OS ENSINAMENTOS DE JESUS E A TRADIÇÃO ESOTÉRICA CRISTÃ
AS CHAVES QUE ABREM O REINO DOS CÉUS NA TERRA
VI. AS CHAVES DO REINO DOS CÉUS
Capítulo 23
ATENÇÃO
A falta de atenção do ocidental é notória. Quantas vezes não entendemos o que alguém está nos dizendo porque estamos pensando em outra coisa enquanto o outro está falando. O desenvolvimento da atenção em todas as atividades de nossa vida cotidiana não só servirá para tornar-nos mais eficientes no que tivermos que realizar, mas também facilitará o desempenho de nossa meditação. A inabilidade em manter a plena atenção é uma das principais razões porque os ocidentais têm mais dificuldade para meditar do que os orientais.
Mas a atenção também é necessária para evitar que cometamos deslizes na vida. Jesus já dizia: "Vigiai e orai, para que não entreis em tentação, pois o espírito está pronto, mas a carne é fraca" (Mt. 26:41). Se não estivermos atentos às circunstâncias de nossa vida, analisando as implicações de diferentes cursos alternativos de comportamento, podemos nos deixar levar pelos nossos condicionamentos, geralmente expressando tendências materiais e egoístas. O cuidado e a atenção são especialmente importantes no que se refere às instruções espirituais. No Antigo Testamento encontramos diversas passagens a este respeito, como por exemplo:
"Se aceitares, meu filho, minhas palavras e conservares os meus preceitos, dando ouvidos à sabedoria, e inclinando o teu coração ao entendimento; se invocares a inteligência e chamares o entendimento; se o procurares como o dinheiro e o buscares como um tesouro; então entenderás o temor de Iahweh e encontrarás o conhecimento de Deus" (Prov 2:1-5).
"Meu filho, sê atento às minhas palavras; dá ouvidos às minhas sentenças: não se afastem dos teus olhos, guarda-as dentro do coração. Pois são vida para quem as encontra, e saúde para a sua carne. Guarda o teu coração acima de tudo, porque dele provém a vida" (Prov 4:20-23).
"Deus fala de um modo e depois de um outro, e não prestamos atenção. Em sonhos ou visões noturnas, quando a letargia desce sobre os homens adormecidos em seu leito: então lhes abre os ouvidos, e os aterroriza com aparições, para afastar o homem de suas obras e pôr-lhe fim ao orgulho, para impedir sua alma de cair na sepultura e sua vida de cruzar o Canal" (Jó 33:14-18).
Alguns autores da tradição cristã sugerem que a atenção é um elemento fundamental da prática espiritual. Theophanis, o recluso, escreveu: "A vida de atenção, levada a fruição em Cristo Jesus, é o pai da contemplação e do conhecimento espiritual (gnosis). Ligada à humildade, ela gera a exaltação divina e pensamentos do tipo mais sábio."[1]
Entre os padres da igreja primitiva falava-se da interdependência da atenção e da prece, que se unem na luta contra o orgulho, levando à humildade, que por sua vez abre o coração aos poderes do alto. S. Hesychios, o Padre, escreveu: "Se nosso intelecto é inexperiente na arte da atenção, ele começa imediatamente a entreter todas as fantasias intensas que nele aparecem, importunando-o com perguntas ilícitas e respondendo-as de forma ilícita. Então, nossos próprios pensamentos juntam-se à fantasia demoníaca, que cresce e se expande até que parece ser maravilhosa e desejável para o intelecto acolhedor e despojado."[2]
A atenção pode ser enfocada sob dois aspectos: o que os budistas chamam de "plena atenção" e a técnica da "auto-observação." Esses dois aspectos são de capital importância no caminho espiritual.
