Tédio e Espiritismo
Sérgio Biagi Gregório
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Conceito. 3. Histórico. 4. Aspectos Filosóficos: 4.1. O Tédio como um Problema Filosófico; 4.2. Tipos e Tédio; 4.3. Posições de alguns Filósofos sobre o Tédio. 5. Tédio: Significado e Transgressão: 5.1. Atitudes Impulsivas; 5.2. Informação e Significado; 5.3. Transgressão. 6. Tédio e Espiritismo: 6.1. A Melancolia; 6.2. Tédio no Lar; 6.3. Sirvamos em Paz. 7. Conclusão. 8. Bibliografia Consultada.
1. INTRODUÇÃO
O que é o tédio? Como surgiu? Por que surgiu? Há alguma fórmula para nos livrarmos dele? Que tipo de subsídios o Espiritismo pode nos oferecer para abrandar a sua investida?
2. CONCEITO
O tédio é um sentimento humano, um estado de falta de estímulo. Aborrecimento, fastio, nojo, desgosto. Ter muito ou pouco tempo pode ocasionar o tédio. Para as pessoas entediadas, o tempo parece passar mais lentamente do que quando elas estão entretidas. Tédio também pode ser um sintoma de depressão.
De acordo com a Doutrina Espírita, o tédio é um insulto à fraternidade humana, porque a dor e a necessidade, a tristeza e a doença, a pobreza e a morte não se acham longe de ti.
3. HISTÓRICO
Desde a Antiguidade até a Idade Média o termo correspondente ao tédio é acédia. Os pensadores cristãos do fim da Antiguidade e começo da Idade Média tinham o termo como indiferença e ociosidade. Esta concepção fez Heidegger dizer que o tédio é "a raiz de todos os males". Há, porém, uma diferença entre os termos acédia e tédio. O primeiro refere-se à alma, à moral; o segundo, ao estado psicológico.
Evágrio Pôntico entendia a acédia como demoníaca. O demônio do meio-dia (daemonmeridianus) é um tipo de acédia, o mais ardiloso de todos, pois ataca o monge em pleno dia, fazendo com que tudo lhe pareça uma ilusão. O demônio o faz detestar o lugar onde se encontra - e até a própria vida, lembrando-o dos atrativos que tinha antes de se devotar a Deus. Segundo Evágrio, quem consegue resistir à acédia, mediante vigor e paciência, será também capaz de resistir a todos os outros pecados e encontrará aí a alegria.
No Renascimento, o conceito de acédia foi substituído pelo de melancolia. A acédia diferia da melancolia por estar ligada à alma, enquanto esta última estava ligada ao corpo.
Após o século XIV a acédia foi considerada menos um pecado que uma doença, e seus aspectos morais criaram, em certa medida, uma base para o tédio.
Em vista do exposto, temos para com o tédio uma atitude de censura, considerando-o como um defeito grave do caráter. (Svendsen, 2006, cap. 2)
4. ASPECTOS FILOSÓFICOS
4.1. O TÉDIO COMO UM PROBLEMA FILOSÓFICO
Por que deveríamos considerar o tédio como um problema filosófico e não apenas psicológico, religioso e sociológico? O problema filosófico mostra uma certa desorientação, algo que não temos uma resposta de imediato. Observe que para Wittegenstein, um problema filosófico tem a forma: "Não sei por onde ir". Nesta mesma linha de pensamento, Martin Heidegger diz que "Um conhecimento não completo" transforma-se em um problema filosófico.
O tédio se encaixa bem a essas observações, por isso pode ser considerado como uma das grandes questões de filosofia.
4.2. TIPOS E TÉDIO
Martin Doehlemann distingue quatro tipos de tédio:
1) tédio situacional – aquele que sentimos ao esperar alguém, ao ouvir uma conferência, ao assistir a um filme.
2) tédio da saciedade – quando obtemos demais de uma coisa e tudo o mais se torna banal e sem valor.
3) tédio existencial – em que a alma está sem conteúdo e o mundo em ponto morto.
4) tédio criativo – quando sentimos que temos que fazer algo novo. (Svendsen, 2006, p. 44)
4.3. POSIÇÕES DE ALGUNS FILÓSOFOS SOBRE O TÉDIO
Kierkegaard descreveu o tédio como "a raiz de todo o mal". Rochefoucauld, referindo-se à corte francesa, disse: "Quase sempre somos entediados por pessoas para as quais nós mesmos somos entediantes". Para Pascal, "o homem sem Deus está condenado à diversão". Para Nietzsche, o tédio é "a 'desagradável calma' da alma" que precede os atos criativos, e enquanto os espíritos criativos o suportam, "natureza menores" fogem dele. No romance Lucinde (1799), no capítulo "O Idílio do Lazer", Friedrich Schlegel escreve: "Toda atividade vazia, agitada, não produz qualquer coisa senão tédio – o dos outros e o nosso".
5. TÉDIO: SIGNIFICADO E TRANSGRESSÃO
5.1. ATITUDES IMPULSIVAS
O tédio pode levar a atitudes impulsivas e às vezes mesmo excessivas, que não servem para nada e podem causar danos. Por exemplo, estudos mostram que acionistas da Bolsa de Valores podem vender ou comprar ações sem nenhuma razão objetiva para tal, simplesmente porque eles sentem-se entediados por não terem nada para fazer, onde o tédio é desencadeado por uma situação de saída de uma atividade rotineira de fazer contas, verificar investimentos etc.
