Allan Kardec, quando compilou a Doutrina dos Espíritos, deixou bastante claro que ela surgia sustentada por três pilares: os aspectos religioso, filosófico e científico.
Nesses 150 anos desde sua formulação, o seu aspecto filosófico e o religioso ganharam muita força. Mas, e o científico?
Se compararmos o tanto quanto se estuda a doutrina em seus conceitos filosóficos e religiosos - com o mínimo estudo desenvolvido no sentido de analisar a parte científica - veremos que o esforço em torno desse último foi quase nulo.
No entanto, é premente fazer notar que o próprio Kardec, embora não fôsse um cientista por formação, tinha, com certeza a "alma" de um: era exigente, questionador, e racional. Como convém a um cientista que analisa tudo com imparcialidade.
Aqui lembramos uma passagem oportuna e que elucida sobre o "eu" do codificador evidenciando seu senso lógico e científico:
(Certa vez, informado por seu amigo Sr. Fortier, de que do fato as mesas não somente se moviam mas "falavam" também, respondendo às perguntas que lhes faziam, disse-lhe Kardec):
- "Isso é outra questão. Só acreditarei quando vir e quando me provarem que uma mesa tem cérebro para pensar e nervos para sentir (...). Até lá, permita que eu não veja no caso, mais do que um conto para fazer-me dormir em pé".
E no ano seguinte (1855), outro amigo, Sr. Carlotti lhe fala de que tal trata-se de intervenção dos Espíritos e Kardec lhe responde:
- "Longe de me convencer - aumentou-me as dúvidas".
Sr. Carlotti: - "Um dia o senhor será dos nossos".
Kardec: - "Não direi que não - veremos isso mais tarde".
E pouco depois confessava:
-"Eu estava diante de um fato inexplicado, aparentemente contrário às leis da Natureza e que a minha missão repelia (. . .) a idéia porém, de uma "mesa falante" ainda não me entrava na mente".
Dessa maneira, Kardec colocou em dúvida, mas não descartou aprioristicamente a possibilidade de o fato acontecer.
Logo depois de ter assistido a uma ocorrência do fenômeno, disse:
- "Minhas idéias estavam longe de serem necessárias, mas havia ali, um fato que, necessariamente decorria de uma causa (. . .) qual fosse uma revelação de uma Lei, que tomei a tarefa de estudar a fundo". (Tribuna Espírita - Outubro/99)
O que nos inquieta é que, essa mesma atitude e senso de investigação que lhe foi próprio quase não se repetiu dentre os seus seguidores.
Lembramos aqui as sábias palavras de Chico Xavier, por ocasião do I Congresso Internacional de Transcomunicação Instrumental (São Paulo, maio-1992):
"Os espíritas do Brasil construíram casas destinadas ao amparo e ao socorro dos companheiros infelizes da Comunidade Humana, segregados nos infortúnios e no desalentos, vítimas do vício e da ignorância, mantendo inúmeras escolas para reeducação dos infelizes. Instituições que sustentaram e sustentam até hoje, com os próprios recursos, em diversos setores da vlda nacional. Isto porém não basta às nossas necessidades comunitárias. Precisamos de lentes novas para examinar os problemas. E recolhemos (...) a contribuição de valores científicos, que nos são indispensáveis e entre as quais encontramos a transcomunicação, por vasta área de observações valiosas, áreas em que militam numerosos cientistas habituados a transmitir-nos conhecimentos e experiências incontestes da vida além da matéria, como demonstrando que a morte é apenas, em nossas próprias almas, a transferência para outros níveis de existência, nos quais reconhecemos a realidade de nós mesmos".
Chico Xavier Chico refere-se a que muita caridade, muitos ensinamentos morais e éticos tem sido disseminados graças ao Espiritismo, mas carece de aprofundar a parte científica.
Kardec, em muitos momentos defendeu a necessidade do apoio da Ciência Oficial para somar forças com a Doutrina dos Espíritos. Isso foi uma constante em sua obra e aqui arrolamos algumas passagens. Escreveu ele:
"Foi nessas reuniões que comecei meus estudos do Espiritismo, não por meio das revelações, mas das observações. Apliquei a essa nova ciência (...) o método experimental e nunca elaborei teorias preconcebidas. Observava cuidadosamente, comparava, deduzia. A partir dos efeitos procurava remontar às causas, por dedução e encadeamento lógico dos fatos, não admitindo como válida uma explicação, senão quando totalmente esclarecida". (Obras Póstumas, FEB, 26ª- edição, pág. 268).
Como se vê, Kardec buscou a imparcialidade quando da coleta de dados. Somente uma pessoa isenta, sem qualquer posição pré-estabelecida poderia garimpar a Verdade.
