A Lei de Progresso
Escreve: Jaci Regis
Em: Maio de 1999
781 - É permitido ao homem deter a marcha do progresso? -Não, mas pode entravá-la algumas vezes.781-a - Que pensar dos homens que tentam deter a marcha do progresso? -Pobres seres que Deus castigará; serão arrastados pela torrente que pretendem deter.782 - Não há homens que entravaram o progresso de boa fé, acreditando favorecê-lo, porque o vêem segundo o seu ponto de vista e freqüentemente onde ele não existe? -Pequena pedra posta sob a roda de um grande carro sem impedi-lo de avançar.
Esses trechos de O Livro dos Espíritos, mostram que a lei do progresso é tratada ali não apenas como inevitável, mas impiedosa. As palavras aplicadas são taxativas: serão arrastados... pequena pedra posta sob a roda, ou seja, não há como deter o progresso. Mas o que é o progresso, como caracterizá-lo, de que forma ele se impõe soberano e irresistível? Kardec comenta : ninguém tem o poder de se opor a ele. É uma força viva que as más leis podem retardar, mas não asfixiar.Para ele, “o homem... deve chegar ao fim determinado pela Providência; ele se esclarece pela própria força das circunstâncias”.
O progresso é o resultado da insatisfação. Essa insatisfação se manifesta de forma imprecisa, como um mal-estar pessoal e depois vai se tornando concreta, avoluma-se. Então corroe o sistema atual, cria ambiente para ousadias e rompimentos, a princípio localizadas e depois generalizadas.O progresso é um processo, um constante mover-se no tempo e no espaço. Segundo Kardec, ele é promovido pela infiltração das idéias das revoluções morais, sociais, ao longo do tempo e, aparentemente, explodem sem razão, fazendo “ruir o edifício carcomido do passado”.
Como o progresso necessariamente promove tumulto, provoca resistências e cria, muitas vezes, um certo pânico, Kardec adverte que “o homem geralmente não percebe, nessas comoções, mais do que a desordem e a confusão momentâneas que o atingem nos seus interesses materiais.... mas a Providência faz que do mal surja o bem. São a tempestade e o furacão que saneiam a atmosfera , depois de a haverem revolvido”. O diálogo transcrito na questão 784 é extremamente esclarecedor.- A perversidade do homem é bastante intensa e não parece que ele está recuando,em lugar de avançar, pelo menos do ponto de vista moral?-Enganas-te. Observa bem o conjunto e verás que ele avança, pois vai compreendendo melhor o que é o mal, e dia a dia corrige os seus abusos. É preciso que haja excesso do mal, para fazer-lhe compreender a necessidade do bem e das reformas.Não é uma colocação inteligente e oportuna?
PROGRESSO DEMOLIDOR
A força do progresso é realmente poderosa. Ao longo do tempo vai mudando, reformulando cenários, políticas, opiniões e sentimentos. É uma energia subterrânea, compõe-se de fluxos diversos, choques, perversões, mal e bem. Quando as situações se tornam insuportáveis, vem necessariamente a reação.Do caos renasce um novo horizonte. Certamente imperfeito, mas melhor e assim sucessivamente.Não vemos que o excesso de banalidade, de futilidades, de incoerências motiva a reação? E produz soluções.Vejamos alguns exemplos históricos.
Quando Galileu Galilei disse que a Terra girava, foi sufocado pelo poder da igreja. Mas como ela realmente gira, o progresso de tornou impositivo. Se dúvidas houvesse as viagens interplanetárias mostram o fato. Recentemente a Igreja pediu perdão a Galileu, condenado pela sua audácia de falar contra o que era considerado verdade final.O que quero ressaltar é que o perdão papal, tardio e protocolar, foi irrelevante.
A despeito da condenação, Galileu tinha vencido. O fato sobrepôs-se ao arbítrio e, nesse caso, à ignorância. Um exemplo no campo espírita. No capítulo IX -Lei de Igualdade, da 3a.Parte de O Livro dos Espíritos. encontramos o item VI- Igualdade dos direitos do homem e da mulher.Nesse item o Espiritismo mostra-se muito avançado. Ele nega peremptoriamente qualquer idéia de inferioridade da mulher relativamente à inteligência e afirma que a emancipação da mulher segue o processo da civilização.O seguinte trecho da resposta é muito avançado: “A lei humana, para ser justa, deve consagrar a igualdade de direitos entre o homem e a mulher; todo privilégio concedido a um ou a outro é contrário à justiça. A emancipação da mulher segue o processo da civilização.Todavia, quando trata das funções ele estabelece uma divisão determinística: mulher dentro do lar. “De direitos, sim; de funções não. É necessário que cada um tenha um lugar determinado; que o homem se ocupe de fora e a mulher do lar, cada um segundo a sua aptidão.”
Comentando esse trecho, diz J. Herculano Pires “Há mais de cem anos este livro indicava a solução exata do problema feminino: igualdade de direitos e diversidade de funções... A mulher não deve ser imitadora e competidora do homem, mas a sua companheira de vida, ambos mutuamente se complementando na manutenção do lar, que é a célula básica da estrutura social.”
