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CARIDADE PARA COM OS CRIMINOSOS[1]
PROBLEMA MORAL
“Um homem está em perigo de morte. Para salvá-lo é preciso arriscar a vida. Sabe-se, porém, que aquele é um malfeitor e que, se for salvo, poderá cometer novos crimes. Apesar disso devemos arriscar-nos para salvá-lo?”
A resposta que se segue foi obtida na Sociedade Espírita de Paris, a 7 de fevereiro de 1862, pelo médium Sr. A. Didier:
Eis uma questão muito grave que se pode apresentar naturalmente ao Espírito. Responderei de acordo com o meu adiantamento moral, pois que se trata de saber se deve-se expor a vida, mesmo por um malfeitor.
A dedicação é cega. A gente socorre um inimigo pessoal, logo, deve socorrer um inimigo da Sociedade, isto é, um malfeitor. Credes, então, que é só à morte que a gente subtrai aquele infeliz? Talvez seja à sua vida passada inteirinha.
Pensai nisto: Nesses rápidos instantes que lhe subtraem os últimos minutos da vida, o homem perdido revê sua vida passada, ou antes, ela se ergue à sua frente. Talvez a morte chegue muito cedo para ele, e a reencarnação talvez seja terrível. Atirai-vos, pois, homens esclarecidos pela Ciência Espírita! Atirai-vos, arrancai-o de sua danação e talvez então aquele homem, que talvez morresse blasfemando contra vós, se lance em vossos braços. Contudo, não pergunteis se o fará ou não: lançai-vos, porque salvando-o obedecereis a essa voz do coração que vos diz: “Tu podes salvá-lo; salva-o!”
LAMENNAIS
OBSERVAÇÃO: Por singular coincidência, recebemos, há alguns dias, a seguinte comunicação, dada no grupo espírita do Havre, tratando mais ou menos do mesmo assunto.
Escrevem-nos que logo depois de uma conversa a respeito do assassino Dumollard, o Espírito da Sra. Elisabeth de França[2], que já havia dado várias mensagens, apresentou-se espontaneamente e ditou o seguinte:[3]
“A verdadeira caridade é um dos mais sublimes ensinamentos dados por Deus ao mundo. Deve existir entre os verdadeiros discípulos de sua doutrina uma fraternidade completa. Vós deveis amar os infelizes, os criminosos, como criaturas de Deus, às quais o perdão e a misericórdia serão concedidos se se arrependerem, como a vós mesmos, pelas falhas que cometerdes contra a sua lei. Pensai que sois mais repreensíveis e mais culpados que aqueles a quem recusais o perdão e a comiseração, pois muitas vezes eles não conhecem Deus como o conheceis e lhes será pedido menos do que a vós.
Não julgueis. Oh! Não julgueis, minhas caras amigas, porque o julgamento que fizerdes vos será aplicado ainda mais severamente, e necessitais de indulgência para os pecados que incessantemente cometeis. Não sabeis que há muitas ações que são crimes ante os olhos do Deus de pureza e que o mundo nem considera faltas leves?
A verdadeira caridade não consiste apenas na esmola que dais, nem mesmo nas palavras de consolo com que a acompanhais. Não. Não é somente isso que Deus exige de vós. A caridade sublime ensinada por Jesus Cristo também consiste na benevolência concedida sempre e em todas as coisas ao vosso próximo. Podeis, ainda, exercer essa virtude sublime para com muitas criaturas que não necessitam de esmola, mas que palavras amorosas e consoladoras encorajarão e as conduzirão ao Senhor.
Os tempos estão próximos, eu ainda vos digo, nos quais reinará a grande fraternidade neste globo. A lei do Cristo é a que regerá os homens. Só ela será o freio e a esperança, e conduzirá as almas às moradas da bem-aventurança.
Amai-vos, pois, como filhos de um mesmo pai. Não façais diferença entre os outros infelizes, porque Deus quer que todos sejam iguais. Assim, a ninguém desprezeis. Deus permite que grandes criminosos estejam em vosso meio, a fim de que vos sirvam de ensinamento. Em breve, quando os homens forem conduzidos pelas verdadeiras leis de Deus, não haverá mais necessidade desses ensinamentos, e todos os Espíritos impuros e revoltados serão espalhados por mundos inferiores, em harmonia com as suas inclinações.
A esses, de quem vos falo, deveis o auxílio das vossas preces: é a verdadeira caridade. Não se deve dizer de um criminoso: “É um miserável; deve-se expurgar de sua presença a Terra; a morte que lhe infligem é muito suave para um ser de sua espécie”. Não. Não é assim que deveis falar. Olhai o vosso modelo, Jesus. Que dizia ele ao ver o malfeitor ao seu lado? Ele o lamentava; considerava-o um doente muito infeliz e estendia-lhe a mão. Na realidade, tal não podeis fazer, mas ao menos podeis orar por esse infeliz e assistir o seu Espírito nos momentos que ainda deve passar na Terra. O arrependimento pode tocar o seu coração se orardes com fé. Ele é vosso próximo, tanto quanto o melhor dos homens. Sua alma transviada e revoltada foi criada, como a vossa, à imagem de Deus perfeito. Assim, orai por ele. Não o julgueis, pois não o deveis. Só Deus o julgará.
ELISABETH DE FRANÇA
ALLAN KARDEC[4]
[1] Esta dissertação foi inserida no Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XI, item 15, com o subtítulo “Deve-se expor a vida por um malfeitor?”
[2] Seu nome era Elisabeth-Philippine-Marie-Helène. Nasceu no palácio de Versailles em 1764, tendo sido a última filha do Delfim Louis e de Marie Josephine de Saxe e, portanto, irmã de Luís XVI. Ficou órfã aos três anos de idade. Subindo ao trono, Luís XVI lhe deu o Castelo de Montreuil, mas viveu sempre junto ao rei, sobre o qual exerceu influência benéfica. Recusou casar-se com o Infante de Espanha e com o Duque de Aosta. Foi aprisionada com a família real. Depois da execução de sua cunhada, a rainha Maria Antonieta, cuidava da sobrinha. Separada desta, foi encerrada na Conciergerie, levada ao tribunal revolucionário a 9 de maio de 1794 e decapitada no dia seguinte.
[3] Dissertação inserida no Evangelho segundo o Espiritismo, capítulo XI, item 14, com o título “Caridade para com os criminosos.”
[4] Paris. Tipografia de Cosson & Cia. Rua do Four-St-Germain, 43.
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