Estudando o Espiritismo

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sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

O MOVIMENTO LEIGO E PAUPERISTA



3 - O MOVIMENTO LEIGO E PAU PERISTA

Começaste o despojamento, liberando-te das coisas, para poderes libertar-te de ti mesmo, a fim de te entregares a Ele por inteiro.
JoANNA DE ANGELIS

A maneira pauperista como Francisco viveu em seus anos de apostolado cristão não era algo totalmente estranho ao mundo do seu tempo. Havia ordens mendicantes nos mosteiros, submissas, penitentes, isoladas do mundo, mas a possibilidade de um grupo ter com seu líder inspirador um diálogo aberto, democrático, horizontal e viverem nas cidades como ele propôs, era algo inovador.

Se recuarmos no tempo, vamos encontrar este tipo de relação no convívio de Jesus com seus discípulos, que vale lembrar eram por Ele chamados de amigos (João, 15: 15).

Antes de Francisco, algumas pessoas tentaram pautar suas vidas na mais absoluta simplicidade, tendo apenas o necessário para a subsistência e, simultaneamente, procurando ter uma religiosidade liberta de dogmas, hierarquias, castigos e recompensas. Uma religiosidade pautada na mais absoluta fidelidade ao Evangelho, o que infelizmente ia na contramão do que a Igreja entendia como vida inspirada no Evangelho.

Uma religiosidade assim haveria de causar incômodos, temores e preocupações no poder instituído.

Ter o sentimento de religiosidade sem o rótulo religioso, isto é, ser leigo ou laico era algo visto como heresia, devendo, portanto, ser reprimido pelo perigo que representava alguém poder amar a Deus e ao seu próximo de forma livre e plena. E se as pessoas ou grupos justificassem que tal conduta era inspirada nas palavras e exemplos de Jesus, aí então era um Deus nos acuda.

A heresia será a grande preocupação da Igreja na Idade Média.

Emmanuel afirma, no capítulo XVII de A Caminho da Luz, que no século XII, no sul da França, mais precisamente em Lyon, terra do nosso querido codificador, um homem abnegado ousou promover um movimento de retorno às bases do Evangelho, propondo um modo de vida pautado na simplicidade. Embora fosse um homem de negócios, Pedro de Vaux despojou-se de todos os seus bens, revertendo-os em benefício dos pobres. Além disso, custeou a tradução dos livros sagrados, a fim de que todos pudessem ler e interpretar aquilo que até então somente era acessível aos sacerdotes católicos. Não satisfeito, promoveu pregações e estudos bíblicos, configurando um movimento que foi chamado de os pobres de Lyon ou Valdenses.

Como não poderia deixar de ser, foi excomungado e perseguido juntamente com todos os que aderiram a esse movimento.

Surgiram depois os cátaros, também no sul da França, propondo um modo de vida muito simples, semelhante ao que Jesus propôs.

Os cátaros defendiam uma livre interpretação do Evangelho, sem intermediários, mas com trocas, diálogos, em que todos pudessem se expressar, desenvolver o senso crítico, a tolerância, e neste exercício crescer intelectual e moralmente.

Segundo Hermínio C. Miranda, eram características do catarismo:1010 Os cátaros e a heresia católica, Cap. 3. (N. dos autores)

• vestimentas simples;

• alimentação frugal e não carnívora (exceto peixes);

• abstinência sexual;

• renúncia à propriedade pessoal;

• prática da não violência;

• recusa ao hábito de mentir;

• não recebiam remuneração pelo sacerdócio religioso;

• viviam do trabalho manual;

• impunham as mãos para batizar;

• eram reencarnacionistas;

• rejeitavam a divindade do Cristo, a divina trindade, o inferno e o resgate dos nossos pecados pelo sangue de Jesus, defendendo que cada um é o artífice da sua própria redenção.

O fanatismo e a intolerância religiosa não conseguiu entender, respeitar nem aceitar este movimento. Era ousadia e pretensão demais e algo muito perigoso, pois se a moda pegasse, como, aliás, começou a pegar, seria a ruína da Igreja daquela época e esta teria que rever seus postulados, reconhecendo o seu distanciamento da proposta genuinamente cristã.

Os cátaros foram perseguidos e massacrados. Afirma o Espírito Joanna de Angelis que:

(...) o intolerante, assim como o fanático, somente veem o que lhes apraz, aquilo que consideram real e, portadores de narcisismo, mantêm a veleidade pessoal de que, pelo fato de aceitarem essa conduta, todas as demais pessoas estáo equivocadas quando pensam de maneira diferente.

Desse modo, autofascinados, querem salvar os demais, impondo as suas idéias, e, quando não aceitas, não se compadecem dos males que infligem, disfarçados em mecanismos salvadores.

(...) O fanático entrega-se de tal forma à maneira de crer, que somente se felicita quando sucumbem aqueles que ele pensa ser-lhe opositores, quando, em realidade, o seu adversário é ele próprio.

Ninguém tem o direito de engessar as mentes e os sentimentos alheios nas suas fórmulas, exigindo que se pense conforme lhes é imposto.1111 Entrega-te a Deus, cap. 21. (N. dos autores)

Retomando a questão da laicidade e da pobreza ou pauperismo, quando paramos para refletir sobre a relação de Francisco com os bens materiais, constatamos quanto sua vida missionária foi marcada pelo desprendimento, pela abnegação, tanto que um dos votos que faz é o da pobreza.

Não há nesta atitude um repúdio ao mundo e àquilo que o constitui, não existe um desprezo pela matéria e uma exaltação radical ao Espírito, mas uma postura de desprendimento e de relativização do que é material. Tanto não despreza que louva tudo o que Deus criou, desde uma simples pedra ou erva daninha aos raios do Sol que brilha no infinito.

