Elzio Ferreira de Souza
Livro: Divina Presença: comentários mediúnicos a João da Cruz (1992)
Editora: Circulus
Capítulo 15
QUEM SOU EU? E VOCÊ?
“... a linguagem que ele ouve é o amor silencioso”.
Carta n.º 8
João da Cruz
Ninguém consegue amar a Deus se não faz silêncio dentro de si mesmo. O silêncio mais importante não é o dos lábios, mas aquele que resulta de calar desejos e emoções. Enquanto a mente se movimenta no jogo dos interesses, de um lado para outro, e soa como o marulho das ondas em noite de tempestade, você não pode ouvir a voz de Deus. Não há nenhum barulho maior que o produzido pela mente.
A mente é como um animal bravio que arrasta o condutor depois de desmontá-lo. Você pode julgar-se o senhor, mas ela é realmente quem comanda. Você nunca lhe impôs as rédeas, sempre achou bonito a maneira com que ela se portava, sem perceber que sua conduta era resultado do alimento que lhe proporcionava. Com a mente presa aos sistemas do mundo, alimentando-se de tudo o que vê, ouve, sente, cheira e degusta, incapaz de usar a capacidade de discriminação para purificar as informações, não pode dizer que efetivamente sabe pensar ou se apenas reflete a vida ao redor sem nada de realmente seu.
Como o animal, a mente depende do cavaleiro. Você não pode permitir que ela o leve para onde deseje ou seja impressionada por pensamentos que assimile, por ondas que recepcione, por estados de espírito que registre. Você necessita aprender que a mente pode ser um instrumento valioso, se a coloca em mãos do Divino. Para consegui-lo, tem que aprender a silenciá-la, e nenhum silêncio é possível se não domina os próprios sentidos, e não orienta as potências da alma. Enquanto há ruído, você não obtém qualquer percepção do Divino, pois os pequenos avisos que se intrometem de permeio entre os reflexos mentais são, de logo, esquecidos, e, de outras vezes, nem consegue aperceber-se deles ou distinguir sua origem.
Por esse motivo, suas declarações de amor não ultrapassam o círculo estreito onde a sua voz pode ser ouvida ou onde sua mente alcança. Para cada pensamento que dirige a Deus, existem bilhões que dele se afastam, refletindo apenas o mundo em volta. Você nem sabe quem realmente é.
O seu eu é divino, mas você não conhece sua natureza essencial. Os jogos mentais com que se delicia não permitem que se aproxime dela, e nem, ao menos, questione quem você é. Você nunca perguntou - “quem sou eu?”.
Se você se desconhece, quem realmente declara amor a Deus? Não pode sequer afirmar que seja você quem ama ou se apenas reflete idéias, pensamentos ou modismos à sua volta. Sem descobrir-se, como poderá declarar um amor verdadeiro? Entre os esposos, a maior causa de desunião é o fato de que eles não se conhecem: não só desconhecem-se entre si, como não conhecem eles próprios; daí, após a união, descobrirem ter sido outra a pessoa com quem se comprometeram ou que foi outrem quem se comprometeu. Um lar formado por estranhos a si mesmos não pode sobreviver. Como pensa, pois, ser possível estabelecer relações permanentes com o Divino, se você não sabe realmente quem é e, destarte, não sabe quem ele seja? Se se conhecesse, conheceria o Divino, porque sua natureza é divina.
Você necessita silenciar a mente para conhecer-se. No seu silêncio, descobrirá a linguagem do amor, do amor silencioso com o qual se unirá a Deus. Isto é uma verdade prática, e não especulação. Jesus declarou uma condição para que o indivíduo pudesse amar. A verdadeira caridade não se aperfeiçoa sem o silêncio interior. Relembre a recomendação do Senhor sobre como realizar a caridade e orar. É preciso dar com uma mão, de modo que a outra não veja, isto é, a mente não pode aperceber-se de que faz algo, sem o que o indivíduo entrará no comércio do “dou para que me dês”. Não é das outras pessoas que você deve ocultar a posição de doador, porque o beneficiário quase sempre saberá; é de você mesmo. Quando você conhecer o seu eu, saberá que é Deus quem, em verdade, obra, e que você é, apenas, o instrumento do seu agir. O quarto interno em que deve orar é a mente vazia de interesses; ali tomará os primeiros contatos com o divino. No silêncio, a linguagem do amor será a união dos semelhantes - amor com amor. O verdadeiro amor se expressa sem palavras.
Nenhum comentário:
Postar um comentário