by Ciência Diária on Thursday, 23 September 2010
Olá, leitores do site Ciência Diária. Hoje vou trazer de novo a questão dos arquétipo, porém, irei focar o assunto no arquétipo materno e no arquétipo paterno, ok?
Pai e Mãe são dimensões arquetípicas da psique, em que o pai e a mãe pessoal são dois no montante de fatores consteladores que um indivíduo dispõe para acessar esses e outros arquétipos. Os arquétipos do Pai e da Mãe surgem do uróboro inicial (nome atribuído ao Símbolo da serpente que devora o próprio rabo, tomado como símbolo da unidade da infinitude). O arquétipo da Mãe inclui uma dimensão paternal masculina; em que o do pai é maternal e feminino.
O conceito de Jung a respeito dos arquétipos inclui tanto a imagem típica quanto o padrão típico e automático, isto é, instintivo de impulso e emoção. Quando um arquétipo se manifesta, ele fascina o Eu. O cativo emocional é responsável por parte desse fascínio; a outra parte fica por conta do poder dominador que um conteúdo arquetípico exerce e cuja presença impossibilita a consciência de ver outras impressões. O arquétipo constelado surge na consciência com significado e sentido.
Arquétipo Materno
O arquétipo materno possui vários aspectos, e algumas formas mais características: a mãe e a avó; a madrasta e a sogra, e qualquer mulher com a qual se tenha um relacionamento – no sentido mais elevado de transferência a Virgem Mãe de Deus, a deusa entre outros e em sentido mais amplo à igreja, universidade, terra, e o mar. Esta enumeração não pretende ser completa, estes símbolos indicam apenas alguns traços essenciais do arquétipo materno para uma melhor compreensão de seus atributos no sentido “maternal”.
Não é apenas da mãe pessoal que provêm todas as influências sobre a psique infantil, mas sim do arquétipo projetado na mãe que consente à mesma um caráter mitológico conferindo a esta autoridade. É a mãe, a forma em que toda vivência está contida.
Em contraposição, o pai representa a dinâmica do arquétipo, porque este último é as duas coisas: forma e energia. A mãe não é apenas a condição prévia física da criança, mas também psíquica. Sendo em primeiro lugar a mãe pessoal, ela é a portadora do arquétipo, porque a criança vive inicialmente num estado de participação exclusiva, isto é, numa identificação inconsciente com ela. Com o despertar da consciência do eu, essa participação aos poucos começa a ser desfeita, e a consciência começa a torna-se sua própria condição prévia, entrando em conflito com o inconsciente. A partir disto o eu começa a diferenciar-se da mãe e sua particularidade pessoal vai se tornando cada vez mais diferenciada.
O desenvolvimento da consciência não só leva à distinção em relação à mãe, mas também em relação aos pais e à família, e a uma relativa separação do inconsciente e do mundo instintivo. Mas este mundo “perdido” continua, e sempre acena quando surgem necessidades de adaptação difíceis, de desvios e recuos, de regressão para os tempos da infância.
A mãe como inconsciente, tu, corpo e Si-mesmo para o filho durante os períodos embrionário intra-uterino e extra-uterino. O Si-mesmo Corporal é o nome dado à totalidade individual da criança logo após o nascimento; não se restringe ao corpo (primeiros registros da psique), pois contém o potencial da totalidade individual mais ampla a ser desenvolvida. Ao término do primeiro ano de vida da criança, surge o Si-mesmo Relacional, representado pela mãe para o interior da criança e se unifica ao Si-mesmo Corporal, tornando-o uma totalidade biopsíquica compatível com a condição humana. A formação do Eu-Si-mesmo é uma das atribuições da mãe pessoal, ou de quem desempenha junto à criança as funções maternas.
A mãe pessoal é mediadora, função através da qual exemplifica para criança as possibilidades existentes entre as demandas do organismo e as condições ambientais. A mãe da realidade é, em seu aspecto positivo, não apenas a doadora de vida e amor, mas também, a deusa da sabedoria do conhecimento. Com essa afirmação o corpo é o primeiro elemento da “realidade” a ser percebido antes mesmo que a criança perceba a mãe como “outro”. A objetivação do corpo será um alicerce para a noção de “EU”.