Possivelmente tinha essa postura devido a prever o alcance da sua pesquisa. Disse ainda:
"O Espiritismo e a Ciência se completam reciprocamente: à Ciência, sem o Espiritismo, se acha na impossibilidade de explicar certos fenômenos só pelas leis da matéria; ao Espiritismo, sem a Ciência faltaria apoio e comprovação". (A Gênese, FEB, 37ª- edição, item 16, Cap.1, pág. 21)
"O ESPIRITISMO, tendo por objetivo o estudo dos elementos constitutivos do Universo, toca, forçosamente, na maior parte das Ciências". (A Gênese, FEB, 37ª- edição, item 18, pág. 22).
"(. . .) não aceitar a fé cega (. .. ) ver enfim, nas descobertas da Ciência a revelação das leis da Natureza, que são as leis de Deus: eis a religião do Espiritismo". (A Obsessão - A. Kardec, O Clarim, 5ª- edição, pág. 314).
"O Espiritismo é, ao mesmo tempo, uma ciência de observação e uma doutrina Filosófica. Como Ciência prática, ele consiste na relação entre nós e os espíriitos. Como Filosofia, compreende todas as conseqüências morais que daí dimanam". (O que é o Espiritismo, FEB, 36ª- edição, pág. 50).
"Muitos fatos são tidos como sobrenaturais, porque não se lhes conhece a causa; no entanto, o Espiritismo dando-lhe a causa, os repõe nos domínios dos fenômenos naturais". (Livro dos Médiuns, FEB, 62ª-edição, item 14, pág. 146).
"Longe estamos de considerar como última palavra a teoria que apresentamos. Novos estudos a complementarão ou retificarão mais tarde ... " (Livro os Médiuns, FEB, 62ª-edição, item 110, pág. 146)
O senso de análise de Kardec fê-lo criar pensamentos concisos e notáveis. Um deles é o que aborda a visão errônea do Catolicismo acerca da origem da vida na Terra, como originária de Adão e Eva ... crença essa sem qualquer respaldo da Ciência. Em verdade, a idéia de que Adão e Eva teria dado origem à humanidade já foi derrubada por uma ciência denominada Antropologia, há muito tempo. Mas, essa declaração de Kardec aponta o engano, de forma bem objetiva:
"A Ciência desferiu profundo golpe em crenças seculares ... (. . .) a fé ortodoxa se sobressaltou, porque julgou que lhe tiravam a pedra fundamental. Mas, com quem havia de estar a razão: com a Ciência que caminha progressivamente pelos terrenos sólidos dos algarismos e da observação, sem nada afirmar antes de ter em mãos as provas ... ou com uma narrativa escrita quando faltavam os meios de observação? Afinal, quem há de estar certo, aquele que diz que 2 e 2 fazem 5 e se nega a verificar, ou aquele que diz que 2 e 2 são 4, e prova?" (A Gênese - FEB, 37ª- edição, item 7, pág. 88)
Como se vê, Kardec, enfaticamente, legitimou a necesssidade de unir o Espiritismo à Ciência. Eis mais alguns de seus pensamentos nesse sentido:
"O Espiritismo combate a fé cega" (Obras póstumas, FEB, 26ª edição, pág. 261)
"Se a religião se negar a avançar com a Ciência, esta avançará sozinha" (A Gênese - FEB - Papel da Ciência na Gênese, 26ª edição, item 9, pág. 89)
"Somente as religiões estacionárias podem temer as descobertas da Ciência" (A Gênese - O Papel da Ciência na Gênese, 26ª edição, item 10, pág. 89)
«A Ciência, disse Allan Kardec, tem por finalidade construir a verdadeira gênese, segundo as leis da Natureza. As descobertas da Ciência, longe de rebaixá-lo, glorificam a Deus. Elas somente destroem o que os homens construíram sobre as idéias falsas que terão feito Dele" (A Gênese - cap. 1- Caracter da Revelação Espírita, 27ª edição, item 55, pág. 44)
"Quando do alto de suas cátedras os sábios proclamarem a existência do mundo espiritual e sua participação nos fenômenos da vida, eles infiltrarão o contra veneno das idéias materialistas ( ... )" (O que é o Espiritismo - FEB)
"O Espiritismo, avançando com o progresso, jamais será ultrapassado, porque, se novas descobertas lhe demonstrarem que está em erro acerca de um ponto, ele se modificará nesse ponto". ( A Gênese, cap. I - Caráter da Revelação Espírita)
"A demonstração da existência do mundo espiritual que nos cerca e de sua ação sobre o mundo corporal, é a revelação de uma das forças da Natureza e, por conseqüência, a chave de grande número de fenômenos até agora incompreendidos, tanto na ordem física quanto na moral. Quando a Ciência levar em conta essa nova força até hoje desconhecida, retificará imenso número de erros provenientes de atribuir tudo a uma única causa: a matéria. O conhecimento dessa nova causa, nos fenômenos da Natureza, será uma alavanca para o progresso, produzirá o efeito da descoberta de um agente inteiramente novo". (O que é o Espiritismo - A. Kardec, FEB, 38ª edição)
"A Ciência e a Religião são as duas alavancas da inteligência humana. Uma revela as leis do mundo material e a outra, as leis do mundo moral". (O Evangelho Segundo o Espiritismo - Aliança da Ciência e da Religião - Introdução, item 8, 1ª edição, Ed. Petit)
(A Religião, não sendo mais desmentida pela Ciência, adquirirá um poder inabalável, estará de acordo com a razão já não podendo mais se opor à irresistível lógica dos fatos). (O Evangelho Segundo o Espiritismo - Aliança da Ciência e da Religião Intodução, item 8, 1ª edição, Ed. Petit).
