Igor Roosevelt
Publicado no Recanto das Letras em 11/10/2008
É interessante – pra não dizer “engraçado” – como até mesmo as mentes grandiosas da história cometem erros infantis quando tentam provar racionalmente algo que não passa de uma crença emocional, sem nenhuma razão de ser. São Tomás de Aquino, eminente filósofo da Idade Média, tentou através de cinco vias provar racionalmente a existência de Deus. Ora, qualquer um que tente provar alguma coisa tão irracional quanto Deus está fadado ao fracasso, mesmo que este homem seja São Tomás de Aquino. Kant, mesmo acreditando, já nos disse que Deus não pode ser sustentado racionalmente. Podemos apenas crer nele, mas não podemos de modo algum saber se ele existe realmente. Irei numerar as “provas” de Tomás de Aquino e logo em seguida mostrar suas inconsistências. Trata-se de um conjunto de argumentos “a posteriori”, sendo a maioria baseados na filosofia de Aristóteles.
1ª Prova – A do Motor Imóvel: diz que “se aquilo pelo qual é movido por sua vez se move, é preciso que também ele seja movido por outra coisa e esta por outra. Mas não é possível continuar ao infinito; do contrário, não haveria primeiro motor e nem mesmo os outros motores moveriam como, por exemplo, o bastão não move se não é movido pela mão. Portanto, é preciso chegar a um primeiro motor que não seja movido por nenhum outro, e por este todos entendem Deus”.
Aqui existe um salto quantitativo. Tomás de Aquino se abstém de regredir mais profundamente na sua análise por saber que vai chegar num ponto onde vai encontrar algo que do qual não conhece o movente ou alguma coisa que se move por si mesma e não é Deus. Tomando o exemplo do próprio Tomás de Aquino: se o bastão é movido pela mão, a mão pelo braço, o braço pelo ombro... vamos chegar até a mente. Esta, por sua vez, move a si mesma. Ela tem em si mesma a causa do seu movimento. Sendo assim, existem coisas que se movem por si mesmas, sem necessitar que outro motor a movimente.
2ª Prova – A da Causa Primeira: Neste argumento, Tomás nos mostra que tudo no mundo possui uma causa eficiente, uma razão de ser como de fato é. Nada é causa de si mesma, pois a causa sempre vem antes do efeito, sendo assim, algo que fosse sua própria causa deveria existir antes dela mesma, o que é um absurdo. Ele nos diz também que não podemos estender a cadeia de causas e efeitos até o infinito, tendo que chegar a uma causa primeira, que não teve causa e é a causa de todas as outras coisas. Essa causa é Deus.
De fato, não há como negar que Tomás de Aquino tem razão em alguns pontos. Necessariamente toda causa tem um efeito e o universo não é uma cadeia infinita de causas e efeitos como já nos mostrou a astronomia. Mas é muita falta de criatividade ou muita tendenciosidade afirmar que essa causa primeira é Deus. Nada nos pode levar a crer que seja um deus de fato. Isso será explicado na análise da próxima prova.
Outra objeção que se faz à esta prova é uma questão de lógica. Todo efeito necessariamente tem uma causa, mas toda causa também tem necessariamente que ter um efeito. Se o cosmo é um efeito, tem que ter uma causa, mas Deus, sendo causa tem que ter efeitos. Mas esquece-se aqui que Deus também é eterno e antes de criar tudo que existe ele passou a eternidade sem fazer nada. Mas isso é impossível. Se assim fosse, ele seria uma causa sem efeito, o que é tão irracional quanto um efeito sem causa.
3ª Prova – Do Ser Necessário: Este argumento nos fala que os entes (coisas) são contingentes, ou seja, não são necessários. Contingente é aquilo que pode existir ou deixar de existir. Tudo que existe no mundo houve um tempo em que não existiu e haverá um tempo em que não existirá mais. Sendo assim, houve um tempo em que nada existiu. Mas se isso fosse verdade, ainda hoje nada existiria, pois “ex nihil nihilo fit” (do nada, nada provém). É preciso admitir que existe um ser que não é necessário e que através dele todos os outros seres vieram a existir. Este ser não pode não ter existido em determinado tempo e nunca deixará de existir. Este ser é Deus.
Também chamada de “O Possível e o Necessário” pelos filósofos árabes, ou de “Contingentia mundi” por Leibniz. Em suma é apenas uma repetição da anterior, só que um pouco mais interessante. O Ser Necessário não é só o que possibilitou o início desta cadeia de entes que existem e deixam de existir, mas todos os entes precisam dele pra existir. Novamente aqui Tomás de Aquino falta com a criatividade – ou seria com a honestidade? Nada nos garante que o Ser Necessário seja Deus. De acordo com nossos conhecimentos atuais, sabemos de outro ser que sempre existiu e não pode deixar de existir do qual todas as outras coisas dependem, direta ou indiretamente, para existir: a matéria. Tomás de Aquino estava certo ao dizer que é preciso existir um Ser Necessário, mas não quer dizer que este Ser seja um Deus, e nem que tenha os atributos deste, como onipotência, onisciência, bondade, enfim... O Ser Necessário pode ser outra coisa, como a matéria. Isso responde o argumento anterior da causa eficiente. A causa eficiente de tudo, aquilo que não teve causa e dela tudo participa é a matéria.
