Estudando o Espiritismo

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quinta-feira, 8 de fevereiro de 2018

"Oração"

Elzio Ferreira de Souza

Livro: Ser e Existência (2011)

Editora: Circulus

Capítulo 9



Oração


Você aprendeu realmente a orar? A oração não é uma mera repetição de pensamentos, palavras ou de sons, é, sobretudo, um estado de espírito. Não pense que, pelo fato de Deus encontrar-se em toda parte, você pode dispensar a oração. Até o Mestre Jesus retirava-se para orar. O tumulto do mundo costuma muita vez perturbar o indivíduo, desgastar suas energias na luta interior que mantém para estar firme nas posições em que se colocou, fiel aos objetivos colimados, e isto exige o retempero das energias para que continue em serviço sem maiores danos para a saúde e alterações nos propósitos espirituais.

Embora a oração seja algo muito simples, não significa que não seja coisa séria e até difícil. O difícil não provém da oração em si, mas do próprio ser que se viciou mentalmente, cujos interesses, durante longos anos, fixaram-se com exclusividade no mundo exterior e, devido a isso, encontra dificuldade em desprender-se deles, para voltar-se para dentro de si, para mergulhar no infinito interior que lhe é tão desconhecido quanto o universo à sua volta, ao qual contempla todas as noites embevecido sem poder aquilatar-lhe a extensão nem os valores. Trazer a mente de volta, afastá-la, desprendê-la de cada objeto a que se mantém ajoujada, presa, escravizada, torna-se serviço leonino, pois a mente viciada é repetitiva e foge sempre que se deseja fazer-se voltar-se para o centro do ser, como uma criança que foge da escuridão. Assim é que, ao buscar o silêncio da oração, acompanham-no tantos pensamentos que vão emergindo, interferindo, desviando-o do seu afazer, de modo que o colocam amiúde surpreso, pois, quando pensa estar a orar, colhe-se pensando em objetos os mais díspares que vão de acontecimentos passados a projetos futuros, de modo que a mente em tudo se compraz, menos na oração que deve ser o seu exercício. E quanto mais se lhe altera o ser com a insubordinação, mais a mente lhe prega peças em seu saltitar de objeto em objeto, como se contrariar fosse seu gozo e destino. É necessário exercitar paciência e determinação, pois em si a mente não é mais que um instrumento que se mostra viciado pelo seu modo de existir. Como todo o ser, ela necessita ser reeducada. Reeduca-se o corpo, modifica-se a alimentação, apreendem-se novos costumes, adapta-se o sistema vocal aos sons de uma língua estrangeira, etc.; também é possível reeducar a mente. Mas isto não pode ser feito apenas nos momentos inicialmente exíguos que você dedica à oração: é na própria vida de relação que deve começar a modificação. Comece a cuidar da alimentação da mente, daquilo que consome diariamente, não a exponha a quadros frívolos de sensualidade, a conversas grosseiras, a piadas fesceninas, livre-a do burlesco, de comentários sobre a vida alheia, etc. Aprenda a fazê-la fixar-se em um objeto de cada vez, mantendo-se atento a tudo que estiver fazendo ou tratando. Eduque os sentidos receptores para que se ponham sobre um alvo ao estar tratando dele, sem dispersões. O trabalho leva tempo, do mesmo modo que a aquisição de músculos e flexibilidade por um atleta exige tempo de dedicação. Mas o progresso virá, e as emergências de pensamentos estranhos na oração irão diminuindo, e seu lado inferior, e baixo, irá desfazendo-se. Não se engane, mantenha-se vigilante, porque, enquanto não inteiramente dominada, a mente costuma insubordinar-se e voltar à inquietação com uma força maior que no princípio.

