Entrevistando Zaqueu
León Tolstoi é o autor de Ressurreição e Vida, de Yvonne A. Pereira, que traz as informações contidas na entrevista com Zaqueu. Confira:
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- Zaqueu, você poderia nos recordar seu encontro com Jesus, em Jericó, onde você residia?
ZAQUEU: A bondade do Mestre Galileu, honrando-me com uma visita e uma refeição em minha casa, eu, um renegado pela sociedade porque um "publicano", tocou-me para sempre o coração, conforme sabeis... Ele com- preendeu as minhas necessidades morais de estímulo para o Bem, o meu aflitivo desejo de ser bom. Penetrou, com sua solicitude inesquecível, os mais remotos escaninhos do meu ser moral; contornou, com seu amor de Arcanjo, todas as aspirações do meu Espírito, filho de Deus, que sofria por algo sublime que lhe aclarasse as ações... E conquistou-me, assim, por toda a consumação dos séculos.
- Narra o Evangelho que no dia da crucifixão de Jesus os apóstolos os abandonaram. Você estava lá naquelas horas de sofrimento?
ZAQUEU: Muito sofri e chorei quando esse Mestre foi levantado no suplício da cruz. Não, eu não o abandonei jamais, desde aquele dia em que passou por Jericó! Segui-o. E o pouco que ainda viveu depois disso teve-me em suas pegadas para ouvi-lo e admirá-lo. Eu não me ocultei das autoridades receando censuras ou prisão, nem tive preconceitos, e tampouco me importunou a vigilância dos tiranos de Roma ou o despeito dos asseclas do Templo de Jerusalém. Achava-me bem visível entre o povo, transitando pelas ruas, embora ignorado, humilhado pela minha condição de funcionário romano... E assisti aos estertores da agonia sublime naquela tarde do 14 de Nisan.
- Como foram aqueles momentos sublimes da reaparição do Cristo, após o terceiro dia de sua morte?
ZAQUEU: Soube, é certo, da ressurreição que a todos revigorou de esperanças... Mas não logrei tornar a ver e ouvir o Mestre, não fui bastante merecedor dessa ventura imensa... Ele só se apresentou, depois da ressurreição, aos discípulos – homens e mulheres – e aos apóstolos.
- O que você fez depois?
ZAQUEU: Inconsolável por sua ausência e sentindo em mim um vazio aterrador, meu recurso para não desesperar ante a saudade e o pesar pelo desaparecimento desse Amigo incomparável foi insinuar-me entre seus discípulos, a fim de ouvir falarem dele...
Fui a Betânia, quantas vezes?... e tentei tornar-me assíduo da granja de Lázaro, de tão gratas recordações... Mas tudo ali estava tão mudado e tão triste, depois do 14 de Nisan... Visitei Pedro, esperando consolar a minha grande dor ouvindo-o dissertar sobre Aquele que se fora do alto do Calvário, com a eloqüência com que sempre soube arrebatar as multidões.
León Tolstoi
Perlustrei, choroso e desarvorado, as praias de Cafarnaum e de Genesaré, sem saber o que tentar em meu próprio socorro, mas esperançado de que os irmãos Boanerges, filhos de Zebedeu, me compreendessem e adotassem para discípulo do seu bando, como eu via que acontecia a tantos outros... Mas nenhum deles sequer prestava atenção em minha insignificante pessoa... Não me olhavam, não me viam, e eu temia importuná-los dirigindo-lhes a palavra... Eram tantos os pretendentes ao aprendizado do Amor, ao redor deles! Eles tinham tantas preocupações, preparando-se, chocados, para o heróico apostolado!... E como eu era "publicano", um malvisto cobrador de impostos da alfândega romana, convenci-me, erroneamente, de que era por isso que não me recebiam.
Recolhi-me então à minha mágoa imensa, sem todavia deixar de seguir, discretamente, os apóstolos, orando para que não tardasse o socorro a vir fortalecer a fé e a esperança que eu depositava naquele reino de Deus que havia de vir. Recolhi-me, mas não desanimei.
- Zaqueu, você cumpriu a promessa que fez a Jesus de que dividiria seus bens com os pobres, quando ele esteve em sua casa?
ZAQUEU: Eu deixei Jericó, desliguei-me das funções aduaneiras, dei parte dos meus bens aos pobres, com a outra parte, provi recursos para minha família, distribuí minhas terras entre os camponeses mais necessitados, reservando o estritamente necessário à minha manutenção pelos primeiros tempos. Fiz-me errante e vagabundo para acompanhar os discípulos e ouvi-los contar às multidões as conversações intimas que o Senhor entretivera com eles, antes do Calvário e depois da gloriosa ressurreição.
- O dinheiro não acabou?
ZAQUEU: Como eu conhecesse bem as letras e as matemáticas, falando mesmo o grego, tão usado em Jerusalém, e também o latim, igualmente usado graças à influência romana, à parte os nossos dialetos da Síria, da Galiléia e da Judéia, se me escasseavam recursos apresentava-me às escolas mantidas pelas Sinagogas. Empregava-me ali como adjunto dos escribas, para as lições aos jovens, ou então nas casas particulares ricas, como professor, e assim ganhava meu sustento. Mas se não houvesse lições a transmitir era certo que nunca faltariam madeiras a serrar, aqui ou ali; águas a carregar, a fim de saciar a sede das famílias; paredes a reparar nas casas dos romanos, os quais, se eram agressivos no trato pessoal com o povo hebreu, sabiam, no entanto, remunerar com justiça aqueles que os serviam, desde que não se tratasse de escravos.
