Chamam-se pessoas duplas aquelas que podem ser vistas em dois lugares ao mesmo tempo. Normalmente, tais fenômenos sucedem com os médiuns desenvolvidos ou com pessoas com quem tais fenômenos acontecem espontaneamente. Aksakof, em seu livro clássico Animismo e Espiritismo (p.256) narra um caso dos mais interessantes.
Conta Aksakof que, em 1845, na Livônia, perto de Volmar, havia uma escola para moças chamada Neuwelcke. Entre as professoras deste colégio, havia uma, por nome Emília Sagée, natural da cidade de Dijon. Logo depois que a professora Emília iniciou suas tarefas docentes, começaram a surgir certos boatos estranhos: uma aluna dizia tê-la visto no jardim ao mesmo tempo em que outra jurava que ela estava na biblioteca. Vejamos o texto de Aksakof:
(...) Mas as coisas não tardaram a complicar-se e tomaram um caráter que excluía toda a possibilidade de fantasia ou de erro. Certo dia em que Emília Sagée dava uma lição a treze dessas meninas, entre as quais a jovem Güldenstubbe, e que, para melhor fazer compreender a sua demonstração, escrevia a passagem a explicar no quadro-negro, as alunas viram, de repente, com grande terror, duas jovens Sagée, uma ao lado da outra! Elas se assemelhavam exatamente e faziam os mesmos gestos. Somente a pessoa verdadeira tinha um pedaço de giz na mão e escrevia efetivamente, ao passo que seu duplo não o tinha e contentava-se em imitar os movimentos que ela fazia para escrever. (Aksakof. op. cit. Vol. II, Cap. IV, item III, p.257-258).
Estes acontecimentos repetiamse com alguma regularidade a ponto de a direção da escola despedi-la, já que aquela faculdade misteriosa de desdobramento inconsciente causava às alunas profunda inquietação.
A bilocação é um fenômeno bastante antigo e autores clássicos a ela já faziam referência. Suetônio em seu livro A Vida dos doze Césares e Tácito nos Anais falam em pessoas que foram vistas em dois lugares ao mesmo tempo. No seio da Igreja Católica também se verificaram vários exemplos de pessoas duplas. Os mais conhecidos são os de Santo Afonso Maria de Liguori (1696-1787), Antônio de Pádua (1195-1231), Francisco Xavier (1560-1663) e Maria de Jesus Agreda (1603-1665).
Iniciemos por Santo Afonso. Em seu livro História de Saint-Alphonse de Liguori, J.de Girord narra passagens das mais interessantes. Um dos episódios mais impressionantes é o seguinte: no dia 21 de setembro de 1744, Santo Afonso, como era de seu costume, rezou sua missa. Depois retirou-se para seu quarto, sentouse em uma cadeira e adormeceu. Ficou neste estado cerca de dois dias, parecendo vítima de um desmaio prolongado. Um dos serviçais da igreja tentou acordá-lo, mas Nicolas Rufino, o vigário geral, que conhecia bem o santo, não permitiu que o fizesse.
Ao final do segundo dia, o santo abriu os olhos e comentou que não estivera adormecido, mas havia deixado o corpo para ir assistir o papa Clemente XIV que estava para morrer. Todos ficaram surpresos com aquelas palavras, entretanto, dias depois, veio a notícia de que Clemente XIV havia deixado a vida do corpo físico exatamente no dia 22 de setembro de 1744.
O caso de S. Francisco Xavier não é menos notável. Em 1571, Francisco viajava para a China em um pequeno veleiro. À noite, a lua desapareceu, grossas nuvens negras acumulavam-se no céu, o vento soprou forte, fazendo jogar o navio perigosamente. O medo apoderou-se da tripulação. Quinze marinheiros decidiram, então, abandonar o navio em uma chalupa. Os ventos, cada vez mais fortes, afastaram o veleiro da frágil embarcação. Quando a borrasca passou, os tripulantes do navio mostraram-se preocupados com os homens que se haviam confiado ao mar borrascoso. Francisco Xavier, todavia, os tranqüilizou, dizendo que os homens seriam encontrados sãos e salvos dali a três dias, o que, de fato, aconteceu. O incrível desta história é o fato de que, após recolhidos ao veleiro, os homens garantiram que haviam sido salvos por Francisco Xavier que aparecera na chalupa, manobrando-a com habilidade e, assim, impedindo que a pequena embarcação afundasse. No veleiro todos se maravilharam, pois o religioso havia passado todo aquele tempo imerso em preces pela salvação do barco.
Santo Antônio de Pádua é também personagem de diversas narrativas sobre bilocação. Em certa ocasião, quando era guardião em Limoges, durante a semana santa, Antônio pregava na igreja da cidade de São Pedro dos Quatro Caminhos; sua voz firme, mas doce, ia espalhando as palavras de vida eterna. Enquanto isso, no convento dos frades menores, cantavamse as matinas do ofício do dia. Santo Antônio era esperado para ler uma das lições matinais.