Você necessita aprender a aquietar o corpo, é preciso que ele participe da oração. Um corpo inquieto, a movimentar-se, a coçar-se, a mexer-se, etc., reforça a instabilidade da mente e a ela se junta no seu alvoroço para acabar com aqueles momentos que parecem longos demais por perturbarem a sua natural inquietude. Se você não consegue ainda aquietar-se, como poderá começar a dirigir a mente, a fixá-la no Divino? A cada passo, o corpo estará fazendo que volte a fixar-se nele. Assim, se este é seu estado, antes de mais nada, ao sentar-se para oração, busque fazê-lo na posição mais adequada, permitindo uma respiração livre, em que se sinta completamente bem disposto; isto, porém, não significa recostar-se, como faria para descansar. Exercite-se a sentir as partes do corpo, a perceber-lhe as sensações. O corpo se aquietará definitivamente, e você poderá erguer sua prece. Com o tempo, o corpo tornar-se-á dócil e tão logo se disponha à oração, ele se acomodará, o que fará com que disponha de maior tempo para orar do que para aquietar o físico.

Não pense, no entanto, que estes são os únicos problemas que você poderá enfrentar. O Evangelho de Mateus narra a história da tentação de Jesus no deserto, quando forças inferiores buscavam desviá-lo da tarefa. Ao retirar-se para orar, o indivíduo deve levar em conta a possibilidade da ocorrência de fenômenos deste jaez. À medida que as energias se concentram, as forças mais baixas tentam erguer-se e dominar todo o ser; elas não procedem apenas de fora como poderia parecer, mas são originárias do próprio indivíduo não purificado, geralmente viciado por décadas de intemperança mental, para não falar nas forças desequilibrantes geradas nas existências passadas. A energia psíquica costuma concentrar-se nos centros de forças mais baixos e sente dificuldade de levantar-se, porque a mente já desenvolveu erradamente aqueles centros, e neles a energia vital se concentra. Quando isto acontece, o indivíduo é acometido por anseios de poder, de sexo, que buscam expressão no campo exterior em face do acúmulo de energia nos referidos centros, naturalmente podendo encontrar apoio e incentivo de forças infelizes a que se tenham ligado, nesta ou em existências anteriores, ou até outras com que venha eventualmente a acomodar-se. É esta paralisação da energia nos mais baixos centros que se constitui em verdadeira arapuca para meditadores desavisados, que não se precatam da emergência dos instintos e, em breve, tendo-os reforçados, embrenham-se em paixões arrasadoras que os escravizam. No momento em que o indivíduo perceber que a energia está se concentrando no centro básico ou no genésico, quer possa detectá-la através de sintomas imediatos, quer perceba a exacerbação dos instintos, deve evitar dar-lhe vazão, mesmo mental.

Algumas providências devem ser tomadas se isso acontece: rogar mais confiantemente a intervenção das Forças Divinas que atuam a partir dos centros superiores para que desçam e atuem sobre os centros inferiores, regrando-os, desbloqueando o caminho. Não há necessidade de nenhuma mentalização especial, mas tão só a integração de todo ser na rogativa. O indivíduo deverá reduzir o tempo de meditação, por um período, para que, com isto, possa se manter mais firme e vigilante. Poderá buscar o socorro magnético, que atuará como desbloqueador e regulador dos centros. Deverá ainda evitar dar expansão a "sentimentos", como a atração por determinadas pessoas, que surgem espontaneamente, de modo tão imprevisto que parece tratar-se de reencontros de um passado distante, "sentimentos" estes que não são mais que expressões da energia concentrada nos centros mais baixos. Desta, Espíritos inimigos costumam aproveitar-se para enredar a criatura em aventuras decepcionantes, liquidando muita vez a oportunidade reencarnatória obtida. Mesmo os casados devem cuidar-se, não só porque estas paixões arrasadoras podem levá-los a aventuras extraconjugais ou à ruptura dos laços assumidos, como na própria intimidade do lar poderão dar largas à energia concentrada nos baixos centros, fazendo com que ela ali se imobilize, permanecendo enganados ao confundirem o açulamento dos instintos como uma maior vivência do amor.

