Estudando o Espiritismo

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quinta-feira, 19 de maio de 2011

SOU HOMOSSEXUAL E ME SINTO REJEITADO NO CENTRO ESPÍRITA


Lori Marli dos Santos
Há pouco tempo tive a alegria de conviver com um amigo que hoje mora nos Estados Unidos, e que muito me ensinou no terreno da homoafetividade. Homossexual convicto, jamais escondeu esta condição de ninguém e nem se ocultou por trás de uma solteirice duvidosa, esta, socialmente melhor aceita. Honesto, sincero e gentil, não recebeu, ao longo do tempo de nossa convivência, tratamento à altura de seu espírito generoso e sensível. Hoje está longe, porém não perdemos contato. Espírita no Brasil, penou sem conseguir ir além dos estudos no centro que freqüentava. Nos Estados Unidos a coisa não está sendo diferente. Permanece nos "estudos", uma espécie de purgatório que os espíritas inventaram para aqueles que eles consideram inapropriados aos trabalhos habituais de um centro.
Em homenagem a ele, meu amigo Fábio*, 
eu escrevi a crônica abaixo e que serve para ilustrar meu pensamento e também minha indignação frente ao preconceito que varre para fora de muitas casas espíritas trabalhadores que não exibem o perfil considerado ideal: héteros, de preferência casados, formados, bem sucedidos e equilibrados... Estes trabalhadores "diferentes", buscando a fonte espírita com o mesmo encantamento e esperança que qualquer um de nós, descobrem muito cedo que, também ali, Deus faz triste e injusta divisão entre seus filhos....
Eis a crônica. Gostando dela e tendo algo a dizer, diga-o por favor em nosso Fórum (link logo abaixo). Com certeza será de grande ajuda e conforto a muitos outros amigos que, iguais a Fábio, buscam caminhos mais tolerantes e compreensivos, que os ajudem a viver a vida com mais dignidade, confiança e alegria.
"Fábio é meu amigo do peito. Confidência é com a gente mesmo. Abusado, ele me tira do sério, muitas vezes, mas nada que abale a sincera amizade de mais de quinze anos.
Quando me visita, passamos horas agradáveis, divertidas, porque vamos combinar uma coisa: os gays tem um senso de humor inimitável! No caso do Fábio, basta ele abrir a boca para que a gente caia na gargalhada.
Certo dia ele me apareceu com expressão de "Mister Bean"*, ou seja, cara de quem está tramando algo na cachola.
Não demorou, saiu:
- Nós vamos acabar com as mulheres! - exclamou, maldoso.
Não consegui sufocar a risada que ecoou na sala, incontida.
- Ha! Ha! Ha! Ha!... Que meda!
- Vamos sim! Vamos acabar com as mulheres!
- Até comigo, Brutus?
- Não, claro que não! Você é minha amiga!
Sim... Mas você não falou que vão, você e não sei quem mais, acabar com as mulheres?
- Nós vamos acabar com as malditas. Vamos varrê-las do mapa!
A expressão de Fábio, bem assim como sua inocente, muito embora tenebrosa determinação, me fizeram rir até chorar.
Santa ignorância, meu Deus!
- Cuidado com a lei de ação e reação!... - ameacei. - Se você der cabo nas "malditas" - ou seja, nas bonitonas, o que vai ser de você na próxima encarnação? Quer reencarnar uma barangona, quer?
Fábio levou um susto sem tamanho. E despertou de seu rápido delírio, aliás, o terceiro só naquela semana. Ele surta o tempo todo, uma forma de não dar o braço a torcer à vida que ele busca, graças a Deus, compreender desesperadamente. Tem traumas gerados pela não-aceitação da sua homossexualidade pela família, das chacotas na infância, do desprezo social na adolescência. Oriundo de uma geração anterior à essa atual, que vem recebendo tratamento mais digno e civilizado, ele guarda no coração feridas que por ora não se pode ainda aquilatar.  A isso tudo Fábio responde com surtos, criando personagens hilariantes, ou com piadas que quase nos matam de rir, a mim e aos seus demais amigos, que ele é muito querido e jamais está só. Sobre os surtos já o aconselhei a colocar no papel essa imaginação extraordinária. "Você ainda vai ganhar muito dinheiro com ela, viu?" A resposta veio rápida, com trocadilho e tudo: "Tá, vou escrever um novo Harry P..."
