Perfeição Moral
Sérgio Biagi Gregório
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Considerações Iniciais. 4. Virtudes e Vícios: 4.1. A Virtude é Média Justa; 4.2. O Vício é a Ausência da Virtude; 4.3. Recompensa e Castigo. 5. O Conhecimento de Si Mesmo: 5.1. A Maiêutica Socrática; 5.2. Herança e Automatismo; 5.3. Como Conhecer-se; 6. Caracteres do Homem de Bem. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.
1. INTRODUÇÃO
O objetivo deste estudo é refletirmos sobre o grau de perfectibilidade que somos capazes de alcançar nesta encarnação. Para tanto, veremos a questão dos vícios e das virtudes, o conhecimento de si mesmo e os caracteres do homem de bem.
2. CONCEITO
Perfeição – de perfectio designa o estado de um ser cujas virtualidades se encontram plenamente atualizadas ou realizadas. Em teologia, plena realização, sob o ponto de vista moral, consumação no bem que compete a cada um possuir e atuar. Assim: "Todo o homem é chamado à perfeição ou santidade".
Moral - Da raiz latina mores = costumes, conduta, comportamento, modo de agir. É o conjunto sistemático de normas que orientam o homem para a realização do seu fim (essência).
A moral é a regra da boa conduta e, portanto, da distinção entre o bem e o mal. Funda-se na observação da lei de Deus. O homem se conduz bem quando faz tudo tendo em vista o bem e para o bem de todos, porque então tende a Deus. (Pergunta 629 de O Livro dos Espíritos)
3. CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O Espírito, quando é criado por Deus, traz em seu bojo o germe (potência) da perfeição. Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, ao estudar a Lei do Progresso — lei natural —, informa-nos de que todos os Espíritos, conscientes ou inconscientes, encarnados ou desencarnados, tendem para a perfeição.
Assim, todo o esclarecimento emanado de alguém, no sentido de estimular o nosso relacionamento em sociedade, deve ser sempre bem recebido, pois é através do contato com os outros seres humanos que temos condições de colocar em prática o conteúdo moral da Lei Divina.
No capítulo que trata da Lei de Sociedade, Kardec diz-nos que no isolamento absoluto o homem embrutece-se e se estiola.
Diante dessas orientações, todo o esforço despendido em prol do bem é um manancial que nos fortifica para toda a eternidade.
Por isso, a assertiva do Cristo: "Sede perfeitos como vosso Pai celestial é perfeito", deve permanecer como uma idéia central para este tema.
4. VIRTUDES E VÍCIOS
4.1. A VIRTUDE É MÉDIA JUSTA
Virtudes são todos os hábitos constantes que levam o homem para o bem, quer como indivíduo, quer como espécie, quer pessoalmente, quer coletivamente.
A virtude é uma disposição adquirida voluntária, que consiste na conduta racional de um homem ponderado. Ela ocupa, segundo Aristóteles, a média entre duas extremidades, uma por excesso, a outra por falta. Ela se situa no ponto mais elevado no que se refere ao bem e à perfeição.
Na teoria da utilidade marginal decrescente, o excesso de um bem transforma-se no seu oposto. Daí, diz-se que todo o excesso é prejudicial, tanto para o bem como para o mal. Exemplo: o excesso de orgulho transforma-se em humildade; o excesso de humildade transforma-se em orgulho. É dentro deste contexto que Aristóteles fala que devemos sempre percorrer o caminho do meio, do meio termo.
As virtudes apresentam-se como virtudes cardeais (adquiridas) – prudência, fortaleza, temperança e justiça e como virtudes teologais (dons infusos por Deus) – fé, esperança e caridade.
4.2. O VÍCIO É A AUSÊNCIA DA VIRTUDE
Os vícios são as ações que tendem para mal; as virtudes são ações que tendem para o bem. No estado atual de nossa evolução moral, parece que ainda precisamos do mal para melhor conhecer o bem. É preciso que haja uma desgraça pública para nos estimular a caridade para com o próximo. Não a entronizamos ainda dentro dos nossos corações.
Além do mais, em nossa ilusão, costumamos disfarçar o mal ao máximo, para que não se torne muito evidente. Nesse sentido, à gula damos o nome de necessidade proteínica; à lascíviachamamos necessidade fisiológica; a ira é embelezada com a expressão paradoxal: "cólera sagrada"; a cobiça é encoberta com a desculpa da previdência; a preguiça disfarçamos com a necessidade de repouso, quando não com a esperteza que faz os outros produzirem por nós.
4.3. RECOMPENSA E CASTIGO
Toda a ação boa, sendo coerente consigo mesma, traz um bem-estar, uma felicidade. Toda a ação má, ao contrário, gera um conflito e, por conseguinte, um mal-estar. Ela tem como conseqüência um castigo.
Muitas vezes, a coerência e a incoerência não são vistas de imediato, senão ao longo de muito tempo. Um exemplo é o vício do fumo. Suponha que tenhamos fumado por 20 anos, quando estávamos na flor da idade. Não sentíamos e não sofríamos as suas conseqüências. Mas, passados todos esses anos, os efeitos da nicotina e de outros poluentes começam a nos trazer problemas cardíacos e pulmonares, levando muitos seres humanos ao desencarne prematuro.
