Caridade para com os criminosos
Escrito por Jayme Lobato
Qui, 10 de Fevereiro de 2011 15:52
À noite, Jandira e Ricardo, após o noticiário da TV, conversam na sala em companhia dos dois filhos, Mateus e Roberta. E Jandira comenta:
– Que mundo louco é esse, gente?! O desvario está grande.
– Estamos passando por momentos difíceis. O noticiário de hoje, da TV, constou especialmente de assaltos e seqüestros – acrescenta Ricardo.
– Contudo, Ricardo, acho que dão muito espaço para as coisas ruins. Há coisas boas acontecendo. Só que não têm o mesmo espaço na mídia.
– Mamãe tem razão. Com relação aos jovens, nem se fala. Só divulgam os casos que envolvem violência, drogas, assaltos, etc.
– Há muitos jovens, mana, realizando trabalhos importantes, tanto na área cultural quanto na social.
– Taí, Mateus, uma coisa que precisa ser incentivada: a realização de eventos sociais e culturais que atraiam os jovens – afirma Ricardo.
– O esporte também pode contribuir muito para o engajamento do jovem num processo de auto-estima e valorização da vida.
– Certamente, mamãe!
– O noticiário que acabamos de assistir, filha, divulgou o caso de um rapaz que, não conseguindo roubar o carro de uma moça, acabou dando-lhe três tiros à queimaroupa. Fiquei indignada com o grau de violência do rapaz.
– O problema, mamãe, é que o nosso país ainda vive uma crise social muito grande. Infelizmente, há uma parcela da sociedade que não tem direito a um projeto escolar decente. Da exclusão social eclodem situações de difícil controle – assevera Mateus.
– Isso é verdade, mano! Fui ajudar no reforço escolar, que o centro está promovendo, e fiquei estarrecida. Crianças da terceira e quarta séries são sabiam escrever o próprio nome.
– Nós, no entanto, Roberta, tivemos oportunidade de estudar em bons colégios. Nem precisamos freqüentar cursinho pré-vestibular.
– Os mais simples levam desvantagem em tudo, Mateus. Os colégios que podem freqüentar não têm um programa que lhes permitam o desenvolvimento intelectual exigido na atualidade.
– Além de não terem condições de freqüentar colégios da rede particular, mana, também não podem pagar cursinho preparatório. Como poderão chegar à faculdade?
Aí, Ricardo intervém:
– Mas, meus filhos, há pessoas que conseguiram vencer essas dificuldades e, hoje em dia, desfrutam de boa condição social.
– Não podemos legislar pelas exceções, pai – fala Roberta.
– É isso mesmo! – exclama Mateus. Roberta disse-o bem. Enquanto alguns poucos conseguem se instruir, uma quantidade enorme de jovens brasileiros está marginalizada pelo sistema dominante.
– O ensino público fundamental a cada dia mais se deteriora – observa Jandira.
– Não se esqueça, querida, de que nós estudamos em escolas públicas!
– Que não podem, Ricardo, ser comparadas às atuais. O desleixo do poder público com a instrução das classes mais simples tem um preço muito alto.
– O assunto me faz lembrar do estudo que fizemos, no ESDE, de um caso citado no livro O Céu e o Inferno, de Allan Kardec. O caso do Espírito Jacques Latour.
– Lembro-me desse estudo, Roberta. Ele, na Terra, fora criminoso. No mundo espiritual se arrepende e se beneficia pelas orações que lhe eram endereçadas pelo grupo espírita.
– É esse caso mesmo, mano! Jacques Latour, após despertar para a necessidade de transformação, assinala com entusiasmo o bem que lhe fizeram as preces proferidas em seu benefício.
– Há um momento na comunicação de Jacques Latour, mana, que acho muito importante para a nossa reflexão. É quando ele diz que se enganam aqueles que pensam que, com soldado e polícia, se previnem crimes.
– E há um outro alerta dele, Mateus, que é também atualíssimo. É quando adverte que assumem grandes responsabilidades aqueles que negam instrução às classes mais pobres da sociedade. A mãe dos jovens ressalta:
– Acho muito justo tudo o que vocês dois falaram, porém não consigo ainda ver com olhos de caridade esse caso que a TV mostrou.