Voltando ao susto que ele levou sobre a possibilidade de renascer mulher, mesmo sendo espírita, Fábio nunca se deteve neste tipo de pensamento. Seus conflitos, apesar de certa angústia íntima, não chegam a tanto.
- Já pensou nisso? Que a sua homossexualidade certamente é condição passageira? Que em uma próxima encarnação você pode voltar a ostentar um corpo feminino? - arrisco, sem muita certeza. Afinal, não sei porque a alma feminina (sem dúvida alguma),de meu amigo está habitando um corpo masculino. Aliás, corpão. Fábio, como muitos gays, é extremamente bonito.
Pasmo, ele ficou um tempão com os olhos esbugalhados em cima de  mim, parecendo gostar da idéia.
Então decidiu:
- Bom, nesse caso, não vou mais aniquilar maldita nenhuma.
Assim eram os meus momentos com Fábio. Leves, divertidos, e onde aprendi a rir mais e a me estressar menos, por conta de ninharias. Com ele aprendi coragem, persistência, perseverança. Os gays, tendo as maiores alegrias da vida proibidas ou censuradas, aprendem a olhar espinheiros como se fossem jardins floridos, trocam com maestria a amargura pela piada e respondem ao "não" momentâneo da vida com o "sim" de uma alegria peculiar de ser e se comunicar.
E digo mais: amor próprio e satisfação com o espelho, isso aprendi com ele também. Porque se tem alguém que se olha com gosto no espelho e se adora, esse alguém é o meu amigo Fábio, gay assumido, louco de pedra, poeta de tudo um pouco... mas, infelizmente... um espírita decepcionado.
Puxa, estava tão perfeito!
Mas é isso mesmo. Fábio vem encontrando grandes dificuldades em se estabelecer novamente, ou em encontrar seu lugar no centro espírita que freqüenta agora nos Estados Unidos, pelo fato de ser homossexual.
Exatamente como foi no Brasil.
E, apesar do tempo e da dedicação, ainda não obteve permissão para dar passes, muito embora sua grande vontade.
- O que será que eles pensam que faço com as mãos, em? - perguntou certa feita, revoltado.
- Pensam nada, Fábio, pensam nada! - repreendi, porém no fundo sempre tive sérias dúvidas sobre o que é que eles (os dirigentes e coordenadores em geral), pensam de fato.
Na semana passada ele me escreveu desabafando: "Já terminei o curso de médiuns mas até agora não surgiu uma cadeirinha vaga nas muitas mesas que tem por aqui. Porque não posso trabalhar? Sabe que a Myrtes (coordenadora) disse ontem, quando a questionei sobre isso? Que talvez eu devesse apenas estudar, por enquanto, sem desejar algo além. Disse que sou uma pessoa maravilhosa, que ela gosta muito de mim, e etc. e tal, mas que por enquanto não pode me recomendar para trabalho nenhum!"
Fiquei com muita pena. Compreendi, num relance, o pensamento da coordenadora: Fábio, por ser homossexual, não pode, ou não deve, exercer qualquer atividade dentro do centro, conformando-se em apenas estudar, estudar muito para compreender que sua homossexualidade não é algo normal, e por isso mesmo, por ser força em desequilíbrio, o desabilita a serviços mais "elevados".
E prosseguiu no desabafo:
"Uma bicha conformada. De cabeça baixa. É isso o que querem? Mas eu não quero isso para mim, não mesmo!... Ah, mas que droga de vida!... Não sou nenhum doente, só sou gay... O que há de tão errado nisso? Por que os espíritas não lêem as mensagens de Emmanuel e André Luiz* sobre o assunto? Por que não lêem Chico Xavier? Sempre procurei me tornar uma pessoa melhor, como recomenda o Espiritismo, mas deixar de amar, de me relacionar com os outros... péra aí, isso não! Um dia, quem sabe, mas por enquanto... não!"
