Estudando o Espiritismo

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terça-feira, 3 de junho de 2014

Pesquisa para futuras terapias com células-tronco embrionárias é contrária ao espiritismo?

Pesquisa para futuras terapias com células-tronco embrionárias é contrária ao espiritismo?

Apesar de o Manifesto, promulgado no V Congresso Médico-Espírita (1), ter sido contrário à utilização das células-tronco embrionárias, quer em pesquisas ou em terapias, mas, aprovando, quanto à utilização das células-tronco adultas, insistimos no tema, por conhecer muitos médicos favoráveis às pesquisas e utilização das células-tronco embrionárias e, também, por não conceber tal documento como posicionamento da Doutrina Espírita, ou seja, não se trata de uma posição do Espiritismo, e sim uma opinião institucional que será, futuramente, confirmada, ou não, pelos fatos.

Em face disso, e pela lógica do “óbvio”, todos nós espíritas sabemos que o processo reencarnatório, conforme nos ensina a Doutrina Espírita, tem início no momento da fecundação do óvulo (2), a partir do instante em que passa a existir vida, no processo biológico natural. Porém, deixa de ser tão “óbvio” e patente, como tentam impor alguns confrades, no processo artificial, ou seja, in vitro.

Outra situação óbvia é a de que qualquer tentativa de interrupção no desenvolvimento do futuro zigoto (no processo biológico natural), que é o ser humano em formação, constitui um crime. Situação, essa, completamente diferente do processo artificial (in vitro). Há instituições e pessoas que insistem, impertinentemente, nas explicações de fundo fundamentalista, de que os resultados das pesquisas, com as células-tronco embrionárias, são, ainda, incertos, inseguros, embora se apresentem, teoricamente, positivos. Sabemos que a Ciência, ainda, não comprovou que os resultados sejam os anelados, mesmo porque, na prática, existe um alto risco na geração de tumores, sendo passíveis de provocar rejeição. Ora, quaisquer pesquisas no campo da genética, ou em outros domínios do conhecimento, têm seu grau de risco, isso não somente vale para com as células embrionárias.

As células-tronco embrionárias são estudadas desde o século 19, embora, só há 20 anos, pesquisadores tenham conseguido imortalizá-las, ou seja, cultivá-las, indefinidamente, em laboratório. Para isso, utilizaram células retiradas da massa celular interna de blastocistos (um dos estágios iniciais dos embriões de mamíferos) de camundongos. Essas células são conhecidas pela sigla ES, do inglês embryonic stem cells (células-tronco embrionárias), e são denominadas pluripotentes, pois podem proliferar, indefinidamente, in vitro, sem se diferenciar, ou, também, diferenciam-se, uma vez modificadas as condições de cultivo. Por causa de suas capacidades, as células-tronco têm sido objeto de intensas pesquisas hoje, pois poderiam no futuro funcionar como células substitutas em tecidos lesionados ou doentes, como nos casos de Alzheimer, Parkinson e doenças neuromusculares em geral, ou ainda no lugar de células que o organismo deixa de produzir por alguma deficiência, como no caso de diabetes. Entretanto cabe dizer que a aplicação imediata ainda está longe. (3)

Dentro da retórica do ÓBVIO, todo espírita é, absolutamente, contra o aborto Não há justificativa alguma para ser favorável, mas, entre essa situação, e as pesquisas com células-tronco embrionárias, vai uma distância sem limites lógicos. Percebe-se que, na base dos movimentos contra as pesquisas, há uma carga egoísta, ou seja, os interessados em cargos políticos. Usam aqueles que se lhes submetem, para levantarem a bandeira do “pró vida”, através de festivais e de “passeatas”, e angariarem votos dos eleitores, a fim de que seus líderes permaneçam na mordomia dos altos salários de parlamentares. Percebe-se, igualmente, que, no inconsciente de certas lideranças espíritas, há um nítido atavismo vaticanista, dos que são artífices das ideologias ultramontanistas do “crê ou morre medievalesco”. Isso é fanatismo!

