Estudando o Espiritismo

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segunda-feira, 23 de agosto de 2010

Contexto histórico da Europa do século 19

O século XIX representou uma dessas épocas em que fomos especialmente abençoados pela bondade superior, a despeito de todas as dificuldades assinaladas nesse período. Além das enormes contribuições culturais recebidas, fomos imensamente distinguidos pelo advento do Espiritismo, materializado no mundo físico pelo trabalho inestimável do professor francês Hippolyte Léon
Denizard Rivail que, ao codificar a Doutrina Espírita, adotou o
pseudônimo de Allan Kardec.
Entretanto, é o século que dá início aos grandes movimentos
revolucionários europeus que derrubaram o absolutismo,
implantaram a economia liberal e extinguiram o antigo sistema
colonial, movimentos esses apoiados nas idéias renovadoras da
Filosofia e da Ciência, divulgadas no século XVIII por Espíritos
reformadores, denominados iluministas e enciclopedistas. Tais
idéias, de acordo com o Espírito Emmanuel, constituíram a base
para que fossem combatidos, no século XIX, os [...] erros da sociedade
e da política, fazendo soçobrar os princípios do direito divino,
em nome do qual se cometiam todas as barbaridades. Vamos encontrar
nessa plêiade de reformadores os vultos veneráveis de Voltaire
[1694- 1778], Montesquieu [1689-1755], Rousseau [1712-1778],
D´Alembert [1717-1783], Diderot [1713-1784], Quesnay [1694-
1774]. Suas lições generosas repercutem na América do Norte, como
em todo o mundo. Entre cintilações do sentimento e do gênio, foram
eles os instrumentos ativos do mundo espiritual, para regeneração
das coletividades terrestres 14. Enfatiza, ainda, Emmanuel que [...]
foi dos sacrifícios desses corações generosos que se fez a fagulha divina
do pensamento e da liberdade, substância de todas as conquistas
sociais de que se orgulham os povos modernos 14.
Os Estados Unidos foram a primeira nação a absorver
efetivamente o pensamento renovador dos iluministas. Assim é
que, após alguns incidentes com a metrópole – Grã-Bretanha –, os
americanos proclamam a sua independência política, em 4 de julho
de 1776, tendo sido organizada, posteriormente, a Constituição de
Filadélfia, modelo dos códigos democráticos do futuro 15.
A independência americana repercutiu intensamente na
França, acendendo o [...] mais vivo entusiasmo no ânimo dos
franceses, humilhados pelas mais prementes dificuldades, depois
do extravagante reinado de Luís XV 16. Em conseqüência, desencadeou-se um poderoso movimento revolucionário em 1789 – a Revolução Francesa –, considerada o marco que separa a Idade Moderna da atual, a Contemporânea.
Os sucessivos progressos culturais em todos os campos do saber
humano, desencadeados pela Revolução Francesa, foram tão marcantes que o
século XIX entrou para a história como sendo o Século da Razão, assim como
o século XVIII é denominado o Século das Luzes.
No contexto da história da civilização ocidental européia [...] o século XIX,
tal como os historiadores o delimitam, ou seja, o período compreendido entre o fim
das guerras napoleônicas e o início do primeiro conflito mundial [...], é um dos
séculos mais complexos [...] 7, marcado por um período de profundas transformações
político-sociais e econômicas, as quais tiveram o poder de influenciar
gerações posteriores.
1. O contexto histórico europeu do século XIX
1.1 A Revolução Francesa e as suas conseqüências
No apagar das luzes do século XVIII, a França, uma monarquia governada
por Luiz XVI, é ainda um país agrário, com industrialização incipiente.
A sociedade francesa está constituída de três grupos sociais básicos: o clero, a
nobreza e a burguesia. O clero, cognominado de Primeiro Estado, representava
2% da população total e era isento de impostos. Havia um grande desnível entre
o alto clero, de origem nobre e possuidor de grandes rendimentos originários
das rendas eclesiásticas, e o baixo clero, de origem plebéia, reduzido à própria
subsistência. A nobreza, conhecida como Segundo Estado, fazia parte dos 2,5%
de uma população de 23 milhões de habitantes. Não pagava impostos e tinha
acesso aos cargos públicos. Subdividia-se em alta nobreza, cujos rendimentos
provinham dos tributos senhoriais, das pensões reais e dos cargos na corte; em
nobreza rural, que possuía direitos de senhorio e de exploração agrícola, e em
nobreza burocrática, de origem burguesa, que ocupava os altos postos administrativos.