5. O CONHECIMENTO DE SI MESMO
5.1. A MAIÊUTICA SOCRÁTICA
Sócrates, filósofo grego da antiguidade, ao criar o método da introspecção, propôs-nos um exercício salutar para o conhecimento de nós mesmos. Disse-nos que o homem deve voltar-se para si a fim de tomar consciência de sua própria ignorância. Utilizava, para isso, a ironia e a maiêutica. Na ironia procurava confundir o interlocutor a respeito do conhecimento que ele pressupunha ter sobre um objeto qualquer; na maiêutica, que em grego quer dizer vir à luz, fazia brotar um novo conhecimento, mais fecundo e mais produtivo.
5.2. HERANÇA E AUTOMATISMO
O princípio inteligente estagiando no reino mineral adquiriu a atração; no reino vegetal, a sensação; no reino animal, o instinto; no reino hominal, o livre-arbítrio, o pensamento contínuo e a razão. Hoje, somos o resultado de toda essa herança cultural.
Nosso passado histórico propiciou-nos a automatização de hábitos e atitudes. É nossa herança, que começa desde o reino mineral. Há hábitos positivos e negativos. Os positivos devem ser incrementados; os negativos, extirpados. A função da reforma íntima, no seu sentido amplo, é melhorar o reflexo condicionado, arquitetado pelo nosso Espírito.
A lei do progresso exige que o princípio inteligente vá-se despojando dos liames da matéria. Para que tenhamos um olhar crítico, devemos libertar-nos da obscuridade da matéria, consubstanciada no egoísmo, no orgulho e no interesse próprio. (Xavier, 1977, p. 39)
5.3. COMO CONHECER-SE
De acordo com Peres, no capítulo I do seu Manual Prático do Espírita, podemos nos conhecer:
a) pela dor. A dor é teleológica e leva consigo um destino. Por ela podemos saber o que fomos e, também, o que tencionamos ser. Ela é sempre positiva; no sofrimento, estamos purgando algo ou preparando-nos para o futuro.
b) convívio com o próximo. Podemos avaliar-nos, observando as reações dos outros com relação às nossas atitudes.
c) auto-análise. A auto-análise fundamenta-se numa cosmovisão transcendental da vida. A compreensão integral do homem se apoia em três esteios fundamentais: filosófico: paz com a verdade; o psicológico: paz consigo mesmo; religioso: paz com o ser transcendental.
São técnicas que permitem o homem chegar a autenticidade de sua doença, não de tirar o homem da doença.
As questões 919 e 919A de O Livro dos Espíritos auxiliam-nos a praticá-la. Santo Agostinho sugere que todas as noites devíamos revisar o dia para ver como fomos em pensamentos, palavras e atos.
6. CARACTERES DO HOMEM DE BEM
O verdadeiro homem de bem é aquele que:
a) Pratica a lei de justiça, de amor e de caridade em sua maior pureza.
b) Tem fé em Deus, submetendo-se a sua vontade à Dele.
c) Tem fé no futuro; por isso, coloca os bens espirituais acima dos bens temporais.
d) Sabe que todas as vicissitudes da vida são provas ou expiações, e as aceita sem murmurar.
e) Possuído pelo sentimento de caridade, faz o bem pelo bem, sem esperança de recompensa, e sacrifica o seu interesse pela justiça.
f) É bom para com todos, porque vê irmãos em todos os homens, sem exceção de raças ou de crenças.
g) Em todas as circunstancias, a caridade é o seu guia.
h) Não tem ódio, nem rancor, nem desejo de vingança.
i) É indulgente para com as fraquezas alheias, porque sabe que ele mesmo tem necessidade de indulgência.
j) Não se compraz em procurar os defeitos alheios, nem em colocá-los em evidência.
k) Estuda as suas próprias imperfeições e trabalha, sem cessar, em combatê-las.
l) Aproveita sempre as ocasiões para ressaltar as qualidades dos outros, e não as suas.
m) Se Deus lhe deu o poder e a riqueza, olha essas coisas como um depósito do qual deve usar para o bem, e disso não se envaidece porque sabe que Deus, que lhos deu, também poderá retirá-los.
n) Se a ordem social colocou homens sob sua dependência, ele os trata com bondade e benevolência, porque são seus iguais perante Deus; usa de sua autoridade para erguer-lhes o moral e não para esmagar com o seu orgulho; evita tudo o que poderia tornar a sua posição subalterna mais penosa. (Kardec, 1984, cap. XVII, item 3)
7. CONCLUSÃO
Voltemo-nos para dentro de nós mesmos. Esta atitude, sendo constante, auxiliar-nos-á sobremaneira, a atingir a perfeição relativa de que somos capazes. Tomando consciência de nossa ignorância, como nos ensinou Sócrates, confiaremos mais em nossos valores, o que nos propiciará um relacionamento mais saudável com os outros membros da sociedade.
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
PERES, N. P. Manual Prático do Espírita. São Paulo: Pensamento, 1984.
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE, 1984.
KARDEC, A. O Livro dos Espíritos. 8. ed. São Paulo: Feesp, 1995.
XAVIER, F. C. e VIEIRA, W. Evolução em Dois Mundos, pelo Espírito André Luiz, 4. ed., Rio de Janeiro, FEB, 1977.
São Paulo, janeiro de 2000
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