Percebemos uma postura reducionista da Associação Médico-Espírita que é contra a liberação dessas pesquisas com CTE, uma vez que, até o momento, não se pode ter certeza se existe, ou não, Espírito ligado ao embrião, segundo crêem. Porém, o bom senso nos impele a inferir que, no processo de fecundação artificial (in vitro), não estamos diante de um embrião que caracterize um ser humano; para tal, ele necessita estar ligado a um elemento espiritual. Sem a ligação espiritual, o óbvio nos sussurra que não temos uma vida humana, mas uma vida vegetativa. Nesse caso, os conceitos espíritas fazem cristalina diferenciação entre vida vegetativa e vida espiritual, consoante os insertos às questões 25, 62 e 354, de O Livro dos Espíritos. (4) Portanto, sem a presença do Espírito, ligado ao embrião, não há crime, assim, como, não existe crime ao retirarmos células do corpo, para estudo histopatológico, em uma biópsia. Também, não há transgressões às Leis de Deus em desprezarmos células do sangue, extraídas no método de sangria, de um doente que necessite desse processo.

Não existe, portanto, qualquer justificativa translúcida para que fertilizações in vitro (embriões congelados em laboratórios de reprodução humana), que serão objeto de descarte, sejam “masmorras para ulteriores reencarnações” destinadas a irmãos nossos do mundo espiritual que, obviamente, têm mais o que fazer, e com o que se ocupar.

Ainda que certo embrião, uma vez destruído pela retirada de uma célula-tronco, tivesse uma entidade espiritual, por um motivo qualquer, vinculada a ele, ainda, assim, é de se refletir: Onde existe maior crueldade? Manter um espírito, indefinidamente, ligado às masmorras das células inúteis em um laboratório, ou libertá-lo para eficazes reencarnações, fazendo com que suas poucas células sejam utilizadas em prol de milhares e milhares de espíritos reencarnados em luta com suas próprias dificuldades?

Afinal, embriões humanos congelados têm, ou não, espírito ligado a ele? A questão 356 de O Livro dos Espíritos explica que pode haver o desenvolvimento de gestação sem espírito. (5) André Luiz elucida o mecanismo desse processo, na segunda parte de o livro Evolução em Dois Mundos, considerando “que o molde perispiritual é o materno, dado pelo comando espiritual da mãe que deseja muito ter o filho.” (6) A propósito, a questão 136-a de O Livro dos Espíritos, reenfatiza:” (…) A vida orgânica pode animar um corpo sem alma (…)” (7) idéia, essa, que nos remete a refletir sobre a possibilidade de existir embriões sem que espíritos estejam a eles ligados. Mais ainda, não se estaria cometendo um grande equívoco espectar, apenas, milhares de vidas congeladas (descartáveis) a espera da morte? Vale meditar, mais profundamente, sobre esta questão!

O tema é complexo e muitas outras observações podem ser feitas. O assunto deve e pode ser debatido de forma inteligente, e livre do ranço religiosista impenetrável, levando-nos a conclusões futuras mais satisfatórias. Não adianta posicionamento radical, até porque, a proposta científica, aqui no Brasil, é a da utilização, em pesquisa, dos embriões excedentes nas clínicas de reprodução assistida. (8)

O geneticista Oliver Smithies, de 82 anos, prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 2007, tem alertado que o nosso País deve acelerar o processo de pesquisas com células-tronco, que já começou (graças a Deus!) com a anuência da Lei de Biossegurança pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Caso contrário, ficará para trás no processo científico mundial. Smithies trabalha com células-tronco, há mais de 20 anos, e afirmou, recentemente, em São Paulo, que “Um país que não tomar parte nas pesquisas com células-tronco embrionárias perderá a oportunidade de oferecer sua contribuição à humanidade.” Com sua experiência de 60 anos, como biólogo molecular, disse, ainda, que “Existe muita discussão sobre matar embriões. Mas, na verdade, trata-se de preservar a vida do embrião.” O cientista acredita que “Os primórdios de qualquer campo de pesquisa costumam ser controversos, mas, com o tempo, as restrições, inclusive religiosas, tendem a diminuir e desaparecer.” (9) Já vimos essa história antes, ou seja, a Igreja, batendo de frente contra as pesquisas científicas e a ciência, avançando e os dogmas, caducando.

Seguindo nosso argumento sobre a relação corpo físico/espírito, temos a pergunta 356, em O Livro dos Espíritos, onde nos ensinam que existem corpos, aos quais, nunca algum Espírito fora destinado, ou seja, há corpos físicos que se desenvolvem sem que haja a finalidade da reencarnação. (10) Se há um planejamento reencarnatório com o concurso de Espíritos superiores, por que estes especialistas do além iriam designar um Espírito, que tem provas a cumprir, a um conjunto de células que será, apenas, matéria orgânica, que não têm, em sua finalidade, a evolução da gestação? Essa é uma situação, no mínimo bizarra.