Cerca de 95% da população – que incluia desde ricos comerciantes até
camponeses – formavam o Terceiro Estado, que englobava a burguesia (fabricantes,
banqueiros, comerciantes, advogados, médicos), os artesãos, o proletariado
industrial e os camponeses. Os burgueses tinham poder econômico, devido,
principalmente, às atividades industriais e financeiras. No entanto, igualada ao
povo, a burguesia não tinha direito de participação política nem de ascensão
social. Foi essa situação que desencadeou uma série de conflitos, que culminaram
com a Revolução Francesa, de 14 de julho de 1789 3.
A despeito dos inegáveis benefícios sociais e políticos produzidos pela Revolução
Francesa entre eles a célebre Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão,
seguiram-se anos de terror, que favoreceram o golpe de estado executado por
Napoleão Bonaparte, no final do século XVIII. Os sublimes ideais da Revolução
Francesa foram desvirtuados, em razão do abuso do poder exercido por aqueles
que assumiram o governo do país. Segundo Emmanuel, naqueles anos de terror,
a [...] França atraía para si as mais dolorosas provações coletivas nessa torrente de
desatinos. Com a influência inglesa, organiza-se a primeira coligação européia contra
o nobre país [França]. [...] Também no mundo espiritual reúnem-se os gênios da
latinidade, sob a bênção de Jesus, implorando a sua proteção e misericórdia para a
grande nação transviada. Aquela que fora a corajosa e singela filha de Domrémy
[Joanna D´Arc] volta ao ambiente da antiga pátria, à frente de grandes exércitos
de Espíritos consoladores, confortando as almas aflitas e aclarando novos caminhos.
Numerosas caravanas de seres flagelados, fora do cárcere material, são por ela conduzidos às plagas da América, para as reencarnações regeneradoras, de paz e de liberdade 17.
Entre o final do século XVIII e o início do século XIX (1799 a 1815), a política européia está centrada na figura carismática de Napoleão Bonaparte, um dos grandes chefes militares da História, administrador talentoso, que, entre outras reformas civis, promulga uma nova Constituição; reestrutura o aparelho burocrático; cria o ensino controlado pelo Estado (ensino público); declara leigo o Estado, separando-o, assim, da religião; promulga o Código Napoleônico – que garante a liberdade individual, a igualdade perante a lei, o direito à propriedade privada, o divórcio – e adota o primeiro Código Comercial 3.
No que diz respeito às ações deste imperador francês, lembra-nos Emmanuel
que [...] as atividades de Napoleão pouco se aproximaram das idéias generosas que
haviam conduzido o povo francês à revolução. Sua história está igualmente cheia
de traços brilhantes e escuros, demonstrando que a sua personalidade de general
manteve-se oscilante entre as forças do mal e do bem. Com as suas vitórias, garantia
a integridade do solo francês, mas espalhava a miséria e a ruína no seio de outros
povos. No cumprimento da sua tarefa, organizava-se o Código Civil, estabelecendo
as mais belas fórmulas do direito, mas difundiam-se a pilhagem e o insulto à sagrada
emancipação de outros, com o movimento dos seus exércitos na absorção e anexação
de vários povos. Sua fronte de soldado pode ficar laureada, para o mundo, de tradições
gloriosas, e verdade é que ele foi um missionário do Alto, embora traído em suas próprias forças [...] 18.

Após Napoleão, a França passa por um novo período de transformações
históricas, uma vez que [...] vários princípios liberais da Revolução foram adotados,
tais como a igualdade dos cidadãos perante a lei, a liberdade de cultos, estabelecendo- se, a par de todas as conquistas políticas e sociais, um regime de responsabilidade individual no mecanismo de todos os departamentos do Estado. A própria Igreja, habituada a todas as arbitrariedades na sua feição dogmática, reconheceu a limitação dos seus poderes junto das massas, resignando-se com a nova situação 19.
O movimento democrático na França mistura política e literatura. Assim,
numerosos escritores se engajam na luta política e social, através de suas obras e
ação. Desse modo, Lamartine e Víctor Hugo são eleitos deputados, tornando-se
o próprio Lamartine – que muito contribuiu para o advento da República – chefe
do governo provisório. Muitos desses escritores, como Zola, militam na causa
republicana ou socialista 8.
