RICHARD SIMONETTI
Mateus, 9:35-38.
Ao longo dos meses, Jesus desdobrava seu abençoado trabalho.
...percorria todas as cidades e aldeias, ensinando nas sinagogas, pregando o Evangelho do Reino e curando enfermidades. À vista das multidões, compadecia-se delas, porque andavam entregues à miséria e ao abandono, como ovelhas sem pastor.
Então, dizia aos discípulos:
– A seara, na verdade, é grande, mas os trabalhadores são poucos. Rogai, pois, ao Senhor da seara que mande trabalhadores para ela.
Usava com freqüência imagens simples relacionadas com o cotidiano, a fim de fixar seus ensinamentos.
Uma das mais fortes e significativas é a da seara, extensão de terra em que se faz o cultivo de cereais.
Sob o ponto de vista evangélico, é o campo de atuação do cristão, para a construção do Reino de Deus.
Tem exatamente o tamanho de nosso planeta.
A Terra é a grande seara.
Os seareiros espalham-se por todos os países, em todas as culturas...
Nem sempre aparecem vinculados ao Cristianismo, mas, invariavelmente, ligam-se às orientações do Cristo, que lhes fala na intimidade do coração.
Por isso há o perfume do Evangelho em todas as religiões, ainda que floresçam nas mais remotas regiões, sem acesso à mensagem cristã.
Mesmo grandes líderes religiosos que antecederam Jesus foram seareiros, anteciparam algo de suas lições, precursores de sua mensagem.
Hoje, como ontem, é reduzido o grupo de seareiros.
Por quê?
Haverá necessidade de aptidões especiais, curso superior, posição de destaque, inteligência brilhante?
Negativo!
Os grandes seareiros são, quase sempre, pessoas simples, sem títulos acadêmicos, sem primores de cultura e conhecimento.
Podemos entender por que são minguados os seareiros a partir da experiência de dedicado e lúcido pregador espírita, que chamaremos Pedro Afonso.
Certa feita decidiu montar um curso singular: Seareiros de Jesus.
Duzentas e vinte pessoas inscreveram-se, empolgadas pela perspectiva de se integrarem no glorioso grupo.
Na primeira reunião explicou:
– Teremos duas partes em nosso aprendizado: teórica e prática. A primeira pode ser resumida numa palavra: amor. Nele está a essência do pensamento cristão, a base do seareiro. A dificuldade está na prática, porque poucas pessoas conseguem amar de verdade. A propósito, meus amigos, o que é amar?
Vários alunos responderam que amar é gostar muito.
– Definição equivocada. Gostar é um investimento, implica expectativa, resultados desejados. O rapaz gosta da namorada porque é bonita e carinhosa... A jovem gosta do namorado porque é atencioso e inteligente... É como experimentar um doce. Gostamos dele porque é saboroso, satisfaz ao nosso paladar.
Por isso as pessoas tendem a deixar de gostar. Ficam saciadas, ou enjoam do doce, ou o doce estragou, ou desejam experimentar novos sabores... Na rotina da vida conjugal a esposa já não é tão bonita, nem tão atencioso o marido... Há problemas no dia-a-dia com a educação dos filhos, as finanças, as dificuldades de relacionamento... Fica amargo, difícil de tolerar!
O expositor fez breve pausa, e acentuou:
– Amar é diferente. É querer o bem de alguém; é trabalhar por esse bem, sem cobranças. Exemplo perfeito – o amor de mãe, que se preocupa com o filho sempre, mesmo quando ele é um mau-caráter, um pilantra que a desrespeita e não corresponde às suas expectativas.
Após breve pausa Pedro Afonso continuou:
– Jesus recomendava que amemos o próximo como a nós mesmos. A dificuldade em fazê-lo está na falta desse referencial que seria o amor por nós mesmos. Por exemplo: Quem fuma?
Vários participantes ergueram o braço.
– Observem como é difícil... Se vocês cultivam um vício que faz muito mal, comprometendo a saúde, é óbvio que não se amam.
Um dos alunos contestou:
– O fumante revela amor por si mesmo, habilitando-se à tranqüilidade e ao estímulo que o cigarro proporciona. Eu mesmo fico tenso quando não fumo.
– Não confundamos paixão com amor. Paixão é instinto, é satisfação momentânea, sem cogitações mais nobres. Amor é sentimento, é realizar-se no bem do ser amado. Como um apaixonado por si mesmo, o fumante preocupa-se com a satisfação que possa tirar das baforadas, sem cogitar do amanhã. Por mais que o alertem, não atenta ao fato de que cada cigarro consumido abrevia em onze minutos sua vida, conforme estatísticas; ou que, fumando, candidata-se a ter câncer, enfisema pulmonar, hipertensão, enfarte... É como o maníaco sexual empolgado pela volúpia de estuprar uma mulher. Naquele momento sequer cogita de que experimentará a execração pública e passará bom tempo na cadeia por aquela fugaz realização sexual. Quem ama a si mesmo procura edificar um bom futuro para seu corpo, para seu espírito, furtando-se a paixões e vícios que satisfazem o presente mas complicam o futuro.
