Enquanto as empresas de turismo organizam na Terra os grandes cruzeiros intercontinentais, realizando um dos mais belos esforços de socialização do século XX, no mundo dos Espíritos organizam-se caravanas de fraternidade, nos planos do intermúndio. Enquanto os astrônomos europeus e americanos examinam, cuidadosamente, os seus telescópios, para a contemplação da paisagem de Marte, à distância, de quase trinta e sete milhões de milhas, preparando as lentes poderosas de seus instrumentos de óptica, fomos felicitados com uma passagem gratuita ao nosso admirável vizinho do Sistema_Solar, cujo percurso, nas adjacências do orbe, vem empolgando igualmente os núcleos de seres invisíveis, localizados nas regiões mais próximas da Terra. Depois de alguns segundos, chegávamos ao termo de nossa viagem vertiginosa.
Dentro da atmosfera marciana, experimentamos uma extraordinária sensação de leveza... Ao longe, divisei cidades fantásticas pela sua beleza inaudita, cujos edifícios, de algum modo, me recordavam a Torre Eiffel ou os mais ousados arranhacéus de Nova York. Máquinas possantes, como se fossem sustidas por novos elementos semelhantes ao “Hélium”, balouçavam-se, ao pé das nuvens, apresentando um vasto sentido de estabilidade e de harmonia, entre as forças aéreas. Aos meus olhos, desenhavam-se panoramas que o meu Espírito imaginara apenas para os mundos ideais da mitologia grega, com os seus paraísos cariciosos.
Aturdido, interpelei o chefe da nossa caravana, que se conservava silencioso: “Se a Terra julga a influência de Marte como profundamente belicosa, como poderemos conciliar a definição dos astrólogos com os espetáculos que estamos presenciando?“
— “E porventura — respondeu-me o excelente mentor espiritual — chegaste a conhecer no planeta terrestre um homem ou uma idéia, que retirasse a humanidade de sua rotina, sem sofrimento e sem guerra? Para o nosso mundo, Marte é um irmão mais velho e mais experimentado na vida. Sua atuação no campo magnético de nossas energias cósmicas visam a auxiliar os homens terrenos para que possam despir os seus envoltórios de separatividade e de egoísmo.” Mas, nesse instante, havíamos chegado a um belo cômoro atapetado de verdura florida. Ante os meus olhos atônitos, rasgavam-se avenidas extensas e amplas, onde as construções eram fundamente análogas às da Terra.
Tive então ensejo de contemplar os habitantes do nosso vizinho, cuja organização física difere um tanto do arcabouço típico com que realizamos as nossas experiências terrestres.
Notei, igualmente, que os homens de Marte não apresentam as expressões psicológicas de inquietação em que se mergulham os nossos irmãos das grandes metrópoles terrenas.
Uma aura de profunda tranquilidade os envolve.
É que, esclareceu o mentor que nos acompanhava, os marcianos já solucionaram os problemas do meio e já passaram pelas experimentações da vida animal, em suas fases mais grosseiras. Não conhecem os fenômenos da guerra e qualquer flagelo social seria, entre eles, um acontecimento inacreditável. Evolveram sem as expiações coletivas, amarguradas e terríveis, com que são atormentados os povos insubmissos da Terra. As pátrias, ali, não recebem o tributo do sangue ou da morte de seus filhos, mas são departamentos econômicos e órgãos educativos, administrados por instituições justas e sábias. Era tempo, contudo, de observarmos a cidade com as suas disposições interessantes.
O leitor não poderá dispensar o nome dessa cidade prodigiosa, e à falta de termos comparativos, chamemos-lhe Marciópolis.
Orientados pelo amigo que nos dirigia a singular excursão, atingimos extensa praça, onde se erguia um templo maravilhoso pela sua imponência, tocada de majestosa simplicidade, e onde, ao que fomos informados, se haviam reunido todos os credos religiosos.
De uma de suas eminências, vimos o nosso Sol, bastante diferenciado, entornando na paisagem as tintas do crepúsculo. A vegetação de Marte, educada em parques gigantescos, sofria grandes modificações, em comparação com a da Terra. É de um colorido mais interessante e mais belo, apresentando uma expressão de tonalidade avermelhada em suas características gerais.
Na atmosfera, ao longe, vagavam nuvens imensas, levemente azuladas, que nos reclamaram a atenção, explicando-nos o mentor da caravana fraterna que se tratava de espessas aglomerações de vapor d'agua, criadas por máquinas poderosas da ciência marciana, a fim de que sejam supridas as deficiências do líquido nas regiões mais pobres e mais afastadas do largo sistema de canais, que ali coloca os grandes oceanos polares em contínua comunicação, uns com os outros.