Sob o regime da Restauração, as questões mais importantes são as de ordem
política: o partido liberal exige a aplicação da Carta (Constituição) e um alargamento
da liberdade que ela garante. Os liberais, como Stendhal e Paul-Louis
Courier, são anticlericais. Chateaubriand torna-se liberal, e prevê o advento da
Democracia 9.
1.2 A Revolução Industrial e as suas repercussões
Outra revolução, iniciada na Inglaterra em meados do século XVIII, a Revolução
Industrial, acarretou profundas transformações na sociedade, modificando
a feição das relações humanas dentro e fora dos países. Serviu de alavanca para o
progresso tecnológico que presenciamos nos dias atuais, pela invenção de máquinas
e de equipamentos cada vez mais sofisticados. Propiciou o desenvolvimento
das relações internacionais, em especial nas áreas econômicas, comerciais e políticas,
transformando o mundo numa aldeia global. Conduziu à urbanização de
ajuntamentos humanos e à construção de modernos cercamentos (propriedades
rurais). Desenvolveu a rede de comunicações de curta e de longa distância, principalmente
pelo emprego inteligente da energia elétrica e da eletrônica. Ampliou
os meios de transportes, em especial o marítimo e o aéreo. Favoreceu as pesquisas
médico-sanitárias voltadas para o controle das doenças epidêmicas, resultando
no aumento das faixas da sobrevida humana 4.
A Revolução Industrial, no entanto, produziu igualmente várias distorções
e malefícios, de certa forma esperados, se se considerar o relativo atraso moral
da nossa Humanidade. Os principais desequilíbrios produzidos pela Revolução
Industrial são, essencialmente, decorrentes das relações trabalhistas, infelizmente caracterizadas pela exploração do trabalho e pelas deficientes condições de segurança
e higiene laborais, ocorridas em gradações diversas 4.
É oportuno considerar que os ideais da Revolução Francesa e os princípios
da Revolução Industrial se espalharam, como um rastilho de pólvora, por todo o
continente europeu, estimulando revoluções liberais, que incitavam a burguesia
e os trabalhadores a ações contra o poder constituído. A Europa do século XIX
assemelha-se a um caldeirão em constante ebulição, afetando o cotidiano das
pessoas, em decorrência das contínuas mudanças no campo das idéias, na organização
das instituições, na definição das formas de governo, e em virtude dos
embates político-sociais, das conquistas científicas e tecnológicas, das planificações
educativas, dos questionamentos religiosos e filosóficos.
1.3 Manifestações artísticas e culturais do século XIX
As atividades artísticas e culturais do século XIX revelam uma preferência
predominantemente romântica. O romantismo influencia as idéias políticas e
sociais abraçadas pela burguesia revolucionária da primeira metade do século,
associando as manifestações românticas aos ideais de liberdade, igualdade e
fraternidade. A inspiração do artista romântico era buscada junto das pessoas
simples, numa manifestação antielitista e antiaristocrática. Pesquisava-se a cultura
popular e o folclore para a produção de pinturas, esculturas e peças musicais.
As obras românticas de caráter épico destacam o heroísmo. O ideário artístico
estava diretamente relacionado à realidade das lutas políticas e sociais da época:
os sacrifícios da população, o sangue derramado nas batalhas e até as dificuldades
encontradas nas disputas amorosas 5.
No que diz respeito à produção literária, sobressai, na Alemanha, o poeta
Göethe (1749-1832), que, em Fausto – uma de suas mais importantes obras –,
enaltece a liberdade individual, tema repetido em seus demais trabalhos 5.
Na França, destaca-se a figura de Víctor Hugo, que ocupa lugar excepcional
na história das letras francesas. Grande parte de sua obra é popular pelas idéias
sociais que difunde, e pelos sentimentos humanos, nobres e simples que ela canta.
No livro Napoleão, o Pequeno, Víctor Hugo critica o governo de Napoleão III.
Em Os Miseráveis, denuncia, como ninguém até então fizera, o estado de penúria
dos pobres 13.
As artes plásticas, inspiradas no classicismo greco-romano, têm como
exemplos mais importantes o Arco do Triunfo e as colunas existentes em Paris,
construídas por ordem de Napoleão Bonaparte. Jacques-Louis David (1746-1828)
legou à posteridade famoso quadro sobre o assassinato de Jean-Paul Marat, um
dos líderes da Revolução Francesa.
