Inúmeras são as atividades em um Centro Espírita, dentre elas pode-se ressaltar o estudo de temas doutrinários e, conseqüentemente, a aplicação prática daquilo que é aprendido teoricamente que é o auxílio àqueles que, ao menos aparentemente, se encontrem em situação mais precária, seja material ou emocionalmente. Todos os programas de trabalho são desenvolvidos com a única finalidade de promover a transformação íntima do indivíduo, porém, apesar de serem ferramentas poderosíssimas, o que é efetivamente capaz de produzir mudança do padrão comportamental será algo que somente existe dentro de cada um. Este algo é que necessita encontrar ambiente propício para entrar em ação.
Segundo este raciocínio, a principal função do Centro Espírita é propiciar condições para que o individuo encontre a si mesmo. Para o entendimento desta questão, faremos uso da teoria proposta por C. G. Jung sobre o que denominou de "individuação" e "persona" [1].
Em linhas gerais, a individuação seria o processo pelo qual o indivíduo se despojará de falsos invólucros da persona; enquanto que esta, por sua vez, seria a forma como este mesmo indivíduo se mostrará diante das diferentes situações nas quais se depara na vida cotidiana, escondendo, sob “pesadas fantasias”, o que realmente é. Em outras palavras, o nosso comportamento perante os diversos grupos sociais dos quais fazemos parte seriam como máscaras. Em cada situação nosso comportamento é condizente com o meio, seja por uma questão de medo ou para que possamos extrair algo de que se necessita ou que se queira.
Tomemos como exemplo o possível comportamento de um mesmo individuo em três momentos de sua vida:
- No Centro Espírita: durante sua estada naquele ambiente especial, seria bondoso, paciente, prestativo e solicito, pois, desta forma, poderia granjear a amizade e consideração dos outros integrantes.
- No ambiente doméstico: seria um tirano, promovendo o medo de seus familiares, pois, desta maneira, teria seus caprichos e vontades atendidas.
- No ambiente profissional: seria ardiloso, produzindo situações em que desmerecesse seus companheiros e, nestas oportunidades, posaria de superior para, então, tirar algum proveito ou galgar postos mais altos.
Caso os três comportamentos apresentados acima não sejam passageiros, fruto de uma perturbação momentânea ou de um simples ajustamento com uma nova conjuntura, persistindo por longo período de tempo, poderíamos dizer que existem três personas existentes na mesma psique. Em outras palavras, três personalidades ínsitas na mesma individualidade, sobressaindo aquela que for considerada a melhor para o estimulo recebido, que seriam o ambiente e as pessoas envolvidas com o local.
Percebe-se que, no exemplo exposto, o Centro Espírita funcionou como um catalisador para que uma persona especifica encontrasse campo propício para se mostrar e tornar-se conhecida do próprio individuo que, até entrar em contato com aquele modo de agir e pensar, desconhecia esta particularidade sua.
Todavia, enquanto o comportamento trino satisfizer suas necessidades e se sentir feliz com tal situação, não haverá motivo para que busque alterá-la. Com o tempo, que poderá ser mais ou menos longo, podendo, inclusive, durar mais de uma encarnação, o indivíduo tenderá a se cansar, pois a manutenção destas personas requer um gasto excessivo de energia. Além disto, o aprimoramento moral a que todos estamos fadados irá atingi-lo também. A partir deste momento surgirá o desconforto proveniente de comportamentos tão diferentes e inadequados, acenando que o momento da renovação há chegado.
Como o processo evolutivo do espírito ocorre gradativamente, o indivíduo em questão, inicialmente, não conseguirá homogeneizar suas atitudes. Por este motivo, diante de situações em que possa tirar algum proveito no ambiente profissional, por exemplo, aquela persona especifica, que ainda está presente, surgirá com toda a força, independentemente da sua nova disposição. Após alguns fracassos na tentativa para controlar aquela componente de sua individualidade que se quer anular e que passou a ser um visitante indesejado, poderá considerar impossível a mudança e, por isso, desistir do esforço. Caso isto ocorra, será necessário um período de tempo ainda maior para que, através de experiências ainda mais desagradáveis que fatalmente advirão, segundo a lei de causa e efeito, novamente busque a conciliação dos seus atos.
Porém, persistindo em sua intenção de transformação, a cada momento sentirá mais desconforto pelo seu comportamento trino, promovendo, desta forma, o fortalecimento daquela persona pela qual optou para suplantar as outras, até que ela esteja suficientemente fortalecida e, conseqüentemente, as outras enfraquecidas, para, então, sobressair em todos os momentos.
Sob este prisma, pode-se facilmente compreender que antes de alguém se decidir por uma tendência específica de comportamento, é preciso, antes de tudo, que esta lhe seja conhecida. Poderá, desta forma, experienciar as benesses que possam lhe propiciar umas e os malefícios de outras posturas que lhe são comuns. Em suma, é necessário o mínimo de autoconhecimento. Sendo filhos de Deus e estando fadados a perfeição relativa, somente se alcançará a plenitude, estado de perfeita harmonia consigo mesmo, quando livres das tendências negativas para que, então, a luz interior possa brilhar. A descoberta deste verdadeiro “eu” é que precisa ser alcançado.
Este é o processo descrito pelos responsáveis pela Codificação para a evolução do espírito e, como a verdade surge sempre de todos os lados, é também o processo descrito por Jung para o que ele denominou de "individuação", que nada mais é do que "tornar-se um ser único" [2].
O ambiente fraterno do Centro Espírita, por sua vez, é fundamental para que o individuo conviva, não apenas com pessoas de boa vontade, mas, principalmente, por ter a oportunidade de conhecer aquela sua porção bondosa e os benefícios que possa lhe trazer. Por este motivo, é fundamental demonstrar a necessidade da freqüência no Centro Espírita e, mais ainda, ressaltar a importância do grande passo que foi dado por já ser capaz de, pelo menos naquele ambiente, agir com harmonia e tranqüilidade e que, através do trabalho perseverante, aquele comportamento será uma constante em todo e qualquer local em que esteja.
Muitas vezes, no trabalho de divulgação da Doutrina Espírita, seja palestras ou através de uma simples conversa, na ânsia de fazer com que aqueles que nos ouvem vislumbrem os benefícios de um comportamento sadio, enfatizamos a necessidade da reforma íntima como sendo essencial e urgente. Apesar deste conceito não estar errado, como a renovação do espírito é gradativa, muito poucos estão na condição desta transformação rápida, por isso, estes que nos ouvem podem, devido à aflição gerada por tentativas frustradas, desenvolver estados depressivos ou, até mesmo, desistir.
Afinal, aqueles que ainda não estiverem amadurecidos o suficiente não serão tocados, nem mesmo quando pressionados insistentemente. Talvez uma abordagem mais amena seja muito mais eficaz, salientando que pequenos avanços são, na realidade, grandes passos que precisam e devem ser cultivados para, com o passar do tempo, encontrarem terreno fértil e assim, cada vez mais, o individuo estará em condições de controlar as más inclinações existentes em todos nós.
A Doutrina Espírita não faz milagres, afinal, milagres não existem, mas fornece subsídios para aqueles que queiram viver cada vez melhor consigo mesmo e com os outros. Todavia, o trabalho e a perseverança são necessários.
Referência: [1] C. G. Jung, O Eu e o Inconsciente, 16a. edição, Editora Vozes, 2002, pg. 50.
[2] C. G. Jung, O Eu e o Inconsciente, 16a. edição, Editora Vozes, 2002, pg. 49.
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