O importante em ambos aspectos é o direcionamento de nossa atenção. Na maior parte dos exercícios o que é preciso é o unidirecionamento da atenção, no que poderíamos chamar de concentração. As atividades do mundo e a meditação analítica demandam essa concentração. No entanto, em certas situações, em vez de concentrar o foco da atenção, é preciso justamente o contrário, expandir ao máximo o foco da atenção para que ela abarque tudo o que possa estar ocorrendo ao nosso redor. Em certos tipos de meditação, o meditador deve permanecer atento a todos os pensamentos que passam por sua tela mental sem, porém seguir ou apegar-se a nenhum deles. Numa volta mais elevada da técnica meditativa, o objetivo é a contemplação que requer perfeita aquietação da mente. Para que isso ocorra, a mente deve ser pacientemente treinada.
A plena atenção voltada para o aqui e agora de cada atividade que está sendo realizada é a melhor disciplina da mente, para que durante o período meditativo ela possa ser naturalmente direcionada a um determinado objeto, e firmemente mantida durante o tempo necessário para analisar tudo o que for possível pela lógica. Se o meditador continuar a manter a atenção no objeto, poderão surgir inspirações reveladoras vindas da pura luz da intuição.
O exercício da plena atenção é tão fundamental para a prática budista que eles costumam dizer, com sua alegria costumeira, que a diferença entre eles e os não-praticantes é que quando eles caminham eles caminham, quando comem eles comem, quando meditam eles meditam, etc. A explicação dessa aparente tautologia é que um praticante budista procura voltar toda a sua atenção para o que está sendo realizado, evitando que a mente divague enquanto está fazendo alguma coisa.[3] Como parte do treinamento da mente, os iniciantes são instados a praticar a concentração sobre a respiração como uma técnica meditativa básica. Alguns praticam a meditação ao caminhar lentamente, procurando concentrar-se em todos os movimentos; o mesmo é feito ao comer, com a concentração em cada movimento da mão, do maxilar, etc.
Dois autores budistas contemporâneos escreveram a esse respeito:
"Quando de pé, andando, sentados ou deitados, durante todo o tempo em que estivermos acordados, deveremos desenvolver a plena atenção mental e o amor universal. Isso, dizem, é a mais elevada conduta aqui."[4]
A atenção está relacionada aos sentidos e à mente. O grau mais elevado de atenção é aquele em que a mente está engajada, pois é a mente que sintetiza os sentidos. Mas existe um nível ainda mais elevado de atenção, que é a atenção relacionada aos sentidos espirituais. É para esse nível de atenção que Paulo parecia estar se reportando quando escreveu: "Não olhamos para as coisas que se vêem, mas para as que não se vêem; pois o que se vê é transitório, mas o que não se vê é eterno" (2 Cor 4:18)
A atenção é geralmente relacionada na Bíblia como vigilância, daí as várias passagens em que os fiéis são instados a vigiar. Uma passagem merece ser citada em virtude de suas implicações esotéricas:
"Felizes os servos que o senhor, á sua chegada, encontrar vigilantes. Em verdade vos digo, ele se cingirá e os colocará à mesa e, passando de um a outro, os servirá" (Lc 12:37).
Usando as chaves para a interpretação dos textos sagrados sugeridas anteriormente, podemos assumir que o sentido esotérico da passagem é interior. O senhor é o Eu Superior. Os servos são os veículos inferiores. Felizes, pois, as almas cujos veículos inferiores estiverem vigilantes quando a Graça da chegada consciente do Cristo interior ocorrer. Nesse caso o senhor colocará estas almas à mesa e as servirá com o banquete celestial da sagrada Comunhão.
[1] St. Theophanis, o recluso, Four Sermons on Prayer, citado por R. Amin, A Different Christianity, op.cit., pg. 276.
[2] St. Hesychios the Priest, em The Philokalia (London: Faber and Faber, 1979), vol. I, pg. 187.
[3] Uma passagem do Dhammapada ilustra a importância da vigilância, ou plena atenção, para os budistas: "A vigilância é o caminho da imortalidade, o Nirvana. A negligência é o caminho da morte. Os vigilantes não perecem; os negligentes já estão como mortos." Op.cit., pg. 21.
[4] Georges da Silva e Rita Homenko, Budismo: Psicologia do Autoconhecimento (S.P.: Pensamento), pg. 147.
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