Sim... Solidão para que? Por que? O Espiritismo não recomenda a solidão, a não ser que ela tenha alguma utilidade para o bem geral... Está no O Livro dos Espíritos, questão 766 e seguintes... Mas os espíritas parecem ignorar isso propositadamente; o preconceito, o horror ao "diferente" fala mais alto, em todas as ocasiões. Então recomendam abstinência, celibato e solidão (morte social) aos desiguais, sem cogitar de experimentar semelhantes disciplinas em si mesmos, para verificar sua real utilidade.
Fábio também me contou que, enquanto fazia o curso de médiuns aqui no Brasil, certa feita quis ajudar o orientador. Vendo-o sofrido a equilibrar inúmeros livros, na pequena biblioteca, e que seriam usados na aula, para lá dirigiu-se com essa intenção. Mas o instrutor, ao vê-lo, ficou vermelho feito uma pimenta e o dispensou rudemente, chamando em seu auxílio um outro rapaz do grupo.
- Me senti muito mal... - desabafou Fábio. Pela reação do cara, acho que ele pensou que eu estava interessado nele, que... Mas eu só queria ajudar, só isso!
Os companheiros, depois disso, passaram a externar um certo constrangimento, sempre que em sua presença.
"Se o "seu" Alberto (instrutor), e os demais dirigentes, tivessem uma cabeça melhor, acho que ninguém se importaria com a minha homossexualidade. Mas veja bem: como na cabeça deles eu não sou homossexual, sou bicha mesmo, então os demais ficam sem saber como agir. Tenho certeza de que ninguém me queria mal lá dentro, mas por culpa desse preconceito velado, eles também não abriram espaço para que eu fosse quem eu sou, de verdade, que trabalhasse como todos os demais sem receio de nada... Acho que eles tinham medo de que eu acabasse desmunhecando, dando uma de louca de repente, aquela coisa de bicha alucinada de programa de televisão. Coisa idiota!...
- Ah, e eu queria tanto dar passes e ajudar os desencarnados em perturbação!..." - finalizou Fábio em sua mensagem, num arroubo inocente, sincero.
Fico pensando então em Jesus e nos seus seguidores, homens e mulheres; penso nos apóstolos... Em momento algum encontramos, nas Escrituras, referências à algum impedimento devido a sua sexualidade. Pelo contrário, as mulheres ditas "pecadoras" eram incentivadas a buscar uma vida mais digna, mas sempre em companhia do Mestre, não longe dele, nunca proibidas de receber a sua influência renovadora... Todos eles, Mateus, Marcos, Pedro, João, Marias e Madalenas eram homens e mulheres do povo, pessoas comuns, com defeitos e qualidades inerentes ao ser humano. Convidados pelo Mestre a segui-lo na disseminação do Reino de Deus, eles o seguiram, simplesmente, com confiança e alegria. Não eram anjos, mas disso Jesus não cogitou, em momento algum.
Por que então os homossexuais são tão mal recebidos nos centros espíritas? Por que eles precisam ocultar sua condição, sob o risco de serem discriminados no próprio local que, em princípio, deveria lhes ensejar a melhoria espiritual, como a qualquer um de nós?
Para finalizar, deixo aqui a todos os leitores desta singela crônica, uma questão de O Evangelho Segundo o Espiritismo, que Fábio tanto ama ler, em homenagem ao seu coração, belo e radioso, não obstante os julgamentos que já encontrou e ainda encontrará em seu caminho: "Lembrai-vos daquele que julga em última instância, que vê os movimentos íntimos de cada coração e que, por conseguinte, desculpa muitas vezes as faltas que censurais, ou reprova o que relevais, porque conhece o móvel de todos os atos. Lembrai-vos de que vós, que clamais em altas vozes anátema, tereis, quiçá, cometido faltas mais graves. (Item 16, Cap. X)
Lori Marli dos Santos
Instituto André Luiz
lori@institutoandreluiz.org
*Nome fictício.
** Mister Bean (Rowan Atkinson) é o personagem engraçadíssimo do seriado homônimo. (http://www.rowanatkinson.org/)
*** Veja aqui no Canal Aberto as mensagens destes Benfeitores sobre "Aborto" e "Homossexualismo".

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