Da mesma maneira que Gandhi dizia não ser contra a violência, mas a favor da paz, não havia em Francisco o desejo de afrontar os que possuem bens, a começar por seu pai que era rico e próspero comerciante. A sua não era uma atitude contra os outros ou contra o poder político, econômico, cultural vigentes, mas uma postura a favor dos valores cristãos que trouxe em sua alma e que procurou viver com radicalidade.

Recomenda o respeito a todos os ricos que vivem uma vida na fartura e no luxo, pois são filhos de Deus e possuem uma missão neste mundo. Pede que se ote por eles, de modo que consigam cumprir bem seu papel e se compadeçam dos que possuem menos.

A pobreza nos moldes franciscanos pressupõe desapego e não desprezo, partilha e não prodigalidade, diminuição do abismo entre quem tem e quem nada possui.

É espiritual e também política num sentido mais profundo, apontando para uma cidadania maior de caráter universal, portanto, divina em seus pressupostos e fins.

Ser pobre nos moldes franciscanos não significa radicalmente não ter coisas, pois temos roupas, o corpo, o conhecimento, um nome, etc.

Ê um modo de ser em que o propósito não é dominar, controlar, submeter, mas estar com as coisas, os seres e tudo o que existe numa relação, não de dominação, mas de compartilhamento e harmonia.

A revolução buscada por Francisco é em si mesma e, simultaneamente, nos corações, nas consciências, nas almas; ela é singular e plural, pessoal e coletiva, além de existencial e espiritual, refletindo-se na organização material da sociedade.

Afinal, há famintos, doentes, pobres, marginalizados, almas aprisionadas em si mesmas, logo, se não é apenas de pão que vive o homem, é também com pão que os homens se alimentam, sendo importante reparti-lo e compartilhá--lo, procurando a liberdade e a libertação de nossas próprias mesquinharias.

Francisco assume a postura de um homem que está no mundo, mas que não se escraviza a este, sabe da sua condição transitória na Terra, entende que tudo é fugaz, impermanente e nada é mais importante do que viver o Evangelho em sua plenitude.

Trabalhava permanentemente, de início restautando ermidas, depois, e sempre cuidando dos leprosos, pedindo algo para os mendigos, pregando o Evangelho e fazendo trabalhos braçais ao alcance das suas forças.

Por isso, viveu no mundo e com o mundo, com as pessoas e para as pessoas, sem isolamento nem clausura, mas numa comunhão alegre, espontânea e fraterna com todas as criaturas.

Do mesmo jeito podemos conciliar nossas atividades no lar, no ambiente profissional em que nos situamos e no espaço religioso no qual nos inserimos.

Nenhum de nós precisa viver como algum vulto do Cristianismo tenha vivido para ter êxito na atual reencarnação, mesmo porque cada qual escreve sua própria biografia, tem sua singularidade, mas estas almas abnegadas podem e devem ser sempre uma fonte de inspiração para a nossa vida cotidiana.

Não se trata de segui-las, mas aprender com elas, e também com os nossos contemporâneos, com os anônimos, com os nossos filhos e amigos, e acima de tudo com a figura simples e amiga do Homem de Nazaré.

Para realizar seu trabalho, Francisco não precisou se tornar padre, sempre esteve com leigos e se considerava também um deles.

Por força das circunstâncias, deixa-se ordenar diácono, anos mais tarde, em franco apostolado, por existir uma bula papal proibindo os leigos (cataros, valdenses, etc.) de pregarem o Evangelho, e tendo sido questionado a este respeito, numa pregação que fez em Bolonha, solicitou semelhante ordenação apenas com este objetivo e nada mais. Mas sempre foi um laico vivendo mais a religiosidade que sentia de maneira pujante em si, do que um religioso devoto enquadrado nos cânones religiosos do Catolicismo.

As pregações ou sermões que Francisco fazia eram todos baseados no Evangelho, se assemelhavam mais a uma conversação e eram repletos de exemplos, isto é, pequenas e simples histórias inspiradas no cotidiano, todas com um fundo reflexivo e moralizante.

Seu grau de instrução, académicamente falando, era modesto. Alguns livros afirmam que sabia ler e escrever, conhecia alguns cantos litúrgicos, aritmética e algo básico da vida cristã, aprendido provavelmente em alguma escola de Assis e nas frequências à Igreja. Talvez não dominasse bem o latim, mas falava o francês que aprendera com sua mãe. Sua cultura era basicamente evangélica e isso lhe bastava. Fazia questão de se dizer iletrado e destituído de qualquer expressão intelectual mais destacada.

Numa ocasião, Frei Masseu, dirigindo-se a Francisco, perguntou-lhe de forma bem direta, incisiva e ao mesmo tempo fraterna: - Por que você? Por que é a você, Francisco, que as multidões seguem, que se fascinam com a sua palavra?

Você não é inteligente, não é letrado, não é bonito, você não tem uma grande retórica. Por que você?

Francisco ficou impactado com a pergunta, porque ele levava todas as coisas a sério. Retirou-se para pensar, depois voltou e disse: - Meu irmão, tenho uma resposta, eu descobri por que a mim. Porque Deus resolveu escolher a pessoa mais vil, a pessoa menor, mais feia e mais pecadora para revelar aos outros as maravilhas que criou e segue criando.

E sem maiores recursos, este homem singelo e simples abalou os alicerces da Idade Média, propondo uma vida baseada inteiramente no amor.

J.A.

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