Já os frades haviam chegado à lição que Santo Antônio deveria ler, quando ele, de repente, apareceu no seio do coro e, em voz solene, pôs-se a cantar a lição. Todos os frades presentes ficaram espantados, porque sabiam que a essa hora, ele estava ocupado em um arrabalde a pregar ao povo. O poder de Deus fez com que, no mesmo instante, ele estivesse com seus irmãos no coro onde cantava uma lição e na igreja de S. Pedro, no meio da multidão, sobre a qual espalhava as sementes do Evangelho. (A Vida de Santo Antônio. p.72- 73. Apud. Clovis Tavares. Mediunidade dos Santos. p.145)
O mesmo relato é feito por um outro biógrafo de Antônio de Pádua. Vejamos esta versão:
Na época em que o santo dava aulas aos frades de Montpellier, deu-se o seguinte: achava-se ele na igreja repleta, pregando ao povo e aos eclesiásticos. Nem bem havia iniciado a sua pregação, quando se lembrou de que deveria estar na sua igreja para cantar um versito, tarefa que ninguém estava preparado para desempenhar, visto ele não ter se lembrado de dar o encargo a ninguém. Sentou-se, então, no púlpito como se fosse descansar como fazia habitualmente e cobriu o rosto com o capuz. Neste mesmo tempo, os frades do coro do convento viram-no aparecer e cantar o aleluia. (Apud. Tavares.op. cit.p.147)
O caso mais conhecido, porém, dentre as bilocações deste santo, foi o seguinte: estava Antônio na cidade de Pádua, na Itália, quando teve notícias de que, em Lisboa, familiares seus estavam sendo acusados de um crime pavoroso. Antônio, preocupado com o rumo dos acontecimentos, deixa seu corpo em Pádua e se transporta para Portugal. Ali, entra no tribunal e faz a defesa do acusado.
Tais faculdades paranormais ou mediúnicas, aliadas às qualidades morais, foram responsáveis pela canonização de muitos santos da Igreja Católica, pois, estes eventos, tidos como milagres, pareciam ser uma espécie de privilégios que Deus concedia aos seus eleitos. Tempos mais tarde, a Doutrina dos Espíritos viria lançar luzes sobre estes e outros fenômenos mediúnicos.
Allan Kardec conta que, tendo interrogado um espírito a respeito de Santo Afonso de Liguori, obteve a seguinte resposta:
(...) O Espírito encarnado, ao sentir que lhe vem o sono, pode pedir a Deus lhe seja permitido transportar-se a um lugar qualquer. Seu espírito ou sua alma, como quiseres, abandona, então o corpo, acompanhado de uma parte de seu perispírito, e deixa a matéria imunda num estado próximo do da morte. Digo próximo do da morte, porque no corpo ficou um laço que liga o perispírito e a alma à matéria, laço este que não pode ser definido. O corpo aparece, então, no lugar desejado. Creio ser isto o que queres saber. (Kardec. O Livro dos Médiuns. Cap. VII, item 119, 1º).
O espírito consultado explica ainda que, de acordo com o grau de elevação do espírito, pode este tornar-se tangível à matéria. A seguir, Kardec pergunta ao espírito se é indispensável o sono para que a bilocação se manifeste. A resposta é a seguinte:
A alma pode se dividir, quando se sinta atraída para lugar diferente daquele onde se acha seu corpo. Pode acontecer que o corpo não se ache adormecido, se bem seja isso muito raro; mas, em todo o caso, não se encontrará num estado perfeitamente normal; será sempre um estado mais ou menos estático.(Kardec. op. cit. Cap. VII, item 119, 3º)
Assim, a bilocação, do ponto de vista da Doutrina Espírita, deixa de ser um milagre, uma espécie de privilégio que Deus concede a alguns poucos bemaventurados para se tornar um modo de ser do espírito humano. A projeção do corpo fluídico a distância nada tem de maravilhosa e nem mesmo de sobrenatural; muito pelo contrário, é um fenômeno físico, objetivo que pode ser provocado pelo próprio médium como parece ser o caso de Santo Antônio; ou ser espontâneo e inconsciente como no exemplo de Emília Sagée.
Deste modo, o Espiritismo procura imprimir a este e outros fenômenos semelhantes um grau de racionalismo e empirismo que os religiosos e os materialistas, por motivos diferentes, procuram negar. Mostrando que o que se tem por maravilhoso ou produto de milagre é apenas aquilo que o homem não consegue explicar racionalmente, o Espiritismo se inscreve na tradição racionalista do Ocidente e oferece ao homem a esperança de buscar as verdades do espírito, não na floresta escura do dogmatismo, mas nas especulações filosóficas e no rigor das experiências de laboratório.
Fonte: História das Idéias e dos Fenômenos Espíritas. Ed. Leymarie.
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