Estudando o Espiritismo

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sábado, 7 de setembro de 2019

O último requinte da vaidade


DAVILSON SILVA
davsilva.sp@gmail.com
São Paulo, SP (Brasil)


O último requinte da vaidade


Se alguém diz: modéstia à parte, logo, denota falta de modéstia... “O último requinte da vaidade é a falsa modéstia“, frase do célebre ensaísta e moralista francês Jean de La Bruyère (1645/1696). Com base na mencionada máxima do notável escritor, compomos: “A falsa modéstia não passa de virtude ostentosa“. Aliás, virtude ostentosa é ótimo! Tremendo contrassenso igual a este: caridade orgulhosa...

De contínuo, isso me fez lembrar uma fábula (1),  tendo como figura principal bizarra criatura onívora e cursora, ave estrutioniforme do gênero Struthio, a maior delas, de asas rudimentares, com apenas dois dedos em cada pé, oriunda das zonas semidesérticas da Arábia e África: a avestruz.

Reuniram-se diversos tipos de aves para um encontro recreativo, num determinado local da floresta. Entrementes, em conversa animada e fraterna, após encomiásticas referências às aves-do-paraíso, aos canários, beija-flores, periquitos e papagaios, comentou-se sobre a beleza, a agilidade, a astúcia e a elegância do voo das águias. Dada a palavra à avestruz, partícipe também do encontro, disse ela:

— Jamais serei como uma águia!

As colegas ovíparas e emplumadas entreolharam-se, experimentando súbita admiração por aquele ato de modéstia. Porém, ela estragou o gesto, ao acrescentar:

— É. Eu não só voo perfeitamente como também posso caminhar e correr qual perfeita e exímia velocista!

Brilho apagado

À vista do até aqui exposto, dizemos que toda pessoa apontada por suas atitudes de arrogância há de surpreender desagradavelmente aos que lhe dão ouvidos. Esse tipo de pessoa, pela antipatia que provoca, perde o respeito até de quem a estima. A ausência de modéstia é uma falha que, a propósito, mancha todos os pensamentos delicados. Alojada no íntimo, ela sufoca as virtudes, apaga o brilho de toda qualidade moral.

Por sua vez, o portador dessa tola vaidade não deixa de se decepcionar por não poder fruir de um carinhoso e franco agradecimento pelo benefício, por algum serviço que prestou. Depois de um obséquio, principalmente, após um gesto nobre, se alguém se deixa levar por tal exibicionismo, querendo se impor, forçando elogios, é digno de pena; revela sobremodo pouquíssima elevação espiritual.

Modéstia: o inverso da vaidade que jamais deve permanecer no íntimo de quem se diz cristão, especialmente, espírita. Afirmou o Espírito François-Nicolas-Madeleine:   “Não  imiteis esse homem que se apresenta como modelo e se gaba das próprias qualidades para todos os ouvidos tolerantes“ (2).

Segundo essa mensagem dada em Paris, França, 1863, muitas vezes, quem se apresenta como modelo, e ainda por cima se gaba do que faz, quase sempre esconde “pequenas torpezas e odiosas fraquezas“. A vanglória de uma qualidade, de uma aptidão, da inteligência que se supõe ter, provém do sentimento de orgulho.

É compreensível

Não que seja errada a íntima sensação de euforia, seguidamente ao se despender com generosidade um bem. É compreensível sentir-se profundo e demorado contentamento ao se minimizar a dor, a carência do próximo, por torná-lo feliz, em outras palavras ressaltadas pela Entidade da referida mensagem. Conforme ela, trata-se de intenso júbilo do fundo do coração. Mas, contrapondo, disse que, desde o instante em que esse júbilo se exteriorize a fim de auferir elogios, degenera em amor-próprio.

Amor-próprio, por extensão: vaidade, não passa de orgulho que faz o insensato acreditar que possui supostas virtudes, e o orgulho está vinculado ao egoísmo, origem de todas as misérias deste mundo. Portanto, a falsa modéstia é decorrente do orgulho e egoísmo, e, neste caso, necessário se torna saber se estamos em falta com a modéstia antes que nos igualemos à avestruz da narração sobredita. Se quisermos ser mesmo virtuosos, perseveremos em pensar, meditar, submetendo-nos a um autoexame profundo e sincero, com o propósito de não decepcionarmos os outros e sermos malvistos como indivíduos antipáticos pelo alardeio, pela vanglória e arrogância que nos caracterizem.

Em suma: a falsa modéstia nada mais é que hipocrisia, ou impostura de uma virtude. E qual o antídoto da vaidade? Segundo o Espírito Georges: a prece (3). Para se vencer essa tolice, é preciso valer-se da prece, mas, é claro, da prece sincera, e da efetiva vigilância de pensamentos e sentimentos. “Vigiar e orar“, indicou Jesus... Qualquer um pode utilizar-se de judicioso expediente, se, de fato, quiser ser feliz, ainda que, neste mundo, tenha esta ou aquela crença. E os espíritas — especialmente os espíritas! —, sabemos como ninguém que a única grandeza reconhecida por Deus é a humildade e que só serão reconhecidos pelo Altíssimo através dos esforços empregados no combate ao referido defeito que deslustra e enfraquece a força de todo ato generoso (4).

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1) A partir de um breve texto do poeta alemão Christian Friedrich Hebbel (1813/1863).

2) KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo. Tradução Herculano Pires. 62. ed. São Paulo: Lake — Livraria Allan Kardec Editora, 2001. Cap. 17, item 8, p. 228.

3) KARDEC, Allan. Revista Espírita: jornal de estudos psicológicos (1860). São Paulo: Edicel — Editora Cultural Espírita Ltda., s/d., p. 197.

4) Idem. O Evangelho segundo o Espiritismo. Trad. H. Pires. Cap. 17, item 4, p. 224.

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