- Mas, enfim, você conseguiu ou não aproximar-se de algum dos apóstolos de Jesus?
ZAQUEU: Um dia – foi em Jerusalém – correra a nova sensacional de que certo jovem fariseu, responsável pelo apedrejamento e morte do nosso querido Estêvão, a quem o Espírito do Senhor inspirava com tantas glórias, acabara por se converter à Causa, porque o Senhor lhe aparecera em ressurreição triunfante, exatamente quando ele entrava na cidade de Damasco, para onde se dirigia tencionando prender os nossos "santos" - os primeiros cristãos assim de denominavam uns aos outros - domiciliados naquela localidade. Aparecera-lhe o Senhor e convidara-o diretamente para o seu ministério, como o fizera aos outros doze, antes de sua paixão e morte. E que, agora, já inteiramente submisso aos desejos do Mestre Nazareno, com tremendas responsabilidades pesando-lhe nos ombros, conferidas pelo mesmo Mestre, pela primeira vez ia falar à assembléia dos discípulos, em Jerusalém.
- Você foi ouvi-lo?
ZAQUEU: Fui ouvi-lo. Esse fariseu era Saulo (Saul), o de Tarso, "que é também chamado Paulo". Contou ele, à assembléia silenciosa e atenta, o seu colóquio com o Nazareno, à entrada de Damasco, e logo conquistou o coração de muitos que se achavam presentes. Foi de pé (alguns se ajoelharam) que ouvimos os pormenores da aparição do Senhor a Paulo. Muitos choraram, eu inclusive, e também Paulo.
- Você procurou Paulo para conversar?
ZAQUEU: Nunca mais deixei Paulo, até hoje! Procurei-o então, em Jerusalém. Fui recebido com afeto e bondade. Fiz-lhe a minha confissão, o que não tivera coragem de fazer aos demais discípulos. Narrei-lhe os meus sofrimentos íntimos por Jesus. Quisera servi-lo, a ele, Jesus. Sinceramente o queria! Mas não sabia como iniciar nem o que fazer. Paulo ouviu-me com solicitude digna daquele mesmo Mestre que o admoestara em Damasco. E aconselhou-me, e guiou-me!
- Você poderia nos dizer o que Paulo lhe disse?
ZAQUEU: Ele deu-me incumbências: - " Não te limites à adoração inativa, que poderá cristalizar-se em fanatismo. A Doutrina de Jesus é afanosa por excelência... E ela precisa de servos trabalhadores, enérgicos, ágeis para mil e uma peripécias, de boa-vontade para a propagação da Verdade que nos trouxe...Tu, que possuis noções da prática da beneficência, testemunha o teu amor por ele, servindo também aos teus irmãos que sofrem ou erram, pois tal é o segredo da boa prática da nova Doutrina. Nenhum de nós será tão pobre que não possa favorecer o próximo com algo que possua para distribuir: o pão, o lume, o agasalho, o bom conselho, a advertência solidária, a assistência moral no infortúnio, o ensinamento do Bem, a lição ao ignorante, a visita ao enfermo, o consolo ao encarcerado, a esperança ao triste, o trabalho ao necessitado de ganhar o próprio sustento honrosamente, a proteção ao órfão, o seu próprio coração amigo e irmão em Cristo, a prece rogando aos Céus bênçãos que aclarem os caminhos dos peregrinos da vida, o perdão àqueles que nos ferem e nos querem mal..."
- Caro amigo, depois que enfim você se tornou um dos discípulos ativos de Jesus, você pôde viver aquelas experiências, que nos mostram os evangelhos, de curar enfermos, afastar espíritos...?
ZAQUEU: Se não curei leprosos, estanquei a aflição de muitas lágrimas com exposições em torno do Mestre. Se não levantei paralíticos, pelo menos ergui a coragem da fé em muitos corações desanimados ante a incúria pelas coisas santas. Se não expulsei demônios, é certo que alijei o ateísmo, recuperando almas para o dever com Deus. E se não ressuscitei mortos, renovei esperanças na alma de muitas matronas desgostosas com a indiferença dos próprios filhos na prática do Bem, revigorei a decisão de muitos pecadores que temiam procurar o bom caminho, porque envergonhados de se apresentarem a Deus, pela oração, a fim de se renovarem para jornadas reabilitadoras.
- E como tudo isso repercutiu em sua própria evolução?
ZAQUEU: Minha alma se alegrava em Cristo, dilatavam-se os meus propósitos de progresso. Eu sentia que, de dia para dia, quando orava, mais incidiam sobre mim forças e novas bênçãos para mais se desdobrarem em operações objetivas, que tendiam a me fazer comungar com a vontade daquele Unigênito dos Céus, que um dia penetrou os umbrais pecaminosos de minha casa para me levar a salvação. E encontrei, então, dentro de mim próprio, aquele Reino de Deus que ele anunciara... Encontrei-o na paz do dever cumprido, que me embalava o coração...
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