Estudando o Espiritismo

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quarta-feira, 5 de dezembro de 2012

A proclamação do reino - Herculano Pires


“O que pensa que o Reino está longe terá que andar muito para encontrá-lo, mas o que sabe que o Reino já está aqui mesmo, ao nosso lado, já o traz dentro de si. Ai, porém, do que pensar que o Reino já está nele e deixar de buscá-lo!" -  Herculano Pires, (Ir. Saulo) no Aviso ao Leitor, que inicia o livro O REINO.

Sempre que releio alguma obra de Herculano Pires, fico pensando como faz falta o seu pensamento lúcido, poético, racional, filosófico, nos estudos das Casas Espíritas. Como seu estilo, embasado em sua veia literária, de uma beleza às vezes comovente e sempre elegante e profunda, ainda não foi superado por nenhum autor espírita!

Deteve-se, um grupo de estudos em que faço parte, na análise de seu livro O Reino em que ele assina Irmão Saulo, pseudônimo que utilizava em suas obras inspiradas. É um poema.

No entanto, quanta profundidade!

Os teólogos católicos, que criaram a Teologia da Libertação, lembram-nos de que a principal mensagem do Evangelho é a do REINO DE DEUS. Há no Evangelho mais de uma centena de passagens onde Jesus fala sobre o Reino. E apenas três ou quatro em que fala da Igreja, que para eles é a herdeira única do Cristo. O Livro dos Espíritos, mais de uma centena de anos antes dessa Teologia muito esclarecida, já nos dizia que esse é o objetivo do homem: Instaurar na Terra uma sociedade que seja a sonhada por Jesus em seu Evangelho, ou seja, O Reino de Deus. (Ver questão 1018 de O Livro dos Espíritos.) [1]

No capítulo A Proclamação do Reino, Pires cita Isaías, de cujas palavras Jesus se serve para anunciar, na modesta Sinagoga de Nazaré, que, na sua pessoa, aquelas palavras se cumpriam.

“O espírito do Senhor está sobre mim, pelo que me ungiu para anunciar a Boa Nova aos pobres. Enviou-me para proclamar a libertação dos cativos e a restauração da vista aos cegos, para pôr em liberdade os oprimidos e apregoar o Ano Aceitável ao Senhor." - Isaías, 6:1; 2 e Lc, 4:18.

 É comum ouvirmos e lermos sobre o Reino de Deus em nós, e poucos se detêm, como Herculano, na análise dessa Proclamação. Ninguém sabe o que era para o judeu o Ano Aceitável ao Senhor.

Herculano explica isso no capítulo A PROCLAMAÇÃO.

Depois de nos dizer que Jesus se apresentou como pregoeiro (o que vem fazer o pregão de uma notícia ao povo), portanto, aquele que anunciava a Boa Nova. Ele vinha estabelecer o Ano Aceitável ao Senhor, especialmente aos pobres, explicando que viera libertar os cativos e restaurar a vista aos cegos, libertar os oprimidos. Herculano nos explica o que vem a ser o Ano Aceitável ao Senhor que Jesus anuncia ter vindo estabelecer.

O povo judeu, a cada 50 anos, proclamava esse quinquagésimo ano como o Ano Aceitável ao Senhor. Nesse ano, eram redistribuídas as terras, todos os trabalhadores do campo recebiam um pedaço de terra para ganhar seu sustento, as dívidas eram perdoadas, os cativos libertos. Essa proclamação não tem nada de comparativa, como querem alguns “homens de Deus”. Ela é real, porque, se conseguirmos a sua proposição, se for estabelecido na Terra, e esse ano aceitável ao Senhor, não a cada cinqüenta anos, mas, como maneira de se viver no mundo, teremos o que prevê a questão 1018 de O Livro dos Espíritos - o Reinado do Bem sobre a Terra.

Quando Jesus se anuncia como aquele que vem proclamar o estabelecimento do Reino de Deus, na Terra, ele não diz que vem reinar, ou que haveria um Rei que seria ele. Coloca-se tão-somente como o pregoeiro, aquele que anuncia que um Reinado se estabelece. É o Reino de Deus, ou dos Céus.  Não é um reinado sobre os Espíritos, embora também o seja, mas ao dizer que esse Reino estabelecia para sempre o Ano Aceitável ao Senhor, sua fala denota os objetivos de mudança e renovação social que esse Reino dos Céus trará.

O Ano Aceitável ao Senhor era uma invenção do sacerdócio de Israel, com nítida ação social, evitando muitas revoltas contra a hipocrisia, a dominação cruel que era feita contra os povos hebreus. A cada cinquenta anos eram perdoadas as dívidas, redistribuídas as terras, libertados os cativos. O povo aprendia a esperar esse tempo e, paciente, não se revoltava. Ainda que a boca dos profetas denunciasse a injustiça e defendesse o povo de Israel contra seus próprios dirigentes, o povo tinha na existência do Ano Santo (ou aceitável) do Senhor, um motivo de esperança, para não se revoltar. Logo após a redistribuição e o perdão das dívidas, a pretensa igualdade era destruída rapidamente, pois o povo, sem tostão, sem quem os amparasse até que pudessem colher e vender, emprestava dinheiro dos mais abastados.  Continuava a depender do dinheiro dos mais ricos para plantar, colher e vender. Assim, logo se endividavam e eram obrigados a entregar novamente as terras. Bastava uma colheita ruim, um pai de família que falecesse, ou ficasse doente, para que as terras mudassem novamente de mãos e as dívidas se amontoassem reduzindo o povo à miséria. A lei era tão injusta que diante de um juiz, a que fosse arrastado um devedor, tudo deveria entregar, até mesmo o manto, ficando reduzido tão só à túnica que lhe cobria a nudez.

 No entanto, o Jovem Carpinteiro vem apregoar que Jeová estabelecia com ele, seu apregoador, o Reino de Deus, onde todos seriam justiçados e para sempre. É de admirar que depois dessa proclamação, os estudiosos da Lei, os companheiros de Nazaré, ouvindo Joshua de Nazaré sobre Isaías, se revoltassem?  O Reino de Deus, esclarece nosso autor, não se fundamentava na injustiça, na ganância e no ódio, sob a maldição da violência.

É de se admirar que os galileus de Nazaré, saturados de rituais farisaicos, defendendo suas poucas ou maiores posses, ficassem revoltados? E mais ainda ficaram com as palavras seguintes de Jesus. O Evangelho nos conta que, revoltados, consideraram Jesus um feiticeiro, o agarraram e o arrastaram para fora. Tencionavam atirá-lo do lado esquerdo de Nazaré, onde perigosa escarpa de pedras e rochas pontiagudas, eriçados espinheiros levariam à morte quem de lá fosse lançado.

Herculano, com a característica beleza dos literatos, explica:

“Mas, quando tudo parecia perdido, os homens que o agarravam com mãos de ferro, viram que estavam enganados. Na verdade, haviam-se agarrado uns aos outros e, se não percebessem a tempo, se teriam arrojado pelo precipício abaixo. Pararam assustados à beira do abismo e suas pernas e seus braços tremiam de horror”.

Enquanto isso, o Jovem Carpinteiro, passando tranquilamente entre eles, descia a encosta em direção à cidade.

Assim, Jesus passou entre os homens e, até hoje, ao querer destruí-lo e ao Reino de Deus, apenas nos destruiremos a nós mesmos. O Reino foi instaurado e, se não conseguirmos ao longo dos séculos fazê-lo presente na sociedade dos homens, nos lançaremos no abismo.


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