O pintor francês Eugène Delacroix (1798-1863) – líder do movimento romântico na pintura francesa – retrata no quadro A Liberdade uma mulher que,
segurando a bandeira tricolor francesa, guia o povo nas dramáticas jornadas
revolucionárias 5.
No campo das composições musicais ocorre uma reviravolta. O virtuosismo
do século anterior é substituído por interpretações musicais de forte colorido emocional.
A música para os românticos não era só uma obra de arte, mas um meio de
comunicação com o estado de alma. Os grandes compositores românticos captam e
executam peças musicais que destacam o momento político. Um dos compositores
que demonstra de forma notável essa relação é Richard Wagner (1813-1883). A
composição musical Lohengrin revela a forte influência dos socialistas utópicos
e dos revolucionários da época. Beethoven (1770-1827) homenageia Napoleão
Bonaparte em sua Nona Sinfonia. A Rapsódia Húngara, de Liszt (1811-1886), e
as Polonaises, de Chopin (1810-1849), são verdadeiros panfletos de manifestações
nacionalistas. O nacionalismo, na produção das óperas de Rossini (1792-1868),
Bellini (1801-1835) e Verdi (1813-1901), transmite um apelo pungente à unificação
da Itália. O surgimento dessa forma de ópera determina a passagem da
música de câmara para a música dos grandes teatros, onde um grande número
de pessoas poderia ter acesso aos espetáculos artísticos 5.
Ao idealismo romântico contrapõe-se o Realismo, que professa o respeito
pelos fatos materiais, e estuda o homem segundo o seu comportamento e em seu
meio, à luz das teorias sociais ou fisiológicas. Escritores realistas como Stendhal,
Balzac, Flaubert, e naturalistas como Zola, escreveram romances com pretensões
científicas. Zola imita o método científico experimental do biólogo Claude
Bernard 10, 12.
Na segunda metade do século XIX, a pintura européia passa por uma verdadeira
transformação, desencadeada pelo movimento chamado Impressionismo.
Os pintores impressionistas procuram captar o cotidiano da vida urbana e do
campo, buscando registrar nas telas as impressões dos efeitos da luz sobre a cena
desejada. Os pintores mais importantes desse movimento foram Édouard Manet
(1832-1883), Claude Monet (1840-1926), Renoir (1841-1920), Cézanne (1839
1906) e Degas (1834-1917) 5.
1.4 Manifestações fi losófi cas, políticas, religiosas, sociais e científi cas
do século XIX
Para Emmanuel, o [...] campo da Filosofia não escapou a essa torrente renovadora.
Aliando-se às ciências físicas, não toleraram as ciências da alma o ascendente
dos dogmas absurdos da Igreja. As confissões cristãs, atormentadas e divididas,
viviam nos seus templos um combate de morte. Longe de exemplificarem aquela
fraternidade do Divino Mestre, entregavam-se a todos os excessos do espírito de seita.
A Filosofia recolheu-se, então, no seu negativismo transcendente, aplicando às suas
manifestações os mesmos princípios da ciência racional e materialista. Schoupenhauer
[1788-1860] é uma demonstração eloqüente do seu pessimismo e as teorias de Spencer
[1820-1903] e de Comte [1798-1857] esclarecem as nossas assertivas, não obstante
a sinceridade com que foram lançadas no vasto campo das idéias 21. De acordo com
o Positivismo de Auguste Comte, a humanidade ultrapassou o estado teológico
e o estado metafísico ao penetrar o estado positivo, caracterizado pelo sucesso
dos conhecimentos positivos, fundados numa certeza racional e científica. Tais
idéias conduzem aos exageros do cientificismo, em que a fé na Ciência se torna a
verdadeira fé. Acredita-se que ela vá resolver todos os problemas, elucidar todos
os mistérios do mundo; tornar inúteis a religião e a metafísica. Este entusiasmo é
revelado na conhecida obra literária de Renan: L´Avenir de la Science (O Futuro
da Ciência) 12.
