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quinta-feira, 25 de abril de 2013
Suicídio, modo de evitar
Folha de São Paulo - FERNANDO TADEU MORAES
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA
Prevista para este ano, a inclusão de uma categoria de comportamentos suicidas no novo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o chamado DSM 5, referência na área de saúde mental em todo o mundo, pode ajudar os médicos a quantificar melhor esse fenômeno, em especial as tentativas, cujas taxas podem ser 40 vezes mais altas do que as dos suicídios consumados.
Essa é a opinião do psiquiatra José Manoel Bertolote, que acaba de lançar "O Suicídio e sua Prevenção" [Unesp, 142 págs., R$ 18]. Ele afirma, em entrevista à Folha, que a depressão, o alcoolismo e a esquizofrenia são as três principais causas por trás das mortes autoinflingidas.
Estima-se hoje em 1 milhão o número anual de mortes por suicídio em todo o mundo. Isso o coloca como uma das "três principais causa de óbitos em determinadas faixas etárias de vários países e em várias regiões do globo", escreve Bertolote. No livro, o psiquiatra traça um histórico sobre o tema a respeito do qual já se debruçaram teólogos, juristas, filósofos, sociólogos entre outros, e analisa, sob o prisma da saúde pública, suas causas no Brasil e no mundo.
Bertolote, 65, trabalhou por quase 20 anos na OMS (Organização Mundial da Saúde), onde chefiou a equipe de transtornos mentais e neurológicos. Uma de suas atribuições nesse período era auxiliar países a elaborar políticas de prevenção de suicídio. Hoje, ele é professor voluntário na Faculdade de Medicina da Unesp, em Botucatu, na qual se formou em 1971.
Durante a entrevista, Bertolote fez um pedido: gostaria que fosse incluído neste texto o número do telefone do Centro de Valorização da Vida, o CVV: 141.
*
Folha - Como o sr. vê a inclusão da categoria de comportamentos suicidas no novo manual de psiquiatria?
José Manoel Bertolote - Vejo com bons olhos. Hoje há boas estatísticas de mortes por suicídio para cerca de dois terços do mundo, mas não há um registro centralizado de tentativas de suicídio. Se uma pessoa ingere um veneno e vai parar no pronto-socorro, o caso é registrado como intoxicação; se ela corta os pulsos, lesão cortante. A intencionalidade acaba nunca sendo registrada.
A inclusão de uma categoria de comportamento suicida é bem-vinda, pois vai permitir dar uma visão melhor desse quadro. Estudos mostram que a taxa de tentativa de suicídios chega a ser 40 vezes mais alta que a taxa de suicídios consumados.
Como o suicídio se tornou um assunto da medicina?
Até cerca de três séculos atrás, o suicídio era basicamente um problema teológico. O catolicismo considerava o suicídio um pecado grave, o islamismo considera até hoje o pior pecado, pois é a destruição da obra divina. Havia também o interesse de filósofos e, na Inglaterra e em vários outros países, o suicídio era considerado uma morte indigna. O direito o tratava como um crime contra o Estado.
Foi a partir dos séculos 17 e 18 que médicos passaram a se interessar pela questão do suicídio e a considerar que o suicídio tinha uma relação estreita com a saúde, porque eles julgavam que todo suicídio era um ato de loucura. E isso foi ganhando adesão com o tempo. No século 20, consolidou-se a ideia de que o suicídio é um problema de saúde e, sobretudo, de saúde pública.
Há relação entre suicídio e doença?
O suicídio, em primeiro lugar, não é uma doença. Na perspectiva da saúde pública, é um fenômeno social de distribuição irregular na sociedade. Mas há estudos em todo o mundo que mostram que, por trás de grande parte das mortes por suicídio, existem doenças.
A maioria dessas doenças são mentais, mas há também uma grande associação entre suicídio e doenças incuráveis e dolorosas. A mortalidade de portadores de HIV por suicídio, por exemplo, caiu muito depois do advento do coquetel de drogas, quando ela deixou de ser essa doença mortal. As doenças mais associadas ao suicídio são a depressão, o alcoolismo e, um pouco atrás, a esquizofrenia.
