Estudando o Espiritismo

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segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

LIDERANÇA ESPÍRITA E REFORMA ÍNTIMA


Cícero Pereira*

 O texto seguinte foi extraído do livro Reforma íntima sem martírio, de Ermance Dufaux, psicografado por Wanderley S. de Oliveira. Reproduz palestra do prof. Cícero Pereira em conclave realizado no plano invisível na última semana do segundo milênio, no Hospital Esperança, para líderes espíritas e formadores de opinião no movimento espírita, encarnados. O prof. Cícero Pereira, quando encarnado, era professor, colaborava na imprensa espírita, fundou vários centros espíritas e foi presidente da União Espírita Mineira, no período 1937/1940, além de outras intensas atividades na seara bendita. O conclave de líderes aconteceu sob a direção de Bezerra de Menezes e Eurípedes Barsanulfo e com a participação de Dona Modesta (Maria Modesto Cravo).












     Constatamos um ascendente número de adeptos que tem desistido dos ideais de melhoria, em razão do ônus voluntário que carreiam para si mesmos ao conceberem reforma íntima como um compromisso de angelitude imediata. O momento exige autocrítica e vigilância. Além do ônus do martírio a que se impõem, ilusões lamentáveis têm povoado a mente de muitos espíritas sobre o porvir que os espera para além dos muros da morte, em razão dessa “angelitude de adorno”. Aqui mesmo nesse nosocômio enfrentamos situações severas da parte de homens e mulheres, os quais foram agraciados com o conhecimento e o trabalho nos campos educativos da seara espírita e que, a despeito de suas honrosas fichas de prestação de serviços, encontram-se envergonhados uns e atormentados outros, porque descuidaram do erguimento dos valores eternos na sua intimidade. Muitos deles, aliás, não esqueceram a reforma íntima, mas não souberam edificá-la.

     Os espíritas que desencarnam em melhores condições trazem em comum a persistência que nutriram no idealismo superior até o último dia em seus corpos físicos. Essa, porém, não tem sido a “marca moral” da maioria que, variadas vezes, tem se equivocado com estereótipos de conduta espírita consagrada nos círculos da doutrina entre os homens. Tais equívocos existem porque os modelos erigidos como referências ou padrões, quase sempre, conduzem o discípulo à acomodação e ao desculpismo que produzem o desleixo na avaliação íntima das causas de suas imperfeições. Nessa passarela de perfis de comportamento socialmente aceitos dentro da Seara, a criatura sente-se excluída e falida quando não consegue transpor os umbrais de seus impulsos, nem sempre conhecidos de si mesma, para atender aos quesitos que a inserem na condição de “verdadeiros espíritas”, conforme os critérios espontaneamente aceitos pela coletividade dos profitentes. A partir de então, se não conta com a fraternidade e a compreensão alheia, arrefece nos seus ideais ante os assédios da dor psicológica decorrente da autocobrança.

    Somente sentido-se aceita como é nos grupos de sua participação é que a criatura encontra motivação para burilar-se nos campos do espírito. Essa não tem sido a realidade de muitos grupamentos que, lamentavelmente, em muitas ocasiões, ao invés de cumprir o desiderato de serem Casas de Consolo e Verdade encarceram-se nos desfiladeiros de templos de hipocrisia e intransigência.

    A reforma íntima não pode mais se circunscrever a mero “artigo de discurso” para que haja um sentido evangélico nas idéias espirituais, que construímos na tarefa da comunicação de nossos princípios. Carecemos dissecá-la com mais clareza para que a imaginação humana, limitada por ilusões, não a converta em “fórmula salvacionista”, mensurando-se através desses estereótipos de pouco ou nenhum valor moral.

    Tivemos três fases bem marcantes e entrelaçadas no movimento humano em torno das ideais espíritas: o fenômeno, a caridade seguida da difusão e agora, mais que nunca, a interiorização. Entramos no período da maioridade, preparando-nos para a aquisição de valores incorruptíveis. Nossa meta é o Espiritismo por dentro, o intercâmbio de vivências morais à luz das bases que consolidam a lógica do pensamento espírita. Na etapa da caridade em que predominou a ocupação com o próximo, muitos corações inspiraram nos conceitos doutrinários para transferir a outras existências a continuidade de seu progresso nos dias hodiernos. Por outro lado, uma nova postura extremista desponta-se com vigor: a santidade instantânea. Se ontem havia um descuido em razão de fugas, hoje temos uma nova invigilância por causa da ilusão em “saltos evolutivos”.

