mesmo, pois este é o mandamento divino: “amar o próximo como a si mesmo.”
No evangelho segundo o espiritismo, codificado por Allan Kardec, no capítulo 17, coloca-se o seguinte:
EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO
CAPÍTULO XVII
SEDE PERFEITOS
O homem de bem
“3. O verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza. Se ele interroga a consciência sobre seus próprios atos, a si mesmo perguntará se violou essa lei, se não praticou o mal, se fez todo o bem que podia, se desprezou voluntariamente alguma ocasião de ser útil, se ninguém tem qualquer queixa dele; enfim, se fez a outrem tudo o que desejara lhe fizessem. Deposita fé em Deus, na Sua bondade, na Sua justiça e na Sua sabedoria. Sabe que sem a Sua permissão nada acontece e se Lhe submete à vontade em todas as coisas. Tem fé no futuro, razão por que coloca os bens espirituais acima dos bens temporais.”
Se o ser humano seguisse essa conduta, agindo segundo as leis de justiça, de amor e de caridade, o mundo seria um lugar muito melhor de ser viver.
“Sabe que todas as vicissitudes da vida, todas as dores, todas as decepções são provas ou expiações e as aceita sem murmurar. Possuído do sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem pelo bem, sem esperar paga alguma; retribui o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte, e sacrifica sempre seus interesses à justiça.”
O homem deveria ser capaz de aceitar as mazelas da vida, sabendo que elas são parte essencial para a sua evolução. Realizar o bem, despretensiosamente, sem esperar retribuição.
“Encontra satisfação nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, no fazer ditosos os outros, nas lágrimas que enxuga, nas consolações que prodigaliza aos aflitos. Seu primeiro impulso é para pensar nos outros, antes de pensar em si, é para cuidar dos interesses dos outros antes do seu próprio interesse. O egoísta, ao contrário, calcula os proventos e as perdas decorrentes de toda ação generosa. O homem de bem é bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças, nem de crenças, porque em todos os homens vê irmãos seus. Respeita nos outros todas as convicções sinceras e não lança anátema aos que como ele não pensam.”
O egoísmo é sem sombra de dúvida a causa primeira das diferenças sociais trazidas pelo capitalismo.
“Em todas as circunstâncias, toma por guia a caridade, tendo como certo que aquele que prejudica a outrem com palavras malévolas, que fere com o seu orgulho e o seu desprezo a suscetibilidade de alguém, que não recua à idéia de causar um sofrimento, uma contrariedade, ainda que ligeira, quando a pode evitar, falta ao dever de amar o próximo e não merece a clemência do Senhor.”
A caridade não está somente no auxílio financeiro, na esfera material, a caridade muitas vezes é uma palavra amiga, um afago, um carinho. Igualmente a violência não é só física, a violência através de palavras, gestos muitas vezes traumatiza muito mais que uma agressão física. Por isso, aquele que se guia pela caridade não prejudica o seu irmão em hipótese alguma.
“Não alimenta ódio, nem rancor, nem desejo de vingança; a exemplo de Jesus, perdoa e esquece as ofensas e só dos benefícios se lembra, por saber que perdoado lhe será conforme houver perdoado. É indulgente para as fraquezas alheias, porque sabe que também necessita de indulgência e tem presente esta sentença do Cristo: "Atire-lhe a primeira pedra aquele que se achar sem pecado." Nunca se compraz em rebuscar os defeitos alheios, nem, ainda, em evidenciá-los. Se a isso se vê obrigado, procura sempre o bem que possa atenuar o mal. Estuda suas próprias imperfeições e trabalha incessantemente em combatê-las. Todos os esforços emprega para poder dizer, no dia seguinte, que alguma coisa traz em si de melhor do que na véspera. Não procura dar valor ao seu espírito, nem aos seus talentos, a expensas de outrem; aproveita, ao revés, todas as ocasiões para fazer ressaltar o que seja proveitoso aos outros. Não se envaidece da sua riqueza, nem de suas vantagens pessoais, por saber que tudo o que lhe foi dado pode ser-lhe tirado. Usa, mas não abusa dos bens que lhe são concedidos, porque sabe que é um depósito de que terá de prestar contas e que o mais prejudicial emprego que lhe pode dar é o de aplicá-lo à satisfação de suas paixões.”
O verdadeiro homem de bem, tem o sentimento de humildade. Não se julga melhor que ninguém, procura usar da empatia ao se relacionar com os outros. Perdoa e procura ajudar o próximo em suas fraquezas.
“Se a ordem social colocou sob o seu mando outros homens, trata-os com bondade e benevolência, porque são seus iguais perante Deus; usa da sua autoridade para lhes levantar o moral e não para os esmagar com o seu orgulho. Evita tudo quanto lhes possa tornar mais penosa a posição subalterna em que se encontram. O subordinado, de sua parte, compreende os deveres da posição que ocupa e se empenha em cumpri-los conscienciosamente.”
Se dentro das empresas as pessoas pudessem se relacionar dessa forma, sem abusos de poder dos que ocupam cargos de mando e com o devido respeito por parte dos que são subordinados, incluindo-se somente esse parágrafo na lógica capitalista, muitas mazelas seriam evitadas.
“Finalmente, o homem de bem respeita todos os direitos que aos seus semelhantes dão as leis da Natureza, como quer que sejam respeitados os seus. Não ficam assim enumeradas todas as qualidades que distinguem o homem de bem; mas, aquele que se esforce por possuir as que acabamos de mencionar, no caminho se acha que a todas as demais conduz.”
Sintetizando as idéias aqui apresentadas, o ser humano deveria se livrar do egoísmo, pensando mais no próximo, respeitando as leis de Deus. Procurando se melhorar. Cada um deveria cuidar da sua reforma íntima, tentando melhorar a cada dia, assim o mundo mudaria e poderia ser consertado. O caminho é longo e difícil, mas com a verdadeira fé em Deus, aquela que remove as montanhas do ódio, da tristeza, do orgulho, da vaidade um mundo melhor é possível.
BILIOGRAFIA
BOFF, Leonardo. Fundamentalismo a globalização e o futuro da humanidade. Rio de Janeiro, Editora Sextante, 2002.
HOLZMANN NETTO, Jacob. Espiritismo e Marxismo. Campinas, Edições Fagulha, 1970.
KARDEC, Alan. O EVANGELHO SEGUNDO O ESPIRITISMO. 112ª edição. Título do original francês: L'Évangile selon le Spiritisme (Paris, abril- 1864).
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Mundo Moderno, Colonização e Relações Étnico-Culturais (1500-1808). Disponível em: http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/index.asp?id_projeto=27&id_objeto=39079&tipo=ob&cp=994d99&cb=&n1=&n2=Proposta%20Curricular%20-%20CBC&n3=Ensino%20M%C3%A9dio&n4=Hist%C3%B3ria&b=s. Acessado em: 25/05/2009.
Neoliberalismo. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Neoliberalismo. Acessado em 25/05/2009.
O Espiritismo e a Sociedade Sustentável. www.panoramaespirita.com.br/modules/smartsection/item.php?itemid=7976 Acessado em 26/05/2009.
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