E Jandira tenta se explicar melhor:
– Quando apareceu a imagem do criminoso na tela, cheguei a sentir uma revolta tão grande que seria capaz de, naquele instante, concordar com a pena de morte.
– Aí está a importância da vida de relação, querida. Alguns fatos externos são capazes de despertar em nós sentimentos dos quais já nos considerávamos libertos. É essa a possibilidade de nos conhecermos realmente, conforme propõem as questões 919 e 919-a, de O Livro dos Espíritos.
– É mesmo, marido! Logo depois de ter-me surgido esse sentimento de revolta, pude refletir com maior segurança e me lembrei da proposição do Pai Nosso, que nos recomenda pedir ao Pai que não nos deixe cair em tentação.
– Bem lembrado, mãe. Precisamos estar atentos para não nos deixar levar pelo arrastamento do mal que ainda trazemos conosco, fruto da nossa imperfeição – confirma Roberta.
– Precisamos, maninha, aprender a domar a fera que ainda se esconde nos escaninhos de nossa alma.
– Gostei do que papai falou antes. Pois, vejo na vida de relação as melhores condições para reconhecermos essa fera escondida em nossa intimidade e podermos, assim, dominá-la – diz Roberta.
– A experiência que tive hoje me valeu bastante. Consegui perceber-me reagindo de modo contrário aos princípios espíritas. Decepcionei-me um pouco comigo. Imaginava-me já liberta do rancor, do revide.
– O bom é que você, querida esposa, após o primeiro impacto causado pela imagem do rapaz, pôde perceber o sentimento rancoroso, avaliá-lo e sustá-lo em tempo.
– Após ter-me pego em estado de rancor, busquei tranqüilizar-me. Aí, desliguei-me do rancor e pude até orar pelo rapaz.
– Devemos atentar para o conceito bíblico de que o Pai não quer a morte do ímpio, mas a sua recuperação – propõe Ricardo.
– Orar é muito importante, pai. E devemos entender que, quando oramos pelos criminosos, não os estamos isentando da responsabilidade que assumiram diante das leis de Deus e dos homens, pelo que fizeram.
– Entendo que a oração, nesse caso, Mateus, se traduz num desejo sincero de que aquela alma se reabilite e se ilumine.
– Também penso assim, mana. Esse negócio, de se revidar a um ato de violência, mostra que ainda estamos dentro do campo violento e sofrendo-lhe as conseqüências.
– Uma coisa que me ocorreu agora: por trás de um criminoso, há sempre um coração de mãe, de pai, ou um afeto qualquer, que sofre pela situação criada por ele.
– Boa lembrança, Jandira. Não nos custa, também, rogar a Deus que fortaleça todos aqueles que estão sofrendo pelo desatino dos companheiros invigilantes.
– Há muita coisa a ser corrigida no comportamento humano para que fatos como o que vimos no noticiário da TV deixem de ocorrer – observa Mateus. – O egoísmo, Mateus, que faz com que as pessoas queiram levar vantagem em tudo, é uma dessas coisas que precisam ser erradicadas. Nenhuma convivência social pode dar bons frutos e resultados promissores se só uma parte leva vantagem.
– Infelizmente, mana, a tese de que “farinha pouca, meu pirão primeiro” ainda está muito vigorosa na relação humana.
– E essa tese nós assistimos ser vivenciada até mesmo na condução, nas filas de bancos e de supermercados – enfatiza Ricardo. Todos querem estar à frente, querem tirar vantagem em tudo, não se importando com o meio utilizado para que isso aconteça.
– Ante a situação atual, querido, chegamos a pensar que, ao invés de avançar, o homem está regredindo, tal a violência que assistimos.
– A questão 784, de O Livro dos Espíritos, Jandira, nos mostra que essa idéia é enganosa e que é preciso, em determinadas ocasiões, haver excesso do mal, para que o homem compreenda a necessidade do bem e das reformas. Urge que reflitamos sobre isso.
Dado o adiantado da hora, Ricardo, Jandira, Mateus e Roberta se recolhem para o sono reparador, todos eles refletindo no conteúdo da questão 784, de O Livro dos Espíritos. O assunto voltaria a ser comentado noutra oportunidade.
Boletim de Novembro/2006
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