“Reconhece-se o verdadeiro espírita por sua transformação moral e pelo esforço que faz em domar as más inclinações”.
Allan Kardec
1. Por que este tema?
Nas palestras espíritas o tema Reforma Íntima é muito comum. Talvez por conta da colocação de Kardec no trecho acima, do capítulo XVII de seu livro “O Evangelho segundo o Espiritismo”, em que define espírita como aquele que se esforça no domínio das más inclinações, com o objetivo da reforma interior.
Observemos a importância de o codificador afirmar que o espírita não é simplesmente aquele que frenquenta o Centro Espírita, que faz prece antes de dormir, que realiza palestras, que aplica passes ou participa de uma mesa mediúnica. Tal frase retira absolutamente a possibilidade de alguém cogitar ser “espírita não praticante”, como já ouvi falarem alguns que estão longe de saber o que é ser espírita.
Está cheio de gente que simpatiza com as idéias espíritas e afirma-se espírita, sem sê-lo. E freqüentadores de centros espíritas que pensam ser espíritas porque participam de um ou outro grupo de estudo das obras básicas do espiritismo.
Também há gente que, com delicada hipocrisia, após anos de imersão nos movimentos espiritistas, diz que não é espírita para ficar bem na fita, uma vez que não atingiu a perfeição. Dizem: “Estou tentando ser espírita”. Como se ser espírita fosse ser perfeito!
Não, espírita é aquele que se esforça na Reforma Íntima, informa Kardec. Seu esforço é que o caracteriza. Não o cumprimento de um certo sistema fechado com manual de normas e procedimentos.
Isto porque o espiritismo não é uma religião propriamente dita, não possui dogmas, rituais, sacramentos. É uma doutrina de tríplice aspecto, filosofia, ciência, religião.
Em seu aspecto científico, nasceu do espírito investigativo, possui método, compara resultados. Assim foi escrito o primeiro livro espírita: “O Livro dos Espíritos”.
Em seu aspecto filosófico trata de questões existenciais e metafísicas, de uma maneira racional, coerente, lógica. Investiga o porquê da vida, da dor, a morte e o depois da morte, enfim, o de onde viemos e para onde vamos.
Em seu viés religioso nasceu da revelação divina, mas não por um único médium, e não de uma só fonte. Não, o espiritismo foi o resultado das informações de vários espíritos, obtidas por diversos médiuns, comparadas, analisadas, avaliadas em seu conteúdo por um grupo de estudiosos, dentre os quais sobressai Kardec! E mais: de todas as verdades reveladas, conclui-se que o motivo pelo qual estamos neste mundo é desenvolver nosso potencial de espíritos criados por Deus, fadados à felicidade. Praticar o bem é estar de acordo com as leis divinas. Jesus é o nosso modelo. E o desenvolvimento do potencial divino se dá pela Reforma Íntima.
2. O que é Reforma Íntima.
Reforma Íntima, este esforço no domínio das más inclinações é, na essência, inicialmente, uma mudança na maneira de ver as coisas. Uma mudança de paradigmas. Paradigmas são lentes pelas quais enxergamos o mundo, os seres, as pessoas, os acontecimentos.
Como mudança paradigmática, acontece interiormente, na intimidade do coração. Não é, necessariamente, uma transformação notória. É paulatina e seus resultados se apresentam apenas depois de algum tempo.
Quando a maioria de nós entra em contato com o espiritismo, imediatamente realiza, natural e espontaneamente, uma mudança interior. Porque muda sua visão de Deus, do homem, da existência. Por exemplo, passa a acreditar não apenas na vida após a morte, mas na vida antes da vida! Quando olha uma criança que nasce, reconhece que ali está um Espírito, com uma história, com um passado a ser expiado, e com uma tarefa a ser realizada!
3. O começo da Reforma Íntima
Enfim, mudar a maneira de ver a vida é começar a Reforma Íntima. Mas, foi apenas um passo no sentido do crescimento. É preciso mais! É possível ter modificado automaticamente, pela aquisição do novo conhecimento, a visão de mundo que se possuía. Mas isso não é tudo.
Agora, enxerga-se a realidade de um novo ângulo. Mesmo assim, permanecem os condicionamentos antigos, hábitos, vícios, que se mantêm apesar da mudança e requerem esforço para a total transformação. Por isso, Kardec fala, além da transformação moral (plano da idéia), do “esforço” em domar as más inclinações (plano da ação).
4. A recusa em fazer a Reforma Íntima
Na verdade, pelo fato de haver nascido, independente de conhecer ou não espiritismo, todo mundo vai realizar a Reforma Íntima. Foi para isso que encarnamos. A vida nos lança convites para realizá-la de maneira consciente. O espiritismo é um destes convites. Mas podia ser o catolicismo, o protestantismo, o budismo, o hinduísmo, e podia até ser uma filosofia, uma escola não religiosa, um compromisso ético, até mesmo uma escolha profissional, a nos propor mudar conscientemente para melhor.
Entretanto, somos livres para aceitar ou não o convite. Em não aceitando, não importa, a vida nos colocará em situações que nos obrigarão a realizar a Reforma Íntima. É o caso de algumas doenças, perdas, separações.