Não é o indivíduo enquanto pessoa e sim o maternal em termos genéricos que se constitui como fundamento indispensável da vida da criança. A mãe da relação primal é a “Grande Mãe boa”. É o ser que contém, alimenta, protege e aquece a criança, que se liga afetivamente a ela. É a base de sua existência não só física como também psíquica. É quem dá segurança e torna possível a vida no mundo. Neste sentido, é anônima e transpessoal, ou seja, arquetípica – enquanto componente de uma constelação especificamente humana, que opera entre Ela e acriança. Seu comportamento dirigido inconscientemente, que a capacita a coincidir com o arquétipo da mãe, é vitalmente necessário para o desenvolvimento normal do filho.
A ligação da criança com a mãe é o mesmo que uma ligação religiosa com a grande Deusa, uma Deusa, de orientação terrena, que evidencia gratificação típica da mãe, que tem a concretude do leite, do colo e do abrigo seguro e afetuoso. Não se esquecendo do pai, a criança também possui uma ligação com ele de caráter religioso. Ao entrar, participar do dinamismo patriarcal, a criança vive algo que para uma consciência adulta poderia ser entendido como uma “devoção religiosa” que a leva a juntar-se aos princípios de uma divindade masculina celestial. Por um lado, caráter celestial do pai fica notado, no padrão de gratificação paterno caracterizado por uma promessa de gratificação futura, e, por outro, pelo padrão de confiança requerido do filho, a confiança na palavra e na orientação do pai, com isso:
“O Pai arquetípico expresso pelo pai cultural, pela mãe e pelo pai pessoal é um deus feito homem. Ele representa uma ordem que é almejada, amada e ansiada pela psique”.
O ponto de vista arquetípico considera que uma nova adaptação e orientação de significado vital só podem ser realizadas com sucesso se corresponder aos instintos, ou seja, se os resultados das ações corresponderem às expectativas arquetípicas presentes no processo evolutivo humano; caso contrário, terá um produto incompatível com a vida. Sempre que uma transformação for necessária o padrão que se desfaz é compensado pelo arquétipo em questão.
“A forma de relacionamento mais importante da infância, isto é, a relação com a mãe, é compensada pelo arquétipo da mãe quando a separação da infância se impõe”.
Em sua qualidade de Eros, a Grande Mãe aparece simbolicamente como o feminino-maternal, mas em sua função de intervenção e estimulação ela se manifesta como a parte masculina de sua totalidade, como uróboro patriarcal e como animu. Em sua função de interventora, a mãe apresenta o universo do pai à criança, do qual sabe fazer muito bem: ela abre espaço para que o terceiro se apresente e realize a interdição estruturante. Apoiada em forte sentimento de segurança e confiança, aceita silenciar o poder inerente à maternidade em favor de um convívio – seu e do filho – mais fluente pelos vários jeitos da experiência humana. Só que para promover ou permitir essa interdição é fundamental que a mulher tenha compreendido adequadamente o sentido dessa intervenção em sua própria vida. Não poderá estar fora para a constelação do arquétipo do Pai na vida do filho uma mulher que não tenha constelado satisfatoriamente o arquétipo do Pai em sua vida.
O Eu da criança em formação é inicialmente passivo e receptivo, perante as influências da mãe. Mais tarde com o término do ciclo matriarcal, diz Neumann: que a própria mãe apresenta ao filho as armas com que irá se libertar de seu domínio. “Com isso o aspecto do poder masculino destrutivo do uróboro e da Grande Mãe, é assimilado pelo Eu e coordenado com a personalidade e a consciência”.
O desenvolvimento da personalidade da criança irá depender de como essa passagem foi feita e de como a mãe lidou com ela. A doação de uma mãe pessoal não acaba no leite que dá ao filho, nos cuidados, nos carinhos e na proteção, é preciso que suporte tornar-se gradativa e relativamente prescindível, para que o filho possa fortalecer-se, ser independente e ir à luta. A mãe precisa entender e aceitar que morreu enquanto única doadora e passar a considerara a individualidade independente do filho como uma conquista necessária e merecida graças ao fato de ter internalizado, além de suas forças, os zelos e o amor que dedicou ao filho. Embora distante, ela terá constelado para o filho aspectos do arquétipo materno, que são preservados e se tornam recursos integrantes do repertório da criança.
