Trabalho: Solidariedade e Tolerância
A vida moderna nos impõe, por toda parte, um ritmo alucinante que a todos vai levando de roldão, gerando desequilíbrios emocionais e frustrações que recaem sobre grande parte da humanidade. A impressão é de que somos, na realidade, verdadeiros degredados da felicidade, condenados em um campo de trabalhos forçados, sob permanente vigilância dos carcereiros e dos próprios companheiros, gladiadores como nós nessa frenética competição pela sobrevivência. No fim das contas, parece que a regra é: “Aqui quem não trabalha não come!”
Para abertura desta reflexão, começamos pela indagação: “Na Doutrina Espírita, ‘trabalho’ tem o mesmo conceito que encontramos no comércio, na indústria, na prestação de serviços, nos órgãos governamentais?” Como seria o tratamento desta questão vista no contexto da Lei Divina ou Natural, eterna e imutável, a lei fundamental da alma humana? Considere-se, nesse sentido, que estamos em busca de referenciais básicos para as normas da vida, presentes na consciência das pessoas, ensinadas não apenas por palavras, mas principalmente pelos atos dos conhecidos profetas, afirmadas por Jesus, guia e modelo para a humanidade, leis escritas por toda parte, como palavras de sabedoria. Tratamos aqui de conceitos que se espalharam por toda parte, preparando o terreno para que pudesse receber a “semente”, leis escritas no livro da natureza, acessíveis aos homens de todos os tempos que as quiseram procurar, proclamadas por homens de bem. Essa verdade universal teria sido explicada e desenvolvida pela palavra dos Espíritos, em resposta às perguntas de Allan Kardec, em sua missão de “abrir os olhos aos cegos, confundir os orgulhosos, desmascarar os hipócritas”.
Afinal, o trabalho é uma lei da natureza; constitui-se uma necessidade. A própria civilização aumenta sempre as necessidades e os gozos do homem. Por trabalho, devem ser entendidas não apenas as ocupações materiais, mas também as ocupações do espírito. Aos animais, o trabalho provê sua conservação sem que os conduzam ao progresso. Entretanto, ao homem abrange também o desenvolvimento da faculdade de pensar, que o eleva acima de si mesmo, ou seja, ao crescimento espiritual. O trabalho, tal como o entendemos, transforma a terra, mas não necessariamente o homem, que, no fim das contas, é o valor máximo, seu centro dinâmico. É preciso examinar o trabalho no contexto da consciência humana, matriz de todas as construções para o futuro.
Por conta da mentalidade utilitária no cotidiano das atividades humanas – comerciais, industriais e de serviços -, o trabalho, um dom divino, foi transformado de maneira a moldar-se à nossa própria mentalidade, pela luta insaciável pela posse de bens, que nos gera uma sensação de sofrimento, resultado de nossas ações. A rigor, o trabalho não é uma necessidade econômica, mas uma exigência íntima de ordem moral. Seu conceito terá que evoluir desse sentido econômico para o “trabalho-função social”, função biológica construtiva, direcionando-se para o altruísmo, a utilidade coletiva, instrumento de construção eterna, não perecível, acumulação de capacidade com vistas à eternidade, mas não ao lucro ou vantagens imediatas e de curta visão, na mera construção temporal. É preciso amar o trabalho como disciplinador do espírito, escola de ascensão, necessidade absoluta da vida, imperativo da suprema Lei, impositivo do progresso espiritual: o espírito precisa nutrir-se a cada dia a partir da atividade profícua, reconstruir-se, realizar-se pelo mundo da ação construtiva, edificar-se.