Não parece a aplicação daquela parábola do convite para o festim das bodas, que Jesus ensinou? Um rei convida muitos para as bodas do filho, mas nenhum dos convidados aceita; ele convida de novo, e alguns chegam a matar os enviados que levam os convites. Enfim, o rei convida mais pessoas e manda destruir os que recusaram o convite.
Pois bem, esta a vida. Um eterno convite à mudança. Se não por bem, por mal. E assim, por conta das circunstâncias adversas a gente vai mudando, mudando e, consequentemente, amadurecendo. Alguns passam ainda pela amargura, pela descrença, a revolta, a desesperança. Vão ao fundo do poço. Mas um dia saem de lá, pois há uma eternidade esperando-os. Uma festa de bodas. O casamento de nossas polaridades, o equilíbrio, o caminho do meio. Cedo ou tarde todos nos “iluminamos”. Todos realizamos a Reforma Íntima!
5. A continuação da Reforma Íntima
Mas, acreditando que prefiramos mudar pelo amor, sem precisar doer tanto, o que deve ser feito? Se aceitamos o convite para as bodas, como devemos nos vestir? Na parábola, os conviaddos chegam e a festa acontece, mas quem não está com a veste adequada é expulso.
Na prática, significa que não basta aquele primeiro momento, da mudança paradigmática. É preciso ir além. Vestir a veste, ou seja, viver de acordo com a nova visão de mundo. Viver congruente com sua crença, no nosso caso, com os princípios espíritas. Estar de acordo com a ocasião, como sugere Jesus no seu ensinamento.
E uma vida de acordo com o espiritismo é idêntica a uma vida cristã. Uma vida pautada no bem, na caridade, no perdão, da tolerância, na compreensão, no estudo etc. Como se deduz desta lista de virtudes, não é fácil. Mas o que vale é o esforço!
Em “O Livro dos Espíritos”, na questão 919-a, Santo Agostinho nos dá um passo-a-passo interessante, como sugestão para auxiliar a Reforma Íntima, que podemos sintetizar da seguinte maneira:
1. Pedindo ajuda a Deus ou seu Anjo Guardião, reveja diariamente o que fez.
É uma prática fácil de ser realizada. Podemos fazer como sugere Agostinho, antes de dormir. Creio que sentado seja melhor, para evitar o sono. Pode-se inclusive anotar. Algumas pessoas fazem diários. Não precisa anotar tudo, mas o que se destacou naquele dia. Quando diz que é preciso pedir ajuda a Deus ou ao Anjo Guardião, Agostinho sugere que este deve ser um processo profundo, solitário, concentrado.
2. Pergunte a si mesmo se deu motivo para queixas.
Esta parte é interessantíssima. É o processo de conscientização. Não um simples registro do que fiz, mas dos efeitos do que fiz, do alcance de minhas ações.
3. Pergunte a si mesmo os reais motivos de suas ações.
Por vezes vou reconhecer que dei motivos para queixas, mas não significa que agi mal. É hora de refletir sobre as reais intenções. O que havia por detrás do meu gesto. Frequentemente encombrimos nossas ações reprováveis com boas intenções. Dizemos, por exemplo: “Fui duro com minha esposa, disse-lhe palavras duars, mas para seu próprio bem. Ela precisava ouvir isso de alguém que realmente se preocupa com ela!” Pode até ser que a boa intenção exista, mas uma investigação profunda, sincera e corajosa (é preciso coragem para ser sincero!) vai revelar se, por trás desta boa vontade, não existia o desejo de ferir, de vingar-se. É por este desejo inconsciente que, muitas vezes, os outros não recebem bem nossas “boas intenções”. Nossa boca pode não falar, mas o fluido que movemos chega até o outro insuflando a revolta e a reação violenta.
4. Pergunte a si mesmo se censuraria no outro o que fez, ou se fez algo que não ousaria confessar.
Eis uma excelente dica! Desta forma vamos ter uma idéia mais clara de nossas atitudes e prevenir escorregões em velhos padrões de comportamento.
5. Reflita se você morresse hoje, que pendências deixaria, o que teria a temer.
Don Juan, xamã das obras de Carlos Castañeda, chama isso de tomar a morte como conselheira. Trata-se de uma excelente forma de tomar consciência de como se está vivendo. De procurar questões inacabadas para resolvê-las quanto antes e não atravessar os umbrais do Além com o coração oprimido por remorsos. A tranquilidade nasce da consciência do dever cumprido.
Estas as orientações de Agostinho, via mediúnica, para quem deseja continuar seu processo de Reforma Íntima de maneira consciente e aproveitar melhor a vida. Mas ninguém se iluda, jamais poderá afirmar que fez a Reforma Íntima, conjugando o verbo no passado, pois este é um processo que jamais termina, visto que sempre há algo a melhorar. Este é mesmo o ritmo da vida, a mudança constante, na linguagem budista: a impermanência. Estagnação seria morte e sabemos que morte não existe. O que existe é transformação!
Então, que todos vivam em paz, mudando sempre!
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