Arquétipo Paterno
O homem traz a imagem de pai em seu acervo sem que, no entanto seja de sua propriedade de sua experiência pessoal. Algumas das “posses” do ser humano não foram adquiridas, mas herdadas dos antepassados. O homem não nasceu tabula rasa: apenas nasceu inconsciente. Traz consigo sistemas organizados que estão prontos a funcionar, herdados de milhões de anos do desenvolvimento humano.
A necessidade do pai é fundamental para espécie humana, é uma necessidade arquetípica. Quando não é personalizada pela presença paterna, esta necessidade permanece arcaica, isso é ligada a imagens culturais. Mas se o pai está ausente haverá menos chances de ser humanizado pela criança e mais a necessidade inconsciente se traduzirá em imagens primitivas. Estas imagens exercem uma pressão muito importante sobre o indivíduo a partir do inconsciente. Podem tomar então a faceta de imagens míticas como: Super-Homem, Homem-Aranha ou ainda de um deus. Isto significa que quando um arquétipo não é humanizado, ele permanece dividido em um par de opostos conflituosos que tiraniza o eu.
Qualquer que seja seu representante, o pai é um protótipo para o desenvolvimento da consciência. Nas culturas patriarcais, o arquétipo do Pai tem traços maternais, por estar ligado ao aspecto de provedor, protetor e confortador do arquétipo da Mãe, sem com isso modificar o caráter da cultura patriarcal. Com isso, o pai arquetípico se faz representar, inicialmente, pela mãe pessoal, com seu discurso, sua linguagem, seu exemplo. Depois podem ocupar essa função a pessoa do pai, o estado, a igreja, a escola.
Com o decorrer do desenvolvimento, o arquétipo do Pai perde sua numinosidade conforme se torna idêntico ao superego culturalmente condicionado. Com isso:
- O pai e o filho operam um sobre o outro como forças arquetípicas; para o filho o pai é um paradigma para a formação da consciência e, de alguma maneira deve ser igualado. Isso não quer dizer que o pai dê ao filho a condição que ele representa. A recomendação paterna para o filho é: “seja igual a mim sem me superar”.
- A interdição incide sobre as intenções de superação, uma vez que “igualar-se ao pai” é imprescindível para formação da identidade e da coesão do agrupamento humano.
O estreito vínculo entre o arquétipo do Pai manifesto como espírito e o Eu do homem é expresso por “Eu e o Pai somos um só”. Ao mesmo tempo, apesar de toda a sua imersão no arquétipo, o filho preserva sua própria identidade. São três as dimensões principais do pai a serem apresentadas pela mãe pessoal ou representante ao filho. Podemos denominá-las como:
- Pai-Urano, o espírito por excelência, é apresentado ao filho como dimensão espiritual da mãe, o nível mais profundo do inconsciente da mulher.
- A dimensão Pai-Crono é apresentada através da frustração. É a qualidade do afeto, no entanto, que decide sobre a saúde e o equilíbrio, ou sobre o sofrimento e a desarmonia.
- O Pai-Zeus é apresentado ao filho pela mãe através da palavra e das atitudes que exemplificam e explicitam os modos de coexistência.
Essas divindades se prestam como metáfora para o encadeamento evolutivo da dimensão paterna na vida da criança. Cada dimensão é uma manifestação parcial do Pai arquetípico, que, por sua vez, é oriundo da Mãe arquetípica, uma vez que todos os Pais mitológicos são diferenciações da Grande Deusa. O trânsito evolutivo da mulher através de cada uma dessas etapas é determinante para a constelação dos equivalentes psíquicos no filho.
É isso aí: falei do arquétipo materno e do paterno. No próximo texto abordarei o assunto envolvendo o Pai e a Mãe Pessoal. Até breve…
Regiane L. C. Lopes é psicóloga, especializada em psicologia junguiana e psicologia hospitalar.
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