Não convencido Pedro Afonso cutucou novamente:
– Tenho outra pergunta: Quem faz uso de bebidas alcoólicas?
Uma floresta de constrangidos braços se ergueu.
Antes de qualquer comentário, alguém se defendeu:
– Parece-me que o álcool é diferente do cigarro. Este sempre faz mal. Com a bebida não é assim, se usada com moderação. Adoro tomar um copo de vinho diariamente, às refeições, sem prejudicar ninguém. Os médicos afirmam que faz bem ao coração...
Pedro Afonso concordou, mas acentuando:
– Não obstante, há uma questão de princípio. O álcool não faz mal se consumido com moderação, mas cada garrafa de bebida que adquirimos ajuda a sustentar uma indústria que tem matado mais gente e destruído mais lares, do que todas as guerras juntas. Um seareiro de Jesus não deve fazer isso. Concordam?
A lógica era irretorquível.
– Vamos adiante. Amar o semelhante, como ensinava Jesus, é querer o seu bem, tanto quanto queremos o nosso. O que vocês se propõem a fazer nesse sentido?
Vários aprendizes manifestaram-se:
– Pretendo dar um plantão semanal no albergue...
– Irei uma vez por semana à periferia, atender crianças...
–Visitarei doentes no hospital, aos domingos...
– Participarei de uma campanha de leite...
– Colaborarei nas vendas da festa da pizza...
– Conseguirei contribuintes para o Centro...
Pedro Afonso sorriu.
– Muito bem! Tudo isso é importante, mas não basta. Trabalhar na seara não é compromisso para algumas horas na semana ou alguns dias no mês. Imperioso que haja dedicação plena. O seareiro de Jesus deve estar sempre pronto, em todos os momentos, a fazer algo pelo próximo, seja em casa, na rua, no local de trabalho, no bairro humilde, empenhado em servir, disposto a sacrificar seus interesses em favor do bem comum.
Um aluno reclamou:
– Teoricamente isso é interessante, mas na prática não funciona, porquanto nem sempre temos ânimo para agir assim. Afinal, todos temos o nosso carma.
Eu, por exemplo, acho muito difícil pensar no próximo, considerando que estou desempregado e com problemas financeiros.
Outra aluna adiantou:
– Quanto a mim, perco a iniciativa por culpa de meu marido. Fico revoltada com ele. Age de forma irresponsável, causando problemas para a família. Carma pesado!
Outro aluno justificou:
– Meu carma é a saúde debilitada. Enfrento freqüentemente crises que me perturbam. Nessas horas não tenho cabeça para pensar em vivência cristã. Quero mesmo é me isolar!
Animados, outros alunos contaram algo de sua história, alegando inibições cármicas relacionadas com saúde, família, profissão...
Após ouvi-los pacientemente, Pedro Afonso esclareceu:
– Não confundamos. Carma é nascer cego ou paralítico; é ter doença grave; é sofrer uma tragédia; é enfrentar a morte prematura de um filho. Cônjuge difícil, problemas familiares, dificuldades financeiras, desajustes físicos passageiros são meras contingências da jornada humana. Jamais nos perturbarão se os
encararmos como espinhos necessários, sinais que Deus coloca em nosso caminho a fim de que sigamos com cuidado e não nos percamos nos desvios da inconseqüência. O grande problema dos candidatos ao serviço é que eles dão demasiada atenção aos espinhos. Isso faz que cresçam tanto aos seus olhos, que lhes parecem cruzes imensas, que literalmente paralisam suas iniciativas, tornando-os incapazes de aproveitar as oportunidades de servir.
– Isso significa então – interrompeu um aprendiz – que devemos servir sempre, em qualquer lugar ou situação?
– Exatamente. O seareiro não perde tempo com lamúrias ou queixas que envolvam circunstâncias ou pessoas, e muito menos se julga um infeliz a carregar imensa cruz. Ainda que a tenha sobre os ombros, invariavelmente faz dela um arado, edificando corações para Deus, com a força irresistível do exemplo.
O tempo estava esgotado.
Pedro Afonso fez a recomendação final:
– Vamos pensar nisso tudo, meus queridos, até a próxima semana, quando nos reencontraremos para seguir em nossos estudos, preparando-nos para a seara de Jesus.
Na aula seguinte, sem nenhuma surpresa para ele, os duzentos e vinte candidatos a seareiros estavam reduzidos a uma dúzia.
Todos desejavam o título honroso, mas poucos estavam dispostos a assumir os compromissos da seara, que continua grande, do tamanho do Mundo.
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