"Estas afinidades uma vez constatadas pela experiência, fazem surgir uma nova luz: a fé se dirigiu a razão, a razão não encontrou nada de ilógico na fé e o materialismo foi vencido". (O Evangelho Segundo o Espiritismo - Aliança da Ciência e da Religião - 1ª. Ed. Petit).
"Três períodos distintos apresenta o desenvolvimennto dessas idéias: primeiro, o da curiosidade, que a singularidade dos fenômenos produzidos desperta; segundo, o do raciocínio e da filosofia; terceiro, o da aplicação e das conseqüências. O período da curiosidade passou; a curiosidade dura pouco, Uma vez satisfeita, muda de objeto, o mesmo não acontece com o que desafia a meditação séria e o raciocínio. Começou o segundo período, o terceiro virá inevitavelmente". (O Livro dos Espíritos - Allan Kardec, FEB, 77ª. edição, Conclusão parte V, pág. 482)
"A doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega, porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos (...). Numa palavra, o que caracteriza a revelação espírita é o ser divino a sua origem e da iniciativa dos Espíritos, sendo a sua elaboração fruto do trabalho do homem. Como meio de elaboração, o Espiritismo procede exatamente da mesma forma que as ciências positivas, aplicando o método experimental".(A Gênese - Allan Kardec - Caráter da Revelação Espírita -FEB, 37ª Edição, Cap. I, item 13, pág. 19)
"As Ciências só fizeram progressos importantes depois que seus estudos se basearam sobre o método experimental; até então, acreditou-se que esse método também só era aplicável à matéria, ao passo que o é também às coisas metafísicas". (A Gênese - Caráter da Revelação Espírita, FEB, Cap. I, item 14, pág. 20)
"O materialismo pode por aí ver que o Espiritismo, longe de temer as descobertas da Ciência e o seu positivismo, lhe vai ao encontro e os provoca, por possuir a certeza de que o princípio espiritual, que tem existência própria, em nada pode com elas sofrer. O Espiritismo marcha ao lado do materialismo, no campo da matéria; admite tudo o que o segundo admite; mas avança para além do ponto onde este último pára.
O Espiritismo e o materialismo são como dois viajantes que caminham juntos, partindo de um mesmo ponto; chegados a certa distância, diz um: "Não posso ir mais longe." o outro prossegue e descobre um novo mundo. Por que, então, há de o primeiro dizer que o segundo é louco, somente porque, entrevendo novos horizontes, se decide a transpor os limites onde ao outro convém deter-se? Também Cristóvão Colombo não foi tachado de louco, porque acreditava na existência de um mundo, para lá do oceano? Quantos a História não conta desses loucos sublimes, que hão feito que a Humanidade avançasse e aos quais se tecem coroas, depois de se lhes haver atirado lama?
