Artigo de Marcelo Coimbra Régis - Dezembro de 2001
Nos últimos meses um tema que vem ganhando grande repercussão aqui nos Estados Unidos é a questão de se o governo norte-americano deve apoiar, através de financiamento federal, as pesquisas realizadas com a utilização de células-tronco (stem cells) de embriões humanos. Novamente o desenvolvimento da genética nos coloca frente às questões morais profundas, com o poder de modificar (ou seria atualizar) conceitos defendidos pelos espíritas.
Células-tronco
Células-tronco encontradas em embriões com até uma semana de vida, aparentemente constituem o material perfeito para que cientistas desenvolvam novos e poderosos tratamentos para diversos tipos de doenças.
As células-tronco embrionárias são células-mestre que podem se especializar e formar diferentes tipos de células e tecidos no organismo. Ou seja, a partir das células-tronco se formam outros tipos de células especializadas e presentes em diferentes tecidos do corpo humano. Devido a essa característica elas oferecem o potencial de regenerar órgãos ou tecidos lesados. O problema é que ao se extrair as células-tronco os embriões são mortos. Atualmente existem três métodos para a obtenção de células-tronco embrionárias:
1. Utilização de embriões em excesso encontrados nas clínicas de fertilização, ou seja, os embriões não usados nos processos de fertilização assistida;
2. Criação de embriões especificamente para a obtenção das células-tronco, através da fertilização in-vitro, com a utilização de óvulos e espermatozóides de doadores voluntários;
3. A clonagem. Uma vez desenvolvido o embrião, através dos métodos discutidos acima, os cientistas removem as células-tronco, matando os embriões. As células-tronco removidas são colocadas em um caldo rico em proteínas e enzimas onde podem crescer e se multiplicar. Os cientistas estão desenvolvendo técnicas onde é possível direcionar o crescimentos das células-troncos em células especializadas desejadas. Assim, para diferentes tratamentos seriam desenvolvidas, a partir das células-tronco originais, células sanguíneas, pancreáticas, nervosas etc. Essas novas células sadias seriam implantadas em pacientes receptores com diversos problemas. A esperança aqui é que as “novas” células (desenvolvidas em laboratório a partir das células-tronco) atuem terapeuticamente no receptor tratando doenças tais como Alzheimer, Parkinson, diabete, enfarte, derrame e lesão na medula espinhal.
Aonde começa a vida?
Apesar dos benefícios que tais pesquisas podem trazer e a possibilidade de salvar várias vidas, as pesquisas com as células-tronco embrionárias encontram fortes opositores. O fato de que a retirada destas células causa a morte dos embriões levantou a ira da comunidade religiosa, notadamente as de origem cristã. Afinal, o cristianismo determina que a vida começa desde a concepção, portanto, matar embriões humanos seria o mesmo que retirar vidas humanas.
É interessante notar que a definição do início da vida como sendo a concepção é um conceito relativamente novo na história da Igreja Católica, sendo definido como dogma apenas em 1869. Anteriormente essa questão teve várias interpretações condizentes com os conhecimentos científicos da época e das proposições teológicas de bispos e papas.
Aristóteles estabeleceu que um novo ser humano só existia após os primeiros movimentos do feto no ventre materno. Hoje sabemos que os primeiros movimentos perceptíveis no ventre materno ocorrem mais ou menos após 20 semanas da concepção. Porém, Aristóteles definiu como 40 dias o tempo para que um feto de sexo masculino ( 80 dias para fetos de sexo feminino) se manifestasse no ventre materno e por isso definiu esse como o ponto que marca o início da vida moral, ou o momento em que o feto adquire a alma. A regra dos 40 dias foi aceita em várias religiões, sendo que muitas a mantém até hoje. Judeus e muçulmanos ainda hoje ensinam que os embriões de até 40 dias não diferem muito da matéria inanimada e podem ser utilizados em pesquisas sem nenhuma consequência moral adversa.
No catolicismo tal regra foi pela primeira vez contestada em 1588, quando o Papa Sixtus V declarou que o aborto e os métodos anticoncepcionais eram pecados capitais, definindo que a alma se manifestava no corpo desde o momento da concepção. Apenas três anos mais tarde o Papa Gregório XIV trouxe a Igreja Católica de volta à regra dos 40 dias, como definido por Aristóteles. Tal posição se manteve inalterada até 1869, quando o Papa Pio IX retomou o conceito de que a ligação alma-corpo se dá no momento da concepção, definindo como passível de excomunhão o aborto e a contracepção. A partir daí tornou-se majoritária na Igreja Católica a idéia de que a alma se liga ao corpo desde o exato momento da concepçao até a morte do corpo. Recentemente, o Papa João Paulo II lançou um veemente apelo ao presidente Bush para que os Estados Unidos não patrocinassem as pesquisas com células-tronco embrionárias, alegando que estariam consolidando um crime e, portanto, comprometendo o desenvolvimento de uma sociedade moral.
A) Allan Kardec
344- Em que momento a alma se une ao corpo?