5.2. INFORMAÇÃO E SIGNIFICADO
O tédio relaciona-se com informação e significado. Sabemos que informação e significado não são a mesma coisa. Significado consiste em fazer uma conexão da parte com o todo; a informação, não. Podemos encher o nosso cérebro com dados, fórmulas e as mais variadas técnicas, mas sem significado algum para nós. Nesse caso, temos de distinguir o essencial do acessório, a novidade, da verdade. Quantas não são as informações que recebemos diariamente que nada tem a ver com o nosso crescimento moral? O tédio aqui representa a perda de significado.
5.3. TRANSGRESSÃO
A transgressão, por seu turno, é a satisfação da necessidade que só se sacia na novidade. Para fugir ao tédio, procuramos os divertimentos, as festas, as peças teatrais, as viagens, as discotecas, os barzinhos etc. Nada disso, porém, preenche-nos intimamente. Incita-nos, pelo contrário, a fugirmos de nós mesmos. Contudo, com mais ou menos tempo, o tédio volta a nos visitar, pois desprezamos a verdadeira necessidade de nosso espírito, que é a evolução espiritual.
6. TÉDIO E ESPIRITISMO
Para nós, que somos adeptos do Espiritismo, o tédio deveria ser considerado uma espécie de alarme. Denota que algo não anda bem conosco. É possível que não estejamos praticando os princípios fundamentais da Doutrina Espírita. Talvez estejamos menosprezando as sábias instruções dos benfeitores espirituais. Vejamos alguns pontos para a nossa reflexão.
6.1. A MELANCOLIA
O sentimento de que existe um mundo melhor, além deste, vem de longa data. Os Espíritos degredados de Capela sonhavam em voltar ao mundo mais evoluído do qual eram procedentes. Daí, a melancolia.
O Espírito François de Genève esclarece-nos que a vaga tristeza que o Espírito sente, quando está jungido a um corpo físico, é porque aspira à felicidade e à liberdade, a qual não encontra neste mundo. Consequentemente surge o desânimo, o cansaço, a descrença, gerando pensamentos sombrios e impelindo-nos ao tédio.
Anotemos um trecho de sua mensagem: "Lembrai-vos de que, durante o vosso degredo na Terra, tendes de desempenhar uma missão de que não suspeitais, quer dedicando-vos à vossa família, quer cumprindo as diversas obrigações que Deus vos confiou. Se, no curso desse degredo-provação, exonerando-vos dos vossos encargos, sobre vós desabarem os cuidados, as inquietações e tribulações, sede fortes e corajosos para suportá-los. Afrontai-os resolutos. Duram pouco e vos conduzirão à companhia dos amigos por quem chorais e que, jubilosos por ver-vos de novo entre eles, vos estenderão os braços, a fim de guiar-vos a uma região inacessível às aflições da Terra". (Kardec, 1984, p. 90)
6.2. TÉDIO NO LAR
O espírito Emmanuel, em Vida e sexo, tece alguns comentários sobre a presença do tédio entre os casais. No relacionamento entre os casais, muitas arestas devem ser aparadas, pois cada qual, em sua posição, deve consertar erros do passado e preparar-se para um futuro mais promissor.
Ele nos alerta: "Verificada a presença do tédio, é imperioso ausculte, cada um deles, o próprio íntimo, de modo a saber se o desequilíbrio estará enraizado nos desregramentos poligâmicos, que nos marcaram a individualidade em existências pretéritas, a fim de corrigir-se, em salvadora dieta emotiva, a compulsão que, porventura, os arraste ainda para a fome de prazeres inúteis". (Xavier, 1978, cap. 13)
6.3. SIRVAMOS EM PAZ
Não são poucas as pessoas que se sentem angustiadas, doentes, passando de médico em médico, de religião em religião, sem encontrar uma solução para o seu desânimo. Prostram-se e choram de tédio.
A imprensa dedica-se à tragédia, ao crime, ao sensacionalismo. Isso é inevitável. O Espírito Emmanuel, porém, adverte-nos: "Basta empregar exageradamente a energia mental, num escândalo ou num crime, para entrar em relação com os agentes destrutivos que os provocaram... Se consumimos alimento deteriorado, rumamos para a doença; se repletamos o cérebro de preocupações descontroladas, inclinamo-nos, de imediato, ao desequilíbrio".
Em síntese, da mesma forma que nos imunizamos dos alimentos deteriorados, o mesmo deveríamos fazer para com os nossos pensamentos. (Xavier, 1986, cap. 146)
7. CONCLUSÃO
O tédio pode ser positivo e negativo. É positivo, quando esse sentimento nos leva a criar, a sair do nosso mundo interior e progredir. É negativo, quando nos faz abaixar a cabeça e chafurdarmo-nos em nossas desgraças.
8. BIBLIOGRAFIA CONSULTADA
KARDEC, A. O Evangelho Segundo o Espiritismo. 39. ed. São Paulo: IDE, 1984.
XAVIER, F. C. Palavras de Vida Eterna, pelo Espírito Emmanuel. 8. ed., Rio de Janeiro: FEB, 1986.
XAVIER, F. C. Vida e Sexo, pelo Espírito Emmanuel. 4. ed. Rio de Janeiro: FEB, 1978.
SVENDSEN, Lars. Filosofia do Tédio. Tradução de Maria Luiza X. de A. Borges. Rio de Janeiro: Zahar, 2006.
São Paulo, janeiro de 2009
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