Naturalmente, os perigos que podem surgir não são iguais para todos: muitos desenvolvem o instinto de poder e tornam-se intolerantes, irritadiços e até violentos, determinados a subjugar todos os que lhes estão em volta nas atividades diárias, ansiando por mais poder.

Tais experiências ocorrem quando o indivíduo se aprofunda na oração, para ingressar na meditação, porque então a energia vital começa a deslocar-se. Devido a isto é que não basta querer meditar, é necessário aprender a purificar a vida, depurando seus interesses, a desativar as forças inferiores, fiscalizando os movimentos internos do ser, a libertar-se de apegos e paixões, etc.

Alguns não quererão fazer tais esforços; neste caso, deverão manter a oração - pois não pode haver uma vida mesmo parcialmente digna sem ela - sem tentarem incursões mais profundas. Pode-se tomar um banho de mar com vestes dignas, porém ao pretender-se mergulhar para a pesca submarina ou, indo mais fundo, à caça de pérolas, é necessário providenciar artefatos próprios à empresa ou um treinamento específico que dilate a capacidade pulmonar, evitando o desastre. É preciso saber que meditar diz respeito à própria vida, mas não pode ser transformado em modismo. Passear num jardim não é a mesma coisa que embrenhar-se numa selva: ainda que essa aventura coloque a criatura mais de perto com a Natureza, não pode ser intentada por todos, ao menos sem o devido preparo e determinação. Meditação não é "atividade para fim-de-semana".

Esses avisos não pretendem desestimulá-lo a empreender a suprema aventura, mas colocá-lo de pés firmes no solo em que começa a pisar, porque só assim não será surpreendido por ocorrências na estrada e nem abandonará o serviço, logo após começado. Aprenda a ir aos poucos, não queira começar por largos períodos de oração, em que a mente se cansa, desvia-se e vagueia. O problema não é de quantidade, e, sim, de qualidade; antes de acrescer aquela, é preciso esta. Não se preocupe ao não conseguir imediatamente resultados aferíveis, toda busca de imediatismos é enganosa. A oração deve ser vista sempre como uma convivência com o Amado, e você não precisa de outro efeito, se não o de saber que está em conversa com Ele, e que Ele o está ouvindo. Fale, diga-Lhe de suas frustrações, conte-Lhe seus problemas, Ele é o Amigo à escuta. Um dia, você descobrirá que Ele já sabe de tudo e que basta apenas a sua presença, porque o ama. Quando você descobrir isto, começará a prestar mais atenção a Ele que seus "probleminhas", que é isto em que vão se tornar os "problemões" de antanho; aí não terá mais tempo para estar falando de si, pois quererá por inteiro escutá-l'O, senti-l'O, retê-l'O, amá-l'O. E esta é a suprema oração.





Comentários:

Esta passagem sintetiza a mensagem de Yogashririshnam a propósito da meditação em muitos aspectos. O texto, inicialmente, nos fala de oração, mas fica claro que o autor a utiliza como sinônimo de meditação, dizendo que esta é um aprofundamento daquela, o que também é defendido em outros de seus textos na compilação. O indivíduo aproxima-se de Deus pedindo, louvando e agradecendo ao passo que, em certo momento, não mais pede, louva ou agradece, quer apenas, no silêncio interior, "senti-lo, retê-lo, amá-lo". No contexto da meditação ióguica, dentro do hinduísmo, a meditação pode ser considerada, muita vez, como uma oração sem palavras, em que se busca o contato com Deus, bem na linha desta lição de Yogashririshnam.

O autor chama a meditação de "suprema aventura" rumo ao interior de si mesmo e dita vários conselhos para que seja bem empreendida; mas, talvez por entender que nem todos estão preparados para empreendê-la, não a recomenda ostensivamente - diz não se tratar de "atividade para fim-de-semana" e que não pode virar modismo, sendo necessários preparo e determinação -, o que também está de acordo com seus demais textos sobre o assunto. Notável a coerência entre todas as suas mensagens.

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