Elzio Ferreira de Souza
Livro: Espaço, Tempo e Causalidade (2003)
Editora: Circulus
Capítulo 5
RUÍDOS
- Senhor, o ruído pode impedir a comunicação espiritual? - inquiriu o discípulo.
- Depende de onde estiver sua mente: se esta presta atenção, não há como se colocar a comunicação em dia. Mas naturalmente há um nível de barulho do qual nem todos conseguem livrar-se.
- Mas, senhor, todo barulho perturba a mente.
- Quando se está com o pensamento em Deus, o próprio barulho é música de Deus.
- Entretanto, o barulho pode ser causado por diversos motivos: uma aparelhagem de som, pancadas de operários trabalhando, o ruído da rua, etc., estas não são condições agradáveis para o trabalho. Retirados no Himalaia, os mestres conseguem, com o silêncio, a ambientação necessária para dedicarem-se a Deus.
- No entanto, alpinistas vão ao Himalaia e apenas conseguem escalá-lo, desistem ou encontram a morte. Seus guias vivem nas montanhas e não estão mais próximos de Deus do que outros que vivem em outras regiões. O silêncio do ambiente naturalmente facilita o trabalho, porém o decisivo é o lugar em que está a mente: quando ela está situada em coisas materiais, pouco importa o nível de barulho ou de silêncio que possua, porque ela faz bastante barulho para ocupar o ser e direcioná-lo.
- Então não existe ambiente mais propício?
- Estás tomando posições radicais, o que não é bom para o entendimento de qualquer questão. Um ambiente favorável sempre ajuda os que iniciam, os que ainda não obtiveram adiantamento e uma estabilidade suficiente, e também poderá ajudar os que já se encontram adiantados. Mas não existe desenvolvimento espiritual apenas porque se tenha conseguido um local silencioso para meditar. Às vezes, a mente está tão inquieta que não consegue absorver o silêncio e vai à cata de ruídos quaisquer que sejam para ocupar-se, e, quando os percebe, irrita-se porque eles o quebraram.
- O senhor há de convir que o barulho exterior pode perturbar?
- Sem dúvida, quando o barulho nos perturba, estamos ainda longe de uma identificação com o Divino.
- O barulho, todavia, de uma banda de rock deve impedir a meditação.
- Quem o levou a ouvir uma banda de rock? Podes dizer que ligaram uma aparelhagem de som, e isto te perturba. Uma música do teu agrado massagearia a mente… Sem dúvida, estamos ligados a problemas a cada passo, mas, mesmo quando eles acontecem, é necessário manter a calma para enfrentar tais contratempos. Se te mantiveres calmo, podes estar certo de que estás em plena meditação, sem que seja necessário fechar os olhos, deixá-los semicerrados, repetir um mantra, etc. Quando somos capazes de suportar contratempos, a nossa mente está se dirigindo para o local certo, estabelecendo uma ligação correta com o Divino. Dirás que isto não é fácil, mas desconfies sempre das facilidades da vida. As coisas no nosso planeta não foram feitas para serem fáceis.
- Por que, senhor, devemos enfrentar tantas dificuldades ainda quando estamos à procura de Deus?
- Um garimpeiro diante de um monte de terra ou à beira de um rio há de perguntar a mesma coisa; é possível que gostasse de ver pepitas de ouro ou pedras de diamante à mostra, mas se fosse assim fácil, outros antes dele já teriam levado tudo. Se ele não se dispuser a um esforço contínuo, sem perder a esperança, nunca achará uma pepita de ouro ou uma pedra de valor. Sabes bem que, antes disto acontecer, montões de lixo devem ser retirados, muita peneiração deve ser realizada. Com a pepita nas mãos, entretanto, todo trabalho desenvolvido é esquecido. O Senhor Jesus disse-nos que onde estivesse o coração aí estaria o nosso tesouro. A pergunta é sempre a mesma - “onde colocaste o teu coração?” Ao apaixonar-se por uma mulher, o homem é capaz de todos os sacrifícios para cortejá-la e manter a paixão sendo correspondida; enquanto mantiver-se neste estado, o trabalho não será avaliado, ele não sentirá qualquer esforço. Quando se costuma valorizar muito o esforço despendido em uma tarefa é porque o objetivo não está sendo valorizado, mas sim o meio: com o tempo, este acabou tomando o lugar do objetivo. As pessoas vão aos templos e depois apresentam um inventário das horas que ali passaram. Retiram-se para orações e contabilizam o tempo em que dizem ter estado em meditação, e assim por diante. Em realidade, para elas o meio é tudo, e, presas a estes, nunca obtêm o objetivo. Deus deve ser a única meta. Ao agarrares com firmeza esta idéia, todo trabalho despendido para alcançar o fim lhe parecerá nenhum. Existe algum esforço realmente grande que não estejamos resolvidos a fazer quando queremos alcançar a comunhão com a Divindade?
O mestre silenciou por um momento e concluiu:
- Em realidade, uma mente despreparada faz muito mais barulho do que qualquer coisa neste mundo.
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