A Justiça e a lei de causalidade
Tudo se encadeia e se liga no Universo, tanto moral como fisicamente, nos dizem os Espíritos. Na ordem dos fatos, do mais simples ao mais complexo, tudo está regido por uma lei ; cada efeito se relaciona a uma causa, e cada causa gera um efeito idêntico a ela mesma. Daí, no domínio moral, o princípio da justiça, a sanção do bem e do mal, a lei distributiva que dá a cada um segundo suas obras. Assim como as nuvens formadas pela evaporação fatalmente retornam sobre o solo como chuva, da mesma forma as conseqüências dos atos cometidos retornam sobre seus autores. Cada um desses atos, cada uma das volições de nosso pensamento, conforme a força de impulsão que lhes é imprimida, acabam, em sua evolução, por retornar com seus efeitos, bons ou maus, de volta à fonte que os produziu. Assim as penas e as recompensas se repartem pelos indivíduos no jogo natural das coisas. O mal como o bem, tudo retorna a seu ponto de partida. É dos fatos que se produzem os efeitos no curso mesmo da vida terrestre. Assim também é em outros mais graves, cujas conseqüências se fazem sentir somente na vida espiritual e por vezes mesmo nas encarnações posteriores.
A pena de talião nada tem de absoluta. Ela é tão verdadeira quanto o fato de que as paixões e os defeitos do homem conduzem a resultados sempre idênticos, dos quais ele não consegue se subtrair. O orgulhoso prepara para si um porvir de humilhação ; o egoísta cria em torno dele o vazio e a indiferença, e duras privações esperam os sensuais. Aí está a punição inevitável, o remédio eficaz que cura o mal em sua causa, sem que nenhum ser tenha de se constituir o carrasco de seus semelhantes.
O arrependimento, um ardente apelo à misericórdia divina, colocando-nos em comunicação com as potências superiores, pode nos proporcionar a força necessária para percorrer a via dolorosa, o caminho de provas que nosso passado nos traça ; mas, fora da expiação, nada poderia apagar nossas faltas. O sofrimento, este grande educador, só pode nos reabilitar.
A lei de justiça nada mais é então do que o funcionamento da ordem moral universal, e as penas, os castigos, representam a reação da natureza ultrajada e violentada em seus princípios eternos. As forças do universo são solidárias, repercutem e vibram em uníssono. Toda potência moral reage sobre aquele que as violam, proporcionalmente ao seu modo de ação. Deus não castiga a ninguém. Ele deixa ao tempo o cuidado de fazer os efeitos decorrerem de suas causas. O homem é então seu próprio justiceiro, porque, conforme o uso e abuso que faz de sua liberdade, se torna feliz ou infeliz. O resultado de seus atos se faz por vezes esperar. Vemos neste mundo os culpados amordaçarem sua consciência, rirem-se das leis, viverem e morrerem honrados. Ao contrário, vemos pessoas honestas serem perseguidas pela adversidade e pela calúnia ! Daí, a necessidade das vidas futuras, no curso das quais o princípio de justiça encontra sua aplicação, e o estado moral do ser, seu equilíbrio. Sem esse complemento necessário, a existência atual não teria sentido, e quase todos nossos atos seriam desprovidos de sanção.
Em realidade, a ignorância é o mal soberano, de onde decorrem todos os outros males. Se o homem visse distintamente a conseqüência de seus atos, sua conduta seria diferente. Conhecendo a lei moral e sua aplicação inelutável, não procuraria mais violá-la tanto quanto não resiste às leis do peso e da gravitação.
O homem deve enfim aprender a medir o alcance de seus atos, entender suas responsabilidades, sacudir essa indiferença que cava o abismo das misérias sociais e envenena moralmente esta terra onde lhe será necessário talvez renascer muitas vezes ainda. É preciso que um novo sopro passe sobre as pessoas e ilumine nelas estas convicções de onde saem as vontades firmes, inquebrantáveis. Importa enfim que todos adotem isto : o reino do mal não é eterno, a justiça não é uma palavra vã ; somente ela governa os mundos, e, sob seu nivelamento possante, todas as almas se curvam na vida futura, todas as resistências, todas as rebeliões se quebram.
Da idéia superior de justiça decorrem então a igualdade, a solidariedade e a responsabilidade dos seres. Estes princípios se unem e se fundem em um todo, em uma lei única que domina e rege o universo : o progresso na liberdade. Esta harmonia, esta coordenação possante das leis e das coisas não dá uma idéia de alguma forma maior e consoladora da vida e dos destinos humanos, do que as concepções negativistas ? Nesta imensidade onde a eqüidade aparece até nos mínimos detalhes, onde nenhum ato útil fica sem proveito, nenhuma falta sem castigo, nenhum sofrimento sem compensação, o ser sente-se religado a tudo que vive. Trabalhando para si mesmo e por todos, desenvolve livremente suas forças, vê aumentar sua luz, crescer sua felicidade.
Não se compara estas visões às dos frios materialistas, a este universo assustador onde seres se agitam, sofrem e passam, sem laços, sem propósitos, sem esperança, percorrendo suas vidas efêmeras como pálidas sombras saídas do nada para recaírem na noite e silêncio eternos ! Dessas concepções, qual é a mais capaz de sustentar o homem em suas dores, de temperar seu caráter, de transportá-lo para os altos cumes !
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