    Inspirados em padrões de comportamentos rígidos da religião organizada, muitos discípulos da “boa nova espírita” asseveram seguir os exemplos de Jesus e Kardec guardando cenho carregado e distância das atitudes espontâneas de alegria e afeto, alegando seguir as orientações doutrinárias como se houvesse um estilo exterior e predefinido de reconhecimentos dos espíritas. A grandes malefícios tem levado essa cultura de “santificação de adorno” por impedir as criaturas a uma incurso nas profundezas de si mesmo, objetivando identificar as necessidades individuais de aprimoramento. Cada Espírito tem imperfeições próprias, únicas, e, também, qualidades em diversificada intensidade e característica, não sendo útil e nem sensato a adoção de um elenco de convenções religiosas de fora para dentro serem seguidas.

   Espiritismo é a mensagem da Boa Nova para os tempos atuais. Boa Nova quer dizer boa notícia, boa novidade, e o principal sentimento de quem comunica uma boa notícia é a alegria. Por mais avançadas sejam as conquistas humanas, o Evangelho continua sendo a Grande Novidade desprezada pelos homens para que reine a paz e a equidade social, o caminho esquecido e protelado por se tratar da “porta estreita” que exige conduta austera e vigilância permanente. Boa conduta e vigilância, no entanto, não significam que se deva cobrir de tristeza e carranca a pretexto de ser responsável e íntegro.

    Trabalhamos para que o movimento espírita se alinhe com os demais movimentos humanos que colaboram para o apressamento da regeneração. A despeito de suas valorosas conquistas, não poderá triunfar ante os desafios sociais da atualidade sem assumir o compromisso de projetos orientados para o crescimento pessoal. A tangibilidade da moral que sustenta os fundamentos do corpo doutrinário espírita constituirá o grande diferencial entre todos os métodos até hoje utilizados pela religião para conscientizar o homem. Fechar os olhos para essa necessidade poderá prolongar e fortalecer as primeiras sequelas palpáveis do processo de institucionalização, o qual tem inspirado nocivos episódios de estagnação e dogmatismo nas concepções e nas atitudes no seio desse movimento.

    Motivemos os núcleos espiritistas a uma campanha de esforços pela implantação da noção de “escola do espírito”, erguendo trincheiras seguras e generosas para o entendimento mais consistente do ato de educar a si mesmo. Mais do que “Espiritismo curricular”, nobre em seus fundamentos universais, necessitamos de esperança e consolo na alma para estabelecermos um clima de otimismo e entendimento, na superação dos percalços do caminho de transformações íntimas a que fomos todos convocados, integrando nossa ação, definitivamente, como todos os paradigmas descerrados pela proposta cósmica da Doutrina Espírita.

    Nessa “escola da alma” pensemos os valores humanos como metas possíveis e não como virtudes angelicais, das quais permanecemos muito distantes da possibilidade de experimentá-las. Encetemos claramente uma cultura de auto-estima e fé nas nossas potencialidades, sem receio dos tenebrosos assaltos da vaidade e do orgulho. A mensagem da Boa Nova é para todos os que desejem adotá-la como roteiro de vida. Conceber as propostas Sábias de Jesus como um convite para um futuro longínquo é agasalhar desânimo e desvalor para com nossas habilidades latentes. O Mestre não nos traria um convite que não tivéssemos condições de responder. Mesmo passados tantos séculos depois de Seu exuberante Ministério de Amor, Ele nos aguarda confiantes na decisão de segui-Lo.

    A ausência de horizontes novos sobre velhas lutas, enfrentadas pelos discípulos no campo íntimo, tem lhes desmotivado em relação aos nobres ideais de crescimento. Buscam respostas e caminhos, mas eis que os vigorosos reflexos da esteira evolutiva teimam em se apresentar, provocando desgosto e baixa auto-estima, subtraindo o vigor da sinceridade nos compromissos de melhoria assumidos perante a consciência.

