Células Tronco e o Espiritismo
Plínio Mariano do Nascimento
A FECUNDAÇÃO
Uma criança é formada a partir da união de uma célula reprodutora da mãe (o óvulo) e uma célula reprodutora do pai (o espermatozóide). Quando um espermatozóide se une ao óvulo, forma-se a célula inicial de um novo ser. Esta célula é denominada ovo (ou zigoto) e se divide muitas vezes, originando outras células que, por fim, formam o embrião, e de seu desenvolvimento resulta o feto.
As células reprodutoras são formadas em órgãos especiais: os ovários, na mulher, e os testículos, no homem. Estas células reprodutoras, ao contrário das demais células do organismo, têm 23 cromossomas diferentes (um de cada par). Após a união do óvulo com o espermatozóide, a célula formada terá os 46 cromossomas da espécie humana.
Os cromossomas são longas seqüências de DNA (da sigla em inglês para o ácido desoxiribonucleico) que contém os genes. Estes últimos são os responsáveis pela transmissão das características físicas do indivíduo formado.
O óvulo (a célula reprodutora feminina) ao ser penetrado pelo espermatozóide (a célula reprodutora masculina) gera a célula denominada ovo e o processo é denominado fecundação ou fertilização. Na atualidade, a fecundação pode ser produzida em laboratório e a célula-ovo obtida pode ser implantada em um útero, com a finalidade de desenvolver a gravidez ou pode, simplesmente, ser congelada para uma eventual gravidez futura. Essas células -ovo ou os blastócitos gerados e congelados que os pesquisadores desejam utilizar, constituem as “sobras” que os casais em busca do auxílio da fertilização assistida, deixam nos laboratórios. Esses blastócitos, via de regra, não são utilizados e são destinados ao descarte.
O ovo constitui a primeira célula-tronco, ou seja, uma célula com capacidade de formar qualquer célula existente no ser completamente formado. Essa célula-tronco inicial se divide em duas, que se dividem em quatro, que se dividem em oito e assim sucessivamente até formar um conjunto de células que constitui o blastocisto. As células dos blastocistos são as células-tronco embrionárias, que tem motivado tanta discussão ultimamente, á luz da ética e dogmas religiosos.
CONSIDERAÇÕES DOUTRINÁRIAS
Não há referências ao uso experimental ou terapêutico das célulastronco nos textos e nas comunicações que se referem à Doutrina Espírita.
Desse modo, o exame do tema pelos seus adeptos, à luz dos ensinamentos doutrinários espíritas, apenas pode ser feito por analogias ou inferências. Essas, entretanto, são passíveis das interpretações imperfeitas a que estamos sujeitos, devido ao estágio de desenvolvimento em que nos encontramos. Nas obras que constituem os alicerces da Doutrina Espírita, O Livro dos Espíritos trata da vida, da reencarnação e das suas relações com a fecundação natural.
Examinando as questões 344, 358 e 880 de O Livro dos Espíritos, vemos que Kardec recebeu claros conceitos sobre a vida humana e suas origens:
Pergunta 344 (LE) - Em que momento a alma se une ao corpo?
R. “A união começa na concepção, mas só é completada por ocasião do nascimento. Desde o instante da concepção, o Espírito designado para habitar certo corpo a este se liga por um laço fluídico, que cada vez mais se vai apertando até o instante em que a criança vê a luz. O grito que o recém nascido solta anuncia que ela se conta no mundo dos vivos e servos de Deus”.
Pergunta 358 (LE) – Constitui crime a provocação do aborto, em qualquer período da gestação?
R. “Há crime sempre que transgredis a lei de Deus. A mãe, ou quem quer que seja, cometerá crime sempre que tirar a vida a uma criança antes do seu nascimento, por isso que impede uma alma de passar pelas provas a que serviria de instrumento o corpo que se estava formando”.
Pergunta 880 (LE) – Qual o primeiro de todos os direitos naturais do homem?
R. “O de viver. Por isso é que ninguém tem o direito de atentar contra a vida de seu semelhante, nem de fazer o que quer que possa comprometer-lhe a existência corporal”.
Ainda segundo a doutrina espírita, a paternidade e a maternidade são sempre decorrentes de vínculos pretéritos; o triângulo constituído por pai, mãe e filho resulta de uma continuidade necessária para todos os envolvidos na nova constelação familiar, onde, também, irmãos e parentes próximos são normalmente ligações de encarnações anteriores. A reencarnação é presidida por Espíritos Superiores que auxiliam o Espírito reencarnante nas escolhas dos pais e das eventuais provas a que deverá submeter-se ou das eventuais expiações que deverá sofrer.
A fecundação artificial, produzida pela fusão de um óvulo e um espermatozóide no ambiente de laboratório, com a finalidade imediata de congelamento e preservação, representa uma tecnologia nova, inexistente à época de Kardec. Esse fato permite supor que as perguntas formuladas em “O Livro dos Espíritos” referem-se especificamente à fecundação natural, única possível à época em que a Doutrina Espírita foi codificada.