Quais são os limites da prevenção do suicídio?
Não acredito que o suicídio possa ser erradicado, pois é um fenômeno humano que existe desde sempre. Há, por exemplo, uma porcentagem de suicídios por trás da qual, por mais se investigue, não se encontra uma doença ou causa clara.
Durkheim, em sua tipologia de suicídios, fala do suicídio altruísta [situação em que um indivíduo está tão conectado a sua comunidade, que abdica de sua individualidade, acreditando que sua morte pode trazer benefícios para a sociedade]. Como é que se vai prevenir isso? Não há o menor sentido. Não é disso que a prevenção do suicídio se ocupa. A prevenção se ocupa dos casos considerados evitáveis, porque decorrentes de um fator que poderia ser removido [como o alcoolismo].
Um dado importante e comprovado é que a maioria das pessoas que tentam o suicídio não quer morrer. São pessoas que querem mudar uma situação, escapar de um problema e, às vezes, a situação é tão tantalizante que a pessoa não enxerga outra saída. Há estudos com pessoas que fizeram uma tentativa de suicídio por um método muito letal e estão próximas de morrer. Elas são entrevistadas nesse momento. A imensa maioria fica desesperada quando percebe que vai morrer e que é irreversível.
A mídia deveria ter um papel nessa prevenção?
A mídia tem um grande papel na prevenção do suicídio. Há um mito de que não se pode tocar no assunto nos jornais. A imprensa pode ajudar ou atrapalhar de acordo com a forma que trata o assunto. Abordar o tema com sensacionalismo, promovendo o ato, explicando métodos etc. só atrapalha, já que sempre existe, em toda população, um certo número de indivíduos suscetíveis. Agora, abordar de uma maneira potencialmente educativa ajuda, sem dúvida.
O que o sr. acha de grupos como CVV e Samaritans [fundação inglesa aberta em 1953 dedicada à prevenção do suicídio]?
Eu já trabalhei com CVVs e Samaritans de vários países do mundo e tenho muita admiração pelo trabalho deles. Um ponto importante a ressaltar é que eles não fazem só a prevenção do suicídio; seu grande mérito é auxiliar uma pessoa em crise. Eles conseguem solucionar uma crise que talvez hoje não fosse suicida, mas que, pela falta de perspectiva, poderia evoluir para uma crise suicida. Penso que eles deveriam ser estimulados pelas autoridades sanitárias.
Como é o suicídio entre as populações indígenas?
As taxas de suicídios em populações indígenas são as mais altas em qualquer país do mundo, segundo estudos. Isso se explica com fatores sociológicos. Em geral populações indígenas são marginalizadas, pobres. Além disso, cada vez mais se identifica nessas populações indígenas o álcool como um fator desagregador, desestabilizador, causando conflitos e levando ao suicídio.
O álcool que havia em populações tradicionais indígenas brasileiras era o cauim, uma bebida de rituais, com baixo teor alcoólico; aí, de repente, eles pegam a cachaça, que tem um teor alcoólico altíssimo. E isso se agrava, pois as populações indígenas da América são de origem asiática, e é muito comum entre os asiáticos uma alteração genética que dificulta o metabolismo do álcool. Juntando todos os fatores, temos uma situação muito trágica numa população pequena de índios.
Pode-se falar de um luto diferente para os parentes de um suicida?
O luto de uma perda inesperada, sobretudo por uma forma inaceitável, é um luto mais complicado que o luto "normal". O suicídio sempre desperta nos que ficam no mínimo dois sentimentos: culpa e raiva. Isso causa um mal-estar tão grande que chega a ser um fator de risco de suicídio. São relativamente comuns suicídios em famílias em que um membro acaba de se suicidar.