- A União começa na concepção, mas ela não se completa senão no momento do nascimento. Desde o momento da concepção, o Espírito designado para habitar tal corpo a ele se liga por um laço fluídico que vai se apertando, cada vez mais, até que a criança nasça; o grito que se escapa, então, da criança, anuncia que ela se conta entre os vivos e servidores de Deus.
346 – Que acontece para o Espírito se o corpo que escolheu morrer antes de nascer?
- Ele escolhe um outro.
- Qual pode ser a utilidade dessas mortes prematuras?
- As imperfeições da matéria são as mais frequentes causas dessa mortes.
353 – A união do Espírito e do corpo não estando completa e definitivamente consumada senão depois do nascimento pode-se considerar o feto como tendo uma alma?
– O Espírito que o deve animar existe, de alguma forma, fora dele. Ele não tem propriamente falando, uma alma, pois a encarnação está somente em vias de se operar; mas está ligado à alma que o deve possuir.
356- Existem natimortos que não foram destinados a encarnação de um Espírito?
Sim, há os que jamais tiveram um Espírito designado para os seus corpos: nada deviam realizar por eles. É, então, somente pelos pais que essas crianças vieram.
Em A Gênese, Kardec explora mais o tema, introduzindo o conceito de que o perispírito se liga ao óvulo fecundado desde a concepção e vai se ligando molécula a molécula ao corpo de acordo com o desenvolvimento do feto, culminando no nascimento quando a ligação é completa e irreversível.
B) André Luiz
André Luiz em Missionários da Luz descreve com detalhes o processo reencarnatório de Segismundo. No caso em questão os Espíritos acompanham, influem e dirigem todo o processo reencarnatório. Em linhas gerais o processo descrito por André Luiz se dá da seguinte forma:
1. Segismundo (o Espírito desencarnado) se prepara para sua reencarnação, reduzindo seu perispírito ao tamanho de uma criança. Tal redução ocorre anteriormente à fecundação.
2. Os mentores espirituais “entregam” Segismundo aos pais, num processo de assimilação mental.
3. Após o ato sexual, os mentores escolhem o espermatozóide mais conveniente para a fecundação, dirigindo seus influxos energéticos de forma que o mesmo tenha sucesso em fecundar o óvulo.
4. Nesse momento as atenções se voltam novamente para a forma reduzida de Segismundo, passsando os mentores a coordenar a ligação do perispírito ao óvulo fecundado.
5. Estando perispírito e óvulo ligados, o processo caminha normalmente até o nascimento.
À luz das pesquisas atuais a descrição acima é bem difícil de sustentar. Hoje centenas de óvulos fecundados não chegam a produzir nenhum ser humano, deixados que são nas clínicas de reprodução assistida ou em hospitais. Além disso sabemos que o óvulo fecundado pode se dividir em dois nas primeiras semanas após a fecundação, gerando os gêmeos idênticos. Sendo a alma ligada ao óvulo fecundado no momento da concepção e sendo a mesma indivisível como explicar o processo de nascimento de gêmeos idênticos? O segundo Espírito se ligaria posteriormente? Saberiam os Espíritos de antemão que aquele óvulo em particular produziria gêmeos?
Conclusão
Como sempre a posição exposta por Allan Kardec em O Livro dos Espíritos me parece a mais adequada. Minha interpretação de tais conceitos no Espiritismo é de que os embriões desenvolvidos para a pesquisa ou aqueles não utilizados pelos casais em processo de fertilizaçao assistida não possuem alma, sendo passíveis de destruição em prol da vida de outros. Ou seja, no âmbito da Doutrina Espírita não temos nenhuma consequência maior no fato de que vários embriões não cheguem a bom termo. Não estatriamos “matando” um ser, nem traumatizando o Espírito.
Novamente a conclusão aqui é que temos muito a aprender e que o Espiritismo e os espíritas devem acompanhar de perto a evolução da ciência. A realidade é que não sabemos quase nada do processo reencarnatório, nos prendendo apenas às descrições feitas por André Luiz há mais de 50 anos atrás. Nenhuma pesquisa de maior relevância foi levada a efeito. Poucas vezes temos solicitado aos Espíritos que descrevam o processo, e muitas vezes temos assumido como verdades opiniões e descrições particulares.
A marcha das pesquisas genéticas continuará forte, e é muito provável que o presidente Bush reafirme o patrocínio federal às pesquisas com células-tronco embrionárias. Se o Espiritismo não pode contribuir cientificamente pelo menos podemos tentar contribuir com nossa análise ético-moral, provendo nossa perspectiva sobre tais assuntos. O fórum sobre Espiritismo e Genética planejado para o VII SBPE foi muito apropriado e espero ter contribuído para o debate colocando “mais lenha nessa fogueira”.
Bibliografia
Kardec, Allan – O Livro dos Espíritos; A Gênese;
Xavier, F.C. – Missionários da Luz
Weiss, Rick – Stem Cell Dilemma in Maine Sunday Telegram, Sunday July 22.
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