4ª Prova – A dos Graus do Ser: Este argumento nos diz que em todas as coisas do mundo existe um grau de perfeição, de bondade, de ser... As coisas do mundo são mais perfeitas, boas, belas que outras. Sendo assim, deve haver algum ser que contém esses atributos ao infinito e seria a causa desta mesma perfeição, bondade, beleza... nos outros seres. Este ser é Deus.
Este argumento é tão fraco que nem vou me alongar muito nele. Richard Dawkins brinca dizendo que se isso fosse verdade, deveria existir um ser que é o máximo do mau cheiro, sendo que experimentamos muitas formas de maus cheiros no mundo e vemos coisas que cheiram mais mal que outras. Sendo assim deveria haver um ser que contém um mau cheiro infinito e é a causa de todo mau cheiro que existe no universo. Além do mais, conceitos como “bondade”, “perfeição”, “beleza”, entre outros que são atribuídos a Deus estão impregnados de subjetivismo. Não há nem como dizer que uma coisa é mais bela ou mais perfeita que outra, tampouco dizer que existe algum ser que é infinitamente perfeito.
5ª Prova – A da Inteligência Ordenadora: Alega que as coisas do mundo parecem ter sido projetadas. Existe uma ordem admirável no Universo que é facilmente verificada, ora toda ordem é fruto de uma inteligência ordenadora, não se chega à ordem pelo acaso e nem pelo caos, logo há um ser inteligente que dispôs o universo na forma ordenada. Com efeito aquilo que não tem conhecimento não tende a um fim, a não ser dirigido por algo que conhece e que é inteligente, como a flecha pelo arqueiro. Logo existe algo inteligente pelo qual todas as coisas naturais são ordenadas ao fim, e a isso nós chamamos Deus.
Há uma ordem em todos os seres, o menor vegetal, p. ex. tem órgãos para cada função ordenados para a preservação da espécie. Esta ordem pressupõe uma Inteligência ordenadora, pois a ordem não vem do caos e nem do acaso. Da mesma forma as letras de um livro não são colocadas ao acaso. Logo a ordem existente no mundo prova a existência de uma Inteligência que ordenou todas as coisas nos mínimos detalhes. É necessário que exista uma Inteligência Suprema que tenha ordenado o Universo criado.
Este é o melhor argumento de Tomás de Aquino e em minha opinião é o único que não é digno de escárnio. Já foi chamado de Argumento Teleológico ou Argumento do Design. Ele nos fala basicamente que as coisas são ordenadas e que tudo tem uma finalidade, uma razão de ser. O argumento não leva em conta que a ordem pode não ser fruto de nenhuma inteligência. A seleção natural pode criar estes simulacros de ordem, como já o demonstrou Charles Darwin. É normal que os melhores e mais complexos seres sobrevivam, o que dá a falsa impressão de que eles foram projetados para ser como são. Se fosse verdade que a ordem reflete uma inteligência, 90% de todos os seres vivos que já existiram na Terra não estariam extintos. Se Deus é tão inteligente, se seu design é tão perfeito, por que todos estes seres vivos não existem mais? Não se adaptaram, oras. A camuflagem de um animal não é um projeto para que ele sobreviva, mas é a causa própria da sua sobrevivência.
Em segundo lugar, ele nos fala sobre finalidades das coisas do mundo. Existem coisas no qual é fácil ver finalidades, como é obvio que os olhos existem para enxergar, as pernas para andar, a boca para comer e/ou falar... Mas existem outras que parecem não ter finalidade alguma, como o próprio homem. Para que serve um homem? Para que serve um animal? Para que serve uma pedra? Se procurarmos uma finalidade para tais coisas, cairemos no irrisório pensamento do pseudo-filósofo Pangloss do romance “Cândido” de Voltaire que dizia que “As pedras foram feitas para serem talhadas e edificar castelos, e por isso Monsenhor tem um lindo castelo” e “os porcos foram feitos para serem comidos”. Não há finalidade alguma nestas coisas senão aquelas que nós mesmo inventamos.
E por fim, como disse Kant, o argumento teleológico nos diz apenas que há uma inteligência ordenadora, mas isso não quer dizer que este ser seja Deus. Ela apenas ordena alguma coisa, mas não cria. Também o argumento não prova que esta Inteligência possui os atributos necessários de Deus, como onipotência, onisciência, perfeição, bondade, amor, etc., etc., etc.
Estes são apenas alguns argumentos “racionais” para a existência de Deus que serão analisados aqui. Mas a finalidade desta análise é mostrar que não se pode provar racionalmente, de modo algum, a existência de Deus. É como disse Kant, Deus é uma questão de fé. Nada podemos saber dele, nem mesmo se ele existe. Mas eu quero ir além de Kant. Quero mostrar que ele, por mais inteligente que fosse, era um pouco desonesto. Eu penso que se nada podemos saber sobre Deus, não temos motivo algum para acreditar nele.
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