Há um importante movimento internacional de sobreviventes, chamado Survivors, fundado por um casal americano que perdeu sua única filha pelo suicídio. Eles se aproximam de famílias em luto para conversar, compartilhar experiências. O resultado é o desenvolvimento de uma solidariedade intragrupal e o sentimento de solidariedade e responsabilidade pelos outros.
Entre 1980 e 2008 a taxa de suicídios de homens brasileiros quase dobrou. Quais são as possíveis explicações para isso?
Foi um aumento muito localizado, em jovens de 16 a 25 anos. O que vou dizer agora é mais uma impressão do que uma afirmação científica. Duas coisas que afetam particularmente esse grupo aconteceram nesse período: por um lado, houve uma explosão do número de usuários de drogas; por outro, houve a reforma psiquiátrica que fechou radicalmente o número de leitos psiquiátricos. Esses leitos foram fechados no momento em que o aumento dos usuários de drogas pedia um número maior. A sociedade nesse período também se tornou mais violenta. Na mesma época, houve aumento do número de homicídios, especialmente entre os jovens.
O que se sabe sobre as bases genéticas do suicídio?
Essa é uma área pobre de resultados. Eu, particularmente, acho muito improvável que alguém encontre o gene do suicídio. O que se sabe é que existem genes da violência. Nos indivíduos com alto risco de violência, isso pode se expressar como um suicídio dramático ou como um homicídio. Casos de pessoas que pegam uma arma, matam vários e depois se matam certamente envolvem pessoas extremamente violentas.
Uma grande dificuldade é que grande parte dos estudos genéticos é feito com gêmeos. Suicídio é um evento relativamente raro; encontrar gêmeos não é tão comum; e encontrar gêmeos nos quais um se matou e outro não é mais difícil ainda, o que torna as análises estatísticas muito pobres. O suicídio é uma coisa muito mais complexa do que pode ser expressada por um gene.
Como o sr. vê o direito ao suicídio?
Eu sou um pouco antiquado, acredito no juramento de Hipócrates, que diz que a tarefa principal do médico é preservar a vida. Claro que existem limites nos quais a preservação da vida não tem mais sentido. Filosoficamente, eu consigo entender alguém que, em plena posse de suas faculdades mentais, queira se matar; medicamente eu não tenho meios de justificar isso.
Vejo o direito ao suicídio com ressalvas, mas sempre fica a pergunta incômoda: quem sou eu para dizer a alguém aparentemente consciente dos seus atos e que quer se matar que ele não deveria fazer isso?
L., de 61 anos, é um exemplo de quem teve de recorrer à rede pública. Em tratamento há dois anos e meio, ele conta que passou a beber quando era adolescente, mas foi aos 50 anos que percebeu que a situação estava fora de controle. “Começava às 8 horas e continuava ao longo do dia.”
L. faz artesanato em madeira com a mulher, mas a renda dos dois não chega a dois salários mínimos. “A falta de perspectivas financeiras piora a situação. Problemas com dinheiro me estimulam a beber”, diz.
Para o médico Vilmar Ezequiel dos Santos, gerente do Centro de Atenção Psicossocial (Caps) de Santana, é preciso compreender o consumo do álcool em cada uma das classes sociais. “A forma de consumir, o valor que se dá ao consumo e o desfecho do problema em cada uma das camadas da sociedade são diversos.” Embora tenha havido mudanças, Santos destaca que nas classes D e E o álcool é socialmente mais aceitável.
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil tem 329 Caps, com capacidade para realizar 7,8 milhões de atendimentos ao ano. De 2011 para 2012, os procedimentos aumentaram 25,8%.
Laranjeira diz que os resultados do estudo evidenciam o quanto as pessoas mais pobres sofrem com a ausência de uma estratégia efetiva do governo para a prevenção do abuso de álcool. “Essa política é acovardada”, constata. “A única mensagem que ouvimos é a de não associar direção e bebida. Todos, incluindo o Ministério da Saúde, ficam cheios de dedos para colocar em prática ações mais agressivas.” / MÔNICA REOLOM
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