    Dura realidade precisa ser avaliada em favor de nosso próprio bem: mais do que práticas e instituições é necessário preparar o seguidor da doutrina para aprender a gostar de relacionamentos. Com raríssimas exceções, o espírita, assim como a maioria dos homens reencarnados, não aprendeu a gostar das pessoas com as quais convive, descobrir-lhes as virtudes, encantar-se com suas diferenças, cultivar a empatia. Muitos agem como se pudessem beneficiar-se das práticas que tanto amam sem ter que suportar o “peso” das imperfeições alheias – o que muito lhes agradaria. Ama-se muitas vezes com mais alegria o Centro, suas dependências e tarefas, que aqueles que nele transitam... Há companheiros com mais cuidado com seus livros espíritas que com os amigos de tarefa...

    No que tange aos núcleos espíritas, especialmente, convenhamos que o excesso normativo tem levado a prejuízos incalculáveis na criação de relações autênticas e educativas. Necessário resgatar o foco central do Espiritismo: o amor entre os homens antes de ritos e práticas, os quais não passam de recursos didáticos de aprendizado e enriquecimento das vivências.

    A proposta do amor contida no Espiritismo-cristão não deve circunscreve-se a meros discursos estéticos na tribuna, tampouco a ocasionais doações de fins de semana no tempo que sobra junto às tarefas caritativas. O lar e a vizinhança, a rua e a empresa, a escola e as instituições humanas de recreação, os grupos sociais em geral aguardam-nos na condição de sal da terra para operar a inadiável metamorfose espiritual da regeneração.

   Consolidemos projetos de humanização nas agremiações da Terra em favor de dias melhores e mais proveitosos, como nos convoca o amado Bezerra de Menezes a vigorosa aplicação de um programa de valores humanos nos centros espíritas (Mensagem “Atitude de Amor” na obra mediúnica “Seara Bendita”, diversos espíritos, psicografada pelos médiuns Maria José C. Soares de Oliveira e Wanderley S. de Oliveira). O espírita passou a ser um conhecedor da vida espiritual e suas leis, mas continua ignorante sobre si mesmo, porque adota-se estudos sistematizados de Espiritismo mas permanece um vácuo nos estudos sistematizados sobre si mesmo, o autoconhecimento. Temos aqui mesmo Hospital Esperança muitos devotos que detinham toda a história do Espiritismo na memória, conheciam bem todos os clássicos da Doutrina, contudo, não se esforçavam para estampar um sorriso aos companheiros de grupo.

    Ninguém em sã consciência poderá negar que velhas fórmulas religiosas foram copiadas para a estrutura de nossa seara, estimulando o retorno de fracassadas vivências da alma no campo do egoísmo.

    Religião sem religiosidade é uma dicotomia milenar em nossas ações!

  Temos “projetos sociais religiosos”, entretanto são escassos os nossos “projetos pedagógicos de religiosidade”. A ação social espírita, tão rica de iniciativas, quase sempre tem priorizado o ato de solidariedade distante do seu caráter educativo, esbarrando, vez que outra, nos atóis dos “movimentos religiosos de massa”, encalhando inúmeras vezes a embarcação do raciocínio nos excessos da fé de superfície. Nossas ações sociais estão cada vez mais contaminadas pela “linguagem dos significados”, isto é, pela concepção interpretativa do Espiritismo centrada no “discurso salvacionista”, sustentando posturas de ufanismo ideológico e ausência de diálogo, em oposição aos princípios de fraternidade acolhedora e interatividade pacífica os quais emergem da filosofia espírita e que deveriam florescer em relações de paz e inclusão. Assim expressamos com rigor, para que não estimulem em suas fainas de formação de opinião as expectativas de angelitude após a morte corporal. Por mais nobres sejam as obras que ergamos, por mais devoção a elas ofereçamos, torna-se imperioso o desapego de fantasias de merecimento em torno de supostas honrarias no reino dos espíritos. Adotemos a condição de aprendizes e servos, pelo bem de nossa paz. Nossas atividades, por mais nobres, não passam de frutos da boa-vontade de quem está recomeçando.

    A visão religiosa com a qual fomos educados fez do erro o pecado e da melhoria da alma uma virtude para almas seletas. Jesus, como modelo e guia, tem sido interpretado como uma meta distante e para poucos, incentivando a mentalidade da estagnação.

