Elzio Ferreira de Souza
Foi um momento de gozo em pequeno
quarto escuro, a música romântica
inspirando paixões, causava arrepios.
Dentre em pouco, um novo ser
mergulhava no ventre, suspiranto
“Ma+mãe”.
O tempo avança. Sinais diferentes.
A gravidez se estabelece.
No claustro materno, o ser se regozija,
Está seguro e protegido.
Mas eis que vem a ordem “É necessário
expulsá-lo”.
Não tem a quem recorrer, não sabe o
que pensar, nem podia acreditar.
Sua voz não é ouvida, sua presença é
negada.
Corações endurecidos têm ouvidos
cerrados.
As mães dão a vida por seus filhos,
como chamar a quem deseja matá-lo?
Ao coração empedrado do pai, nem em
sonhos podia falar: preso estava às
contas e prazeres.
A escolha fora uma opção de amor.
No tempo, era preciso apagar as
mágoas do passado, eliminar tristezas,
linchar o ódio, fazer crescer a união
embalada na esperança.
Existiam milhões de ventres no mundo.
Reservatórios de vida e de luz, aquele
fora o eleito sem o aleatório lotérico nem
a casualidade da ocasião.
Agora era o dilema. E pensava:
“Por que Jesus nascera e Maria não o
abortara?
Que teria sido do mundo se ela o
rejeitasse?”
Podia escutar o pensamento da mãe por
dentro de si mesmo:
“Ele não era Jesus...”
E tinha em parte razão.
Mas para que mãe seu filho não é um
menino Jesus, carregado dia e noite,
quase de encontro ao peito?
Não é, por isso, que as mães adoram
seus filhos?
Ouvira uma idéia estranha, alguma coisa
tenebrosa:
“E se fosse um Hitler, um Mussolini, um
Átila...,
Não seria melhor que tivessem sido
abortados?
Estes são mais prováveis que Jesus”.
Não podia chorar porque ainda não tinha
lágrimas; o pequeno corte labial, no
entanto, abriu-se como num grito primal:
“Milhões destes tiranos não valem um
Jesus.
Eles foram abortos na evolução.
Quem os cria, senão o ódio, o rancor, o
egoísmo?
Quando se os implanta na cadeia da
vida, destruindo fetos, que se pode
esperar dos que renascem?
Teria sido seu corpo concebido num
momento de ódio?
Não ouvira juras de amor entre a
exaltação dos beijos?
Como poderiam qualificá-lo agora de o
Indesejado, se fora fruto do desejo?”
Enquanto pensava essas coisas, notou
que o fio da vida se esvaia, pouca coisa
poderia fazer.
Agarrar-se ao ventre, colar-se ao corpo
da que o expulsava, lutar, lutar, até tirarlhe
a vida e esperá-la de outro lado?
"Não”.
Outra vez, quis chorar, mas não pôde:
os que amam não destroem, e ele viera
em nome do amor.
Ele a marcaria apenas com o selo da
saudade (o que, por engano, chamam
de complexo de culpa): pelo resto da
vida, pensaria nele, sem saber quem
poderia ter sido: ‘um Beethoven, um
Mozart, um Einstein, ou um João
Ninguém, dissolvido, na multidão?’
Ah! Seria sempre “seu pequeno Jesus”
jogado no lixo. .
ÉLZIO FERREIRA DE SOUZA
(Transcrito da Folha Espírita, de abril de 1999).
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