Pois bem! o Espiritismo, a loucura do século dezenove, segundo os que se obstinam em permanecer na margem terrena, nos patenteia todo um mundo, mundo bem mais importante para o homem do que a América, porquanto nem todos os homens vão à América, ao passo que todos, nem exceção de nenhum, vão ao dos Espíritos, fazendo incessantes travessias de um para o outro". (A Gênese Allan Kardec - Capítulo X - O Homem Corpóreo, FEB, 37ª. Edição, item 30, pág. 204)
Mas, talvez sejam nas palavras magistrais do astrônomo Camille Flammarion, quando de seu discurso ao túmulo de Kardec, em 1869 - que o racionalismo contido no Espiritimos mais se ressalte:
"Conforme A. Kardec previu, o estudo que foi lento e difícil, tem que entrar agora num período científico. Os fenômenos da natureza (. . .) é ao que devemos os progressos modernos, como as maravilhas da eletricidade e do vapor. É através da experimentação que se toma os fenômenos de ordem misteriosa para os dissecar ... Porque, meus Senhores, o Espiritismo não é uma religião, mas uma ciência, da qual apenas conhecemos o a, b, c. Passou o tempo dos dogmas (. .. ). As manifestações (espiríticas) devem ser submetidas à verificação da experiência. Não há milagres. Assistimos ao alvorecer de uma Ciência desconhecida. Quem poderá prever a que conseqüência conduzirá esse estudo?
Em nenhuma época da Historia, a Ciência, desdobrou, diante do olhar perplexo do homem, tão grandiosos horizontes. (Obras póstumas - Discurso de Flammarion FEB, pág. 25).
Assim, conforme previu Kardec, o Espírito pode e deve ser investigado em laboratório, pois é na frieza da racionalidade que há de ser abrandar o calor dos ânimos das crenças infundadas.
A IGREJA E A CIÊNCIA
Por muito tempo, cada descoberta da ciência parecia constituir uma derrota de Deus. Ou pelo menos da Igreja Católica e de suas teorias fundamentais. Nessa luta frontal entre sábios e clérigos, a razão, ou seja, a demonstração, baseada no método experimental, desferia, impiedosamente, golpes na fé. O espírito do Iluminismo (razão) triunfaria, indiscutivelmente, sobre o da Revelação (Fé). Luis Pasteur disse acertadamente:
"Podemos dizer que, se um pouco de ciência nos afasta de Deus, muita ciência nos reconduz a Ele".
A Igreja, por seu turno, se mostrou hostil à descoberta de novas verdades pela razão. Lembramo-nos dos inenarráveis processos de Giordano Bruno e de Galileu, referentes à questão do heliocentrismo. Giordano Bruno morreu queimado e Galileu se salvou porque decidiu, de última hora, concordar com as tolices do Clero - escapando da fogueira.
Alguns se lembram também da estupefação de que foram tomados todos os racionalistas do Planeta, quando o Vaticano decidiu, com a maior seriedade, reabilitar Galileu ... em 31 de outubro de 1992! Essa reabilitação tardia, porém, soou como uma confissão e foi bastante mal recebida nos meios científicos.
As discussões em torno das descobertas de Darwin e, de norma geral, a Teoria da Evolução, são também bem conhecidas. Ou seja, Darwin concluíu depois de muitos anos, que o homem descendia de um tipo de primata (macaco) e não de Adão e Eva.
Ou seja, com ele iniciou-se o Evolucionismo - que estabelece que a raça humana é resultado de uma longa evolução, enquanto que a Igreja (Gêneses), se coloca a favor do Creacionismo - ou seja, diz que Deus teria criado a tudo e todos de uma só vez.
Se acrescentarmos que a teoria da evolução leva a ver o Homem como uma forma tardia de adaptação, de modo que não teria sido criado a partir de um casal, compreenderemos que a Igreja não tenha tido nenhuma razão para apreciar as teorias do genial Darwin.
Por isso, em 1860, ele foi condenado energicamente pelo concílio de Colônia e excomungado.
A Igreja de hoje reabilitou Galileu (tardiamente, é verdade, mas enfim ... ), pediu perdão pelos erros da Inquisição e até reconheceu a coerência da Teoria da Evolução, afirmando que as verdades da Ciência não podem e não poderão nunca ser contrárias às da fé.
Assim, pode-se ler textualmente no Catecismo da Igreja Católica, publicado pelo Vaticano, que: "a questão das origens do mundo e do homem é objeto de muitas pesquisas científicas que aumentaram extraordinariamente nossos conhecimentos sobre a idade e a dimensão do cosmos, o devir das formas vivas e o aparecimento do homem".
Segundo as próprias conclusões da encíclica de João Paulo II: "a Igreja continua profundamente convencida de que a fé e a razão se ajudam mutuamente, exercendo uma em relação a outra uma função de crivo purificador ou então de estimulante para avançar na pesquisa e na reflexao.
CONCLUSÃO:
Depois de estagnar por muitos séculos determinando o que os Homens deveriam crer, a Igreja se viu vencida pela Ciência e teve de voltar atrás, sob risco de perder sua credibilidade.
Diferentemente, o Espiritismo, quando de sua formulação, já trazia em si a proposta de que o segmento científico lhe era intrínseco.
Sonia Rinaldi
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