Nesse contexto, qual o sentido da frase de Jesus: “Meu Pai trabalha sempre até hoje?” Essa afirmação de Jesus, quando os doutores da lei o interpelavam por haver feito uma cura em dia de sábado, não apenas ilustra quanto à natureza do trabalho espiritual que realizava, em sua passagem na Terra, como serviu de resposta enfática aos adeptos da antiga Lei judaica. Cumpre-nos estender o entendimento quanto ao trabalho à dimensão de manifestação permanente do próprio Criador, suprema inteligência do universo e causa primária de todas as coisas, estabelecendo um paradigma do trabalho em sua dimensão espiritual, convite à atitude do homem de elevá-lo ao nível de instrumento de libertação dos hábitos humanos que levam ao sofrimento, fazendo-o deixar a ilusão do mundo material para habilitar-se à vivência no plano da verdade, realidade espiritual. “Somente a consciência da Verdade liberta o homem dos males que a inverdade instalou em suas entranhas”. Esta a dimensão excelsa do trabalho.
A partir dessas considerações, seria possível ainda encontrar resposta para a indagação: “Há relação direta entre trabalho e evolução?” Também esta questão leva a considerações profundas sobre as relações entre o trabalho e a evolução espiritual do homem. Vale recorrer às reflexões de Huberto Rohden, resgatadas na publicação póstuma de seu livro Cosmoterapia, onde se destacam as seguintes assertivas:
I. O trabalho material não conduz à integração universal, mas sim à fragmentação, frustração da realização humana em sua busca da felicidade, realização existencial do homem.
II. Na dimensão cósmica se usam todas as expressões inerentes ao espírito, permitindo harmonizá-las com a evolução, em perfeita harmonia com as necessidades do mundo.
III. As realizações universais vêm assim em reforço à evolução da criatura humana. Semelhante atrai semelhante, grandioso princípio da homeopatia.
“Não pode haver fortalecimento dos laços sociais sem solidariedade.” A solidariedade é o fundamento a partir do qual se fortalecem as relações na sociedade. A ação solitária espelha as relações naturais do fluxo universal da vida, favorecendo a expansão do campo consciencial de cada criatura, em permanente sintonia com o Universo.
“Trabalho, solidariedade e tolerância”, bandeira da doutrina espírita. “Fora da caridade não há salvação” foi a legenda adotada por Kardec, sob inspiração espiritual, para resumir o pensamento dos espíritos. Desta forma, a caridade passou a representar a visão renovada pelas revelações transmitidas a partir do mundo espiritual. Em sentido amplo, essa virtude cristã se irradiou como raiz central para a fixação do Espiritismo no mundo, como a mais elevada expressão do amor universal, estimulando a expansão da consciência, em verdadeiro mergulho interior, mantendo-se como alento para meditação dos cristãos renovados. Nesse sentido é que se integram Trabalho, Solidariedade e Tolerância como verdadeiro estandarte para a doutrina espírita.
Autor (a): Ayrton Xavier
Revista Cultura Espírita – ICEB (Instituto de Cultura Espírita do Brasil) – Ano IV – Edição nº 39 – Página: 11 – Rio de Janeiro – Junho/2012.
Livros Pesquisados:
KARDEC, Allan – O Livro dos Espíritos – Tradução de Guillon Ribeiro – Edição nº 80 – FEB (Federação Espírita Brasileira) –
Questões: 614-617 – 621-626 – 674-677 – Rio de Janeiro – 1998.
KARDEC, Allan – O Evangelho Segundo o Espiritismo – Tradução de Guillon Ribeiro – Edição nº 106 – FEB (Federação Espírita Brasileira) – Questões: 614-617 – Rio de Janeiro – 1992.
UBALDI, Pietro – A Grande Síntese – Tradução de Carlos Torres Pastorino e Paulo Vieira da Silva – Edição nº 16 – Brasília – Editora Monismo Ltda,; Rio de Janeiro – Fundação Pietro Ubaldi – 1998.
Cap.: LXXIX, “a Lei do Trabalho”, página: 278
Bíblia, N.T. – João – Capítulo nº 05 – Versículo nº 17.
ROHDEN, Huberto – Cosmoterapia: A cura dos males humanos pela consciência cósmica – Edição nº 03 – Editora Martin Claret Editores – páginas: 49, 142 e 152 – São Paulo – 1988.
Nenhum comentário:
Postar um comentário