Em relação às idéias anarquistas e às ideologias socialistas da sociedade da
época, essas concepções ainda repercutem nos dias atuais. O Anarquismo, como
sabemos, representa um conjunto de doutrinas que preconizam a organização
da sociedade sem nenhuma forma de autoridade imposta. Considera o Estado
uma força coercitiva que impede os indivíduos de usufruir liberdade plena. A
concepção moderna de anarquismo nasce com a Revolução Industrial e com a
Revolução Francesa. Em fins do século XVIII, William Godwin (1756-1836) desenvolve
o pensamento anárquico, na obra Enquiry Concerning Political Justice. No
século XIX surgem duas correntes principais do Anarquismo, de ação marcante
na mentalidade dos povos. A primeira encabeçada pelo francês Pierre-Joseph
Proudhon (1809-1865), afirma que a sociedade deve estruturar sua produção e seu
consumo em pequenas associações baseadas no auxílio mútuo entre as pessoas.
Segundo essa teoria, as mudanças sociais são feitas com base na fraternidade e na
cooperação. O russo Mikhail Bakunin (1814-1876) é um dos principais pensadores
da outra corrente, também chamada de Coletivismo. Defende a utilização de
meios mais violentos nos processos de transformação da sociedade, e propõe a
revolução universal sustentada pelos camponeses (campesinato). Afirma que as
reformas só podem ocorrer depois que o sistema social existente for destruído. Os
trabalhadores espanhóis e italianos são bastante influenciados por Bakunin, mas
o movimento anarquista nesses países é esmagado pelo surgimento do Fascismo.
O russo Peter Kropotkin (1842-1876) é considerado o sucessor de Bakunin. Sua
tese é conhecida como anarco-comunista e se fundamenta na abolição de todas as
formas de governo, em favor de uma sociedade comunista regulada pela cooperação
mútua dos indivíduos, em vez da oriunda das instituições governamentais.
Essas idéias resultaram no surgimento do Marxismo, que, de socialismo científico,
transforma-se em crítico do regime capitalista, tendo como base o materialismo
histórico 8. Assim, em 1848, o Manifesto do Partido Comunista, de autoria dos
alemães Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels (1820-1895), afirma que o
comunismo seria a etapa final da organização político-econômica humana. A
sociedade viveria em um coletivismo, sem divisão de classes e sem a presença
de um Estado coercitivo. Para chegar ao Comunismo, no entanto, os marxistas
prevêem um estágio intermediário de organização, o Socialismo, que instauraria
uma ditadura do proletariado para garantir a transição.
Esses movimentos políticos também confrontam as práticas religiosas conduzidas
pela Igreja Católica que, desviada dos princípios morais do estabelecimento
de um império espiritual no coração dos homens, aproxima-se em demasia das
necessidades políticas da nobreza reinante na Europa. Essa aproximação com o
poder real trouxe conseqüências desastrosas, abrindo espaço a discussões sobre o
papel desempenhado pela Igreja em particular, e pela religião, considerada como
sinônimo de movimento religioso de igreja – católica ou reformada –, equívoco
que ainda norteia o pensamento religioso da maioria dos europeus dos dias atuais.
Nesse contexto, surge o Catolicismo Social, movimento criado por Lamennais,
que buscava um ideal de caridade e de justiça, conforme os ensinos do Evangelho.
Lamennais rompe com a Igreja e se torna abertamente socialista. Lacordaire e
Mont´Alembert se submetem sem abandonar a ação generosa (caridade e justiça)
11. A fragilidade demonstrada pela Igreja Católica, frente aos contumazes ataques
que recebia, abriu espaço à expansão das doutrinas divulgadas pelas igrejas reformadas.
Na verdade, a propagação do Protestantismo na Europa e na América
– da mesma forma que a multiplicidade de interpretações doutrinárias surgidas
ao longo de sua evolução histórica –, estava ocorrendo desde o século XVI. Os
questionamentos levantados sobre o papel da religião, num período em que a
sociedade estava submetida a um racionalismo dominante, conduziram teólogos
e intelectuais protestantes do século XIX a um reexame dos textos bíblicos, e até
a um estudo crítico da razão de ser do Cristianismo. Nasciam, a partir daquele
momento histórico, as teorias sobre a salvação pela fé, dogma considerado imprescindível
à experiência religiosa de cada pessoa e à necessidade social que o
homem tem de crer em Deus e de senti-lo.