Sabedores da intenção de imediato congelamento e preservação por tempo indeterminado da célula-ovo, é possível supor que os Espíritos Superiores não tenham contribuído para a programação reencarnatória em um blastocisto não destinado ao implante em um útero materno. Entretanto, esse argumento tem apenas um caráter especulativo.
Outros argumentos devem ser lembrados nessa discussão, como o desígnio de Deus, de que seus filhos permaneçam sadios e progridam em sua caminhada de aperfeiçoamento moral e espiritual, até alcançar o amor pleno e absoluto. Além disso, como os Espíritos Superiores nos tem asseverado, o conhecimento científico só é revelado ao Homem quando este se encontra em condições de compreendê-lo e utilizá-lo corretamente, em benefício da humanidade.
A convergência e a fusão entre a ciência e a doutrina espírita são inevitáveis e o processo teve início há bastante tempo. Entretanto, nas últimas décadas, tem acelerado seu ritmo inexorável. Não é improvável que o uso terapêutico das células tronco seja um dos pontos dessa convergência. As células (óvulo e espermatozóide) utilizadas para a fecundação artificial são produtos de doação e, sem dúvida, representam incomparáveis e sublimes gestos de amor ao próximo.
A ciência e a sociedade humana se defrontam com a necessidade de estabelecer se a fecundação ocorrida em um laboratório pela fusão de células reprodutoras doadas (óvulos e espermatozóides) para o congelamento da célula-ovo resultante, sob nossa ótica, representa o início de uma nova vida ou representa uma esperança de cura para doenças incapacitantes ou fatais.
Avaliado sob esse aspecto, talvez seja lícito considerar que o uso terapêutico das células-tronco destinadas ao descarte, após anos de criopreservação, pode ser analisado de um modo distinto e particular, não encontrando similitude em nenhuma forma de aborto.
Como tem ocorrido com os mais importantes progressos da ciência, Espíritos Superiores, através de médiuns de elevada reputação, oportunamente farão divulgar seus comentários que deverão ser entendidos como acréscimos doutrinários capazes de dirimir as dúvidas ainda existentes. Joanna de Angelis, em sua magistral obra “Dias Gloriosos” nos ensina: - Não obstante as incomparáveis realizações da ciência e da tecnologia, continuam desafiadores inumeráveis outros quesitos que aguardam solução nos laboratórios. ... Em outro trecho, Joanna refere: - “Lentamente, mesmo sem dar-se conta, os cientistas se tornam sacerdotes do Espírito e avançam corajosamente ao encontro de Deus e das Suas Leis, que vigem em toda parte.”
Esperamos que em um futuro não muito distante tenhamos soluções definitivas, capazes de atender a todos os interesses envolvidos, especialmente daqueles que, em suas cadeiras de rodas, anseiam por uma injeção de células capazes de devolver lhes os movimentos e a vida normal a que podem ter direito.
Somos favoráveis ao emprego das células-tronco adultas (removidas dos próprios pacientes) por não constituírem qualquer ofensa à moralidade, aos costumes, à lei ou à Doutrina Espírita. Somos também favoráveis ao uso científico das células-tronco dos blastocistos ou dos embriões criocongelados e abandonados pelos doadores, cujo destino final será o descarte e destruição. Não acreditamos que a espiritualidade superior, elevada a esse estado pelo sublime desenvolvimento do amor ao próximo, permita qualquer programação reencarnatória em um embrião destinado ao aprisionamento por anos, mediante os processos de congelamento e preservação artificiais, sem perspectivas de gerar um corpo físico.
Não se pretende criar a vida nos laboratórios. A ciência busca utilizar o conhecimento de algumas das forças criadoras de vida com o elevado intuito de amenizar o sofrimento de milhões de irmãos, cuja existência terrena é abalada pela presença de doenças graves e incuráveis. Além disso, o merecimento, apesar de todos os esforços que a ciência contemporânea possa empreender, jamais poderá ser modificado, porque faz parte da lei natural.
Fontes de Pesquisa:
Elias, Decio O. e Souza, Maria Helena L. As células-tronco e a bioética espírita
Luiz, André. Missionários da Luz, Psicografado por Francisco Cândido Xavier.
Zats, M. Clonagem e células-tronco. Estudos Avançados. 2004.
Zats, M. Biossegurança. Saiba mais sobre o assunto. Publicação do Senado Federal do Brasil, 2005.
Kardec, Allan. O Livro dos Espíritos. Ed. Petit, Paris, 1857.
Kardec, Allan. A Gênese. Ed. Petit, Paris, 1868.
De Angelis, Joana. Dias Gloriosos. Psicografado por Divaldo Franco.
E-mail: pliniomariano@yahoo.com.br
São Paulo, 18 de junho de 2009
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