Cabe, aqui, explicar que há diferença entre células-tronco embrionárias e células-tronco adultas no tratamento de um paciente. As células adultas têm uma capacidade limitada de se transformarem em tecidos, já as células embrionárias podem dar origem a todos os tecidos do corpo humano.

Nos últimos meses, vários religiosos e especialistas vêm se reunindo, em várias partes do Orbe, para discutir esses avanços da ciência e suas controvertidas questões éticas. Alguns crêem ser um “aborto”. Não podemos desconsiderar que os Mentores espirituais, especialistas nessa área, são inteligentes o suficiente para saberem que tal, ou qual, óvulo será, ou não, destinado à produção de células-tronco para fins terapêuticos, e, portanto, que nenhum espírito deverá estar ligado a ele, magneticamente. Caso contrário, estaremos entronizando a força vigorosa da imprevisibilidade, do “acaso”.

Será que, hoje, aqueles que se opõem às pesquisas científicas, em questão, poderão garantir, com a máxima segurança, que, no futuro, não se beneficiarão dessa inovadora proposta de terapia humana? Diante destas questões tão polêmicas, é preciso que a sociedade como um todo se manifeste através de seus legisladores, e defina o que é socialmente aceitável no uso de células-tronco embrionárias humanas para fins médicos.

Inaceitável é impedir o progresso científico, baseado na premissa de que o uso do conhecimento pode infringir conceitos arraigados em dogmas estanques, medievais, ou morais, como matizes de defesa da vida. Aliás, existem muitos confrades que são “defensores intransigentes” das festivas marchas pela vida e negam, sistematicamente, um pedaço de pão ou um prato de comida à criança miserável e abandonada que esmola e implora atenção nas calçadas frias das grandes cidades.

Não podemos permanecer na ignorância. A ciência tem que atingir a finalidade que a Providência lhe assinou. Kardec ensina que nos instruímos pela força das coisas. As revoluções morais, como as revoluções sociais, se infiltram nas idéias pouco a pouco; germinam durante séculos; depois, irrompem subitamente e produzem o desmoronamento do carunchoso edifício do passado, que deixou de estar em harmonia com as necessidades novas e com as novas aspirações. (11) Para os que crêem que os pesquisadores estariam subvertendo a ordem divina ao manipular células-tronco embrionárias, importa que se sensibilizem diante desta grande verdade: transgressão à ordem da natureza é a criança subnutrida, cidades bombardeadas, atos terroristas, doentes sem tratamento, trabalhadores sem emprego. (12) Pensemos nisso.

Jorge Hessen

FONTES:
1 Carta de Princípios estabelecida no V Congresso Médico-Espírita (MEDNESP) – 28/05/2005
2 Kardec Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed FEB, 2002, questão 344
3 Lygia da Veiga Pereira, do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP).
4 Kardec Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed FEB, 2002 questões 25, 62 e 354
5 Kardec Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed FEB, 2002 questão 356
6 Xavier Francisco Cândido. Evolução em Dois Mundos, Ditado pelo Espírito André Luiz. 5ª Ed. 2 ª parte. Rio de Janeiro, RJ: Ed FEB, 1972
7 Kardec Allan. O Livro dos Espíritos, RJ: Ed. FEB, 2003, perg. 136-a
8 Talvez seja prudente e necessário que o Governo, através da ANVISA, exigir o cadastro dos embriões não implantados. Estabelecer uma melhor regulamentação na produção e no uso dos embriões, a fim de evitarem-se abusos nos excedentes. E óbvio que é importante que as clínicas de reprodução assistidas devam ser fiscalizadas para se coibir o crime de venda de óvulos ou a produção de embriões para a venda. Porém , se o problema é radicalizar, por que, então, não fechar as clínicas de reprodução assistida? Assim, o problema das células-tronco estaria resolvido. Os embriões excedentes não ficariam à mercê da ignorância de alguns, ou mesmo, os espíritos que, porventura, neles estivessem ligados, não permaneceriam presos a uma vida inútil, congelados, à espera da morte, conforme pensam os que têm interesses outros. Aí, diriam: Fechar as clínicas seria um absurdo! Por que? Isso constituiria um grande prejuízo para a classe médica?
10 Kardec Allan. O Livro dos Espíritos, Rio de Janeiro: Ed FEB, 2001, perg. 356
11 Comentário à questão 783 de O Livro dos Espíritos
12 Simonetti Richard. Reencarnação: Tudo o que você precisa Saber Bauru/SP ed. CEAC, 2003

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