    Ao longo dos milênios de experimentos evolutivos, o homem instintivamente praticou a adoração ao “Ser Supremo” através das mais variadas formas. Desde os horizontes da racionalidade primitiva até os pródromos da religião organizada, foram muitas as conquistas humanas cujo fim foi reverenciar esse “Ser Onipotente” que hoje chamamos de Criador e Pai. Semelhantes vivências arquivadas na alma passaram a constituir o patrimônio mental da religiosidade – impulso humano para buscar o transcendental, o sagrado. E como religiosidade expressa-se de conformidade com as conquistas espirituais e intelectivas, a necessidade psicológica de adoração exterior para tornar mais concreta a relação com Deus fez surgir um enorme contingentes de rituais e cerimônias, castas e convenções que determinaram uma ética própria para quantos se filiassem aos roteiros dessa ou daquela crença. Nasceram então os protótipos de conduta religiosa estabelecida para que o homem se apresente a Deus em condições dignas de “Sua Aprovação”. Secciona-se o profano do sagrado causando uma dicotomia inconciliável entre comportamentos classificados como puros e impuros aos “Olhos do Pai”.

    O dogma como crença imposta toma feições fortes porque veio a galope no dorso das “ameaças do céu”, nascidas em concílios e tribunais recheados de interesses de facção. Dentre essas sacramentações ideológicas que sulcaram a mente com nocivas noções sobre o que seja a renovação espiritual, vamos encontrar o terrível “vício de santificação”, resultante das idéias de “angelitude instantânea”, conduzindo a criatura para condutas puritanas das quais não faziam parte os seus sentimentos, uma idealização do que seja ser cristão.

    Associamos assim à tarefa da santificação pessoal nos dias atuais a idéia de uma vida sem infortúnios, como se santificar fosse mais uma fórmula de baixo custo para nos livrar da dor, um modo fácil de alcançar o reino dos céus. Fazemos tudo certinho e Deus nos recompensa com a felicidade... Fazemos negócios com Deus...

    A negação das necessidades íntimas a título de santificação leva a uma ruptura, nem sempre bem conduzida por parte de quantos anseiam pelos novos ideais de espiritualização. Essa ruptura, no entanto, precisa ser feita passo a passo para não gerar maiores lutas.

    O nível de exigência excessivo com a melhoria interior pode gerar muitas distonias. Confundimos elevada soma de cobranças com esforço efetivo de transformação. A cobrança gera angústia e somente o esforço sereno leva à libertação.

    Muitas ilusões e preconceitos cercam o processo da reforma íntima. Alguns deles são: a idéia de saltos evolutivos com mudanças abruptas, a presunção de que somente o Espiritismo pode propiciar a melhoria do homem, a concepção de que estar na tarefa doutrinária seja automaticamente um indício de conquista virtuosa, a falsa concepção de que existem “partes” de nós que não podem ser aproveitadas e precisam ser eliminadas ou substituídas por algo nobre, a prisão a modelos mentais de ação como critério de validação de crescimento espiritual.

  Poderíamos assinalar que vivemos em maior ou menor influência sob um milenar “arquétipo de santificação”. A própria Lei do Progresso acende a chama do desejo de ser melhor, no entanto, nossos condicionamentos morais assopram vigorosamente sobre o campo do discernimento criando miragens e perturbações sem fim.

    Nosso apelo a todos que aqui se encontram, perante a toga da responsabilidade de serem influentes líderes da comunidade doutrinária, é a de que debrucem sobre o tema pouco devassado da conquista de si mesmo e nos auxiliem a estender um “programa de moralização dos conceitos espíritas”, promovendo a casa espírita ao ideário de ser uma autêntica “escola do espírito”. A reforma íntima, tão decantada, não tem sido devidamente explicada!

    Que fique clara nossa intenção. O Espiritismo em si, enquanto teoria, é moralizador. Porém, quantos lhe aderem aos princípios suplicam clareza nos rumos para que edifiquem na intimidade a personalidade nova, já almejada pela maioria dos que se encontram atraídos para as propostas espiritistas. Como mudar? Como fazer? Como ser um Homem de Bem? Eis as nossas questões.

    Jesus nos ampare nesses tempos novos de renovação e pacificação da humanidade. Lutemos todos com todas as forças para atender ao apelo sábio de Emmanuel, quando diz:

    Expulsai da Terra o egoísmo para que ela possa subir na escala dos mundos, porquanto já é tempo de a Humanidade envergar sua veste viril, para o que cumpre que primeiramente o expilais dos vossos corações.





*(Texto extraído do livro Reforma íntima sem martírio, de Ermance Dufaux, psicografado por Wanderley S. de Oliveira, Editora Dufaux,16ª edição, 2006, da série Harmonia Interior)

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