Inserida no trecho inicial, essa posição obscurece a grandeza das idéias defendidas na questão 822-a. Está totalmente superada pela realidade dos fatos, pelo menos em grande parte da cultura ocidental e caminha para sobrepor-se à ignorância da cultura islâmica e hindu, por exemplo.Não adiantam sofismas, debates, interpretações.Não há mais como afirmar que a mulher não deva competir com o homem. A própria colocação da frase é machista, uma vez que o homem é dado como modelo que a mulher não deve imitar, mas recolher-se à sua função doméstica. Não estou discutindo nem mesmo mérito e os problemas causados possivelmente pela opção da mulher em dedicar-se ao mercado do trabalho, criando uma nova estrutura para a relação familiar. Considero apenas que qualquer discussão sobre o fato é supérflua. Basta olhar a realidade social. O resto é tentativa de dar validade ao que o tempo e as circunstâncias, como gostava de dizer Kardec, simplesmente derrubaram. Ou seja, a pequena pedra sob a roda de um carro grande, que é o progresso.
O PROGRESSO E OS VALORES
Uma das críticas mas freqüentes ao progresso, às mutações sociais e humanas, é que nessas mudanças, os valores morais parecem ser desprezados.De fato, nas mutações do comportamento, os períodos de transição são penosos, às vezes de difícil compreensão.De um modo geral, os valores funcionam para a maioria como freio às manifestações do egoísmo e dos desajustes pessoais. Por isso, as sociedades têm, ao longo do tempo, estabelecido ordenações e regras, algumas das quais acabam por criar um clima perverso, de castração e inibição da espontaneidade.
Quando as mutações enfraquecem as regras e derrubam as normas, os valores reais certamente persistem na maioria, ainda que de forma relutante por muitos. Todavia, as pessoas, cujos desequilíbrios interiores são mais acentuados, principalmente no campo da sexualidade e da corrupção, sentem-se à vontade para derrubar “tabus”, de forma desatinada.
Essa minoria ativa assume atitudes de desagregação moral que é tolerada pela maioria, por um longo tempo, por ser porta-estandarte de reivindicações pessoais ocultas e inibidas.Esses transtornados agitadores da moral e dos costumes, fazem o papel de desbloqueadores, mas produzem, também, insegurança, ultrapassam limites mínimos e atingem a dignidade e a segurança da maioria.Começa então a reação e alcança-se, quase sempre, algum equilíbrio ou pelo menos opõem-se barreiras ao curso avassalador do desatino. Tratando do assunto, O Livro dos Espírito é bastante sábio.Diz que o progresso intelectual geralmente precede ao progresso moral. Segundo o texto, a inteligência daria ao homem maior discernimento entre o bem e o mal e disso resultaria em modificações de procedimentos e expectativas.
ININTERRUPTA CAMINHADA
Se olharmos a história, verificaremos que a humanidade, a despeito de tudo e das realidades que voltam circularmente a mostrar a crueldade e o caráter perverso de muitos, caminha para frente. Ideologias, tiranos, ditaduras tentaram e continuam tentando subverter a ordem natural, criando focos de horror ou privando a sociedade da liberdade. Mas não resistem. Acabam por ser derrubados. Claro que sob o ponto de vista de muitos, o progresso em si mesmo é perverso. Acusam o moderno de sufocar o passado ou pretendem mostrar que a vida antiga era melhor e mais coerente. Mera pedra no meio do caminho. Como se fosse possível voltar.
O presente apresenta problemas, herdados do passado e pervertidos pelo desejo generalizado de poder e de ganância, de sobrepor-se aos outros. Existe uma tendência egoísta na maioria. Grupos que se apossam do poder acabam gerando situações caóticas e promovendo revolta pelos prejuízos que causam.Todavia, o progresso se faz.Tudo gira em torno do homem, dando razão ao sofisma de que o homem é a medida de todas as coisas.O progresso tecnológico e o científico agitam o mundo e introduzem novos comportamentos, desarranjam a economia, desempregam pessoas e beneficiam as demais.
Como parar essa torrente de novos caminhos desenhados pela tecnologia avassaladora? Muitas pessoas, apegadas a uma forma de entender ou supor entender a divindade, protestam contra a aparente indiferença de Deus, diante dos espetáculos lamentáveis e abusos intoleráveis que sufocam as criaturas.Todavia, se nos livrarmos do deus Jeová e tentarmos compreender a divindade sob uma nova luz, veremos que a mão de Deus permanece dirigindo a humanidade, o que pode ser comprovado pelas sucessivas e renovadas épocas, momentos e fatos históricos que, como a lei do progresso, explodem mudando rumos, derrubando o “edifício carcomido”.
Historicamente, Kardec projetou o Espiritismo para suportar a lei do progresso, não fosse por outros motivos, por simples coerência com as lições de O Livro dos Espíritos. A maestria dele foi criar um método de evolução do pensamento doutrinário, sem que o Espiritismo perdesse suas bases e se confundisse diante das variadas propostas de mudanças, sem bases e sem fundamentos.
Jaci Regis é psicólogo e jornalista, editor do jornal de cultura espírita Abertura, presidente do Instituto Cultural Kardecista de Santos e autor dos livros Amor, Casamento e Família; Comportamento Espírita; Uma Nova Visão do Homem e do Mundo; A Delicada Questão do Sexo e do Amor, dentre outros.
Artigo publicado originalmente no jornal Abertura, de Santos, em maio de 1999.
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