Tais providências, explica o Espírito superior e benevolente, destinam-se a proteger a vida dos reinos mais fracos da natureza planetária; porque, em Marte, o problema da alimentação essencial, através das forças atmosféricas, já foi resolvido, sendo dispensável aos seus habitantes felizes a ingestão das vísceras cadavéricas dos seus irmãos inferiores, como acontece na Terra, superlotada de frigoríficos e de matadouros.
Todavia, ao apagar das luzes diurnas, o grande templo de Marciópolis enchia-se de povo. Observei que a nossa presença espiritual não era percebida, dai podermos examinar a multidão, à vontade, em seus mínimos movimentos. Todos os grandes centros deste planeta, esclareceu o nosso amigo e mentor espiritual, sentem-se incomodados pelas influências nocivas da Terra, o único orbe de aura infeliz, nas suas vizinhanças mais próximas, e, desde muitos anos, enviam mensagens ao globo terráqueo, através das ondas luminosas, as quais se confundem com os raios_cósmicos, cuja presença, no mundo, é registrada pela generalidade dos aparelhos radiofônicos. Ainda há pouco tempo, o Instituto de Tecnologia da Califórnia inaugurou um vasto período de experimentações, para averiguar a procedência dessas mensagens, misteriosas para o homem da Terra, anotadas com mais violência pelos balões estratosféricos, conforme as demonstrações obtidas pelo Dr. Robert Millikan, nas suas experiências científicas. (Ver: misteriosa explosão) A palestra esclarecedora seguia o seu curso interessante, mas os movimentos na praça acentuavam-se, sobremaneira.
No horizonte, surgia uma grande estrela de luz avermelhada, enquanto os dois satélites marciáticos resplandeciam.
Todos os olhares fitavam o céu, ansiosamente.
Aquela estrela era a Terra.
Uma comissão de cientistas iniciou, da tribuna maior do santuário, uma vasta série de estudos sobre o nosso mundo distante. Aparelhos luminosos foram afixados, na praça pública, ao passo que presenciávamos a exibição de mapas quase irrepreensíveis dos nossos continentes e dos nossos mares. Teorias notáveis com respeito à situação espiritual do planeta terrestre foram expendidas, entendendo-se perfeitamente as idéias dos estudiosos que as expunham, através da linguagem universal do pensamento. A Terra enviava-nos a sua claridade, em reflexos trêmulos e tristes. Observamos, então, que os marcianos haviam colocado em seu templo poderosos telescópios.
Enquanto os melhores aparelhos da América possuem um diâmetro de duzentas polegadas, com a possibilidade de aumentar a imagem de Marte doze mil vezes, a astronomia marciana pode contemplar e estudar a Terra, aumentando-lhe a imagem mais de cem mil vezes, chegando ao extremo de examinar as vibrações de ordem psíquica, na sua atmosfera. A nossa grande surpresa não parou ai, entre os mais avançados aspectos de evolução e de cultura.
Enquanto a luz avermelhada da Terra tocava a nossa visão espiritual, víamos que todas as multidões do templo se haviam aquietado, de leve... A Ciência unida à Fé apresentava um dos espetáculos mais belos para o nosso espírito.
Vimos, então, que ao influxo poderoso daquelas mentes irmanadas no mesmo nível evolutivo, pela sabedoria e pelo sentimento, formara-se sobre o santuário uma estrada luminosa, em cujos reflexos descera do Alto um mensageiro celeste.
Recebido com as intensas vibrações de júbilo divino e silencioso, a figura, quase angélica, começou a falar, depois de uma prece comovedora:
— “Irmãos, ainda é inútil toda tentativa de comunicação com a Terra rebelde e incompreensível! Debalde os astrônomos terrenos vos procuram ansiosos, nos abismos do Infinito!
Seus telescópios estão frios, suas máquinas, geladas. Faltam-lhes os ardores divinos da intuição sublime e pura, com as vibrações da fé que os levariam da ciência_transitória à sabedoria imortal. Fatigados na impenitência que lhes caracteriza as atividades inquietas e angustiosas, os homens terrestres precisam de iluminação pelo amor, a fim de que se afastem do círculo vicioso da destruição, na tecnocracia da guerra. A multidão ouvia-lhe a palavra, atenta e comovida, e nós lhe escutávamos a exortação profunda, como se fôramos convocados, de longe, pela harmonia mágica da lira de Orfeu, quando o nosso mentor espiritual nos acorda, do êxtase, a nos bater levemente nos ombros, chamando-nos ao regresso. Em todos os lugares, há os que mandam, e vivem os que obedecem. Na categoria dos últimos, voltamos às esferas_espirituais da Terra, como o homem ignorante que fizesse um vôo, sem escalas, através do mundo, confundido e deslumbrado, embora não lhe seja possível definir o mais leve traço de seu espantoso caminho.
Livro: Novas Mensagens
Humberto de Campos
(Recebida pelo médium Francisco Cândido Xavier, em 25 de
julho de 1939)
_____
Nenhum comentário:
Postar um comentário