No campo da Ciência, as mudanças foram significativas, fundamentais
ao progresso científico e tecnológico dos dias futuros: a descoberta do planeta
Netuno por Leverrier; os trabalhos de Louis Pasteur sobre microbiologia; os
estudos de Pierre e Marie Curie no campo das energias emitidas pelo rádio, e a
teoria da origem e evolução das espécies, de Charles Darwin. O surgimento da
máquina a vapor revoluciona os meios de transportes. O desenvolvimento da
indústria e sua concentração progressiva levam a um aumento considerável do
proletariado urbano e da acuidade das questões sociais. O movimento industrial
necessita de operações bancárias e permite a edificação de novas fortunas. A
burguesia rica acelera sua ascensão e torna-se a classe dominante, força política
e social. O dinheiro é tema literário de primeiro plano, com cuja inspiração os
autores pintam a insolência de seus privilegiados ou a miséria de suas vítimas
12. Em [...] confronto com todas as épocas precedentes, o período que vai de 1830 a
1914 assinala o apogeu do progresso científico. As conquistas desse período não só
foram mais numerosas mas também devassaram mais profundamente os segredos
das coisas e revelaram a natureza do mundo e do homem, projetando sobre ela uma
luz até então insuspeitada [...]. O fenomenal progresso científico dessa época resultou
de vários fatores. Deveu-se, até certo ponto, ao estímulo da Revolução Industrial, à
elevação do padrão de vida e ao desejo de conforto e prazer 6.
Todavia, é importante assinalar que uma revolução diferente marcou,
também, esse período. Falamos da revolução moral proposta pelo Espiritismo
nascente: O século XIX desenrolava uma torrente de claridades na face do mundo,
encaminhando todos os países para as reformas úteis e preciosas. As lições sagradas
do Espiritismo iam ser ouvidas pela Humanidade sofredora. Jesus, na sua magnanimidade,
repartiria o pão sagrado da esperança e da crença com todos os corações.
Allan Kardec, todavia, na sua missão de esclarecimento e consolação, fazia-se acompanhar
de uma plêiade de companheiros e colaboradores, cuja ação regeneradora
não se manifestaria tão-somente nos problemas de ordem doutrinária, mas em todos
os departamentos da atividade intelectual do século XIX 20.
1. AMORIM, Deolindo. O espiritismo e os problemas humanos. Rio de Janeiro: Mundo
Espírita, 1948. Cap. 34, p. 170.
2. ______. Transição inevitável. O espiritismo e os problemas humanos. São Paulo: USE,
Programa Fundamental • Módulo I • Roteiro 1
Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita
23
Referência
Bibliográfi ca
1985, p. 23.
3. AMARAL, Jesus S. F. [et al.]. Enciclopédia mirador internacional.
São Paulo: 1995. (Revolução francesa), vol. 18. Item III, p.
9852-9859.
4. ______. (Revolução industrial), p. 9877-9881.
5. BURNS, Edward McNall. História da civilização ocidental. 3.
ed. Porto Alegre: Globo, 1975. Progresso intelectual e artístico
durante a época da democracia e do nacionalismo,
p. 661.
6. ______. p. 792.
7. RÉMOND, René. O século XIX. Tradução de Frederico Pessoa
de Barros. 12. ed. São Paulo: Cultrix. Os componentes
sucessivos, p. 13.
8. LAGARDE, André et MICHARD, Laurent. XIXe Siècle. Les grands
auteurs français du programme. Paris: Bordas, 1964. Introduction
(Le mouvement démocratique), vol. 5, p. 7-8.
9. ______. p. 8.
10. ______. (Le réalisme), p. 11.
11. ______. (Le socialisme), p. 8.
12. ______. (Le progrès scientifique et industriel), p. 9.
13. ______. Victor Hugo, p. 153.
14. XAVIER, Francisco Cândido. A caminho da luz. Pelo Espírito
Emmanuel. 33. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2006. Cap. 21 (Época
de transição), item: Os enciclopedistas, p. 185.
15. ______. (A independência americana), p. 186.
16. ______. Cap. 22 (A revolução francesa), p. 187.
17. ______. (Contra os excessos da revolução), p. 189.
18. ______. (Napoleão Bonaparte), p. 192-193.
19. ______. Cap. 23 (Depois da revolução), p. 196.
20. ______. (Allan Kardec e os seus colaboradores), p. 197.
21. ______. (As ciências sociais), p. 198-199.

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