Escrito por André de Paiva Salum
Vivemos numa época de intenso progresso tecnológico e apelo comercial, em que a cada dia surgem inúmeras opções para o consumo em todas as áreas da vida humana. As pessoas se veem induzidas a consumir cada vez mais, sem saberem até que ponto existe real necessidade do que adquirem.
A personalidade – nossa dimensão egóica – possui desejos insaciáveis, que quanto mais atendidos mais se ampliam, como bem sabemos. Se dermos livre curso aos desejos, nunca nos livraremos da ânsia de possuir sempre mais.
O grande apelo consumista que presenciamos funciona como uma hipnose, a qual aliena as pessoas e as afasta do autoencontro e da necessária jornada interior. A complexidade do mundo exterior parece desviar os seres de seu compromisso essencial de autotransformação. Funciona como distração que amortece temporariamente a consciência, afastando as pessoas dos níveis mais profundos da realidade.
Só existe o consumismo porque existe grande número de pessoas ávidas por consumir, centradas nas satisfações imediatistas das posses materiais. Seres humanos dominados por desejos e ansiedades, iludidos e desconectados da busca interior. O consumismo é expressão de uma sociedade inconsciente e inconsequente, a qual reflete os seres humanos que a constituem. As consequências são destrutivas para o ambiente, as relações humanas e a sociedade em geral.
Diante desse panorama cabe-nos questionar se é possível viver com simplicidade.
O ego, com seus desejos intermináveis e justificativas para tudo o que deseja e faz, complica a nossa vida. Também é da natureza do ego questionar, julgar e criticar tudo e todos, criando com isso inúmeros conflitos e embaraços desnecessários à existência. Ser dominado pelo ego constitui grande obstáculo a uma vida simples.
Temos criado, ao longo de inúmeras reencarnações, muitos fatos complicadores para nossa vida e destino. Através de atitudes e ações desequilibradas o ego estrutura uma densa camada de energias tão desnecessárias quanto perturbadoras. Por isso precisamos realizar um trabalho de limpeza psíquica, a fim de aliviarmos nossa mente das cargas que nos oprimem e complicam nossa jornada evolutiva. Libertar-nos dos vícios, por exemplo, contribui muito com essa limpeza e com a simplicidade.
Viver de forma simples não significa ser desleixado com a aparência nem desmerecer as coisas materiais, mas sim ter a consciência espiritual desperta e vigilante, usando o que for necessário sem apego nem ilusão de posse. É viver em harmonia com as dimensões profundas de si mesmo, o plano de consciência da alma. Mesmo se alguém, levado pelas circunstâncias, ocupar posição social de destaque, é possível viver interiormente de modo puro e despojado, cumprindo as tarefas externas como serviço ao bem comum.
A simplicidade pode ser vivida tanto na dimensão externa como na interior. É mais fácil ser simples em relação aos hábitos exteriores do que internamente, pois a mente simples é conquista que requer grande purificação espiritual. Carregada de condicionamentos, preconceitos, medos, desejos e ambições, a mente é incapaz de viver em estado de simplicidade. Através da vivência dos ensinamentos espirituais, consegue-se liberá-la de tais conteúdos indesejáveis.
Ao refletir sobre a vida dos grandes seres que têm passado pelo nosso planeta como instrutores espirituais, verificamos que todos viveram com muita simplicidade, independente do meio cultural a que pertenceram. Despojados das ilusões materiais, contentavam-se com o necessário, libertos de ambições e desejos do que lhes seria supérfluo e perturbador.
Para experimentarmos a simplicidade precisamos despertar e cultivar diversas virtudes, com as quais conseguiremos nos transformar para melhor. A vida simples revela, por si mesma, as virtudes que a propiciam.
A meditação e a prece muito favorecem a limpeza da mente, contribuindo para simplificá-la. Só uma mente purificada pode ser preenchida de sabedoria e amor.
A pessoa simples vive contente com o que tem. Não exige dos outros o que não podem dar; não cria expectativas que poderão não se cumprir; não nutre ambições que perturbam a paz; não alimenta discussões inúteis nem polêmicas desgastantes; não se inquieta pelo futuro nem se prende ao passado.
O caminho da simplicidade é fundamental para se despojar de tudo o que seja desnecessário, criando um espaço interior onde o essencial possa ser cultivado. Somente quando liberto do que ilude e escraviza o ser é que se pode avançar no caminho da plenitude espiritual.
O ser que vive na simplicidade é puro e se encanta com as pequenas coisas de cada dia, com a poesia da natureza, com um sorriso, um olhar amigo...
A pessoa simples é cordial, acessível e sincera, pois não perde tempo nem energia com discussões, melindres ou formalidades. Sabe utilizar-se do essencial e descartar o inútil. Dispensa elogios desnecessários e não dá ouvidos a críticas destrutivas.
Podemos dizer que viver com simplicidade:
é ser livre – quanto mais simples for a nossa vida mais livres seremos para expressar nosso potencial criativo e divino.
é ser puro e verdadeiro – a verdade é a transparência da alma que permite à essência brilhar.
é ser leve – a simplicidade nos despoja do peso de tudo o que não serve à jornada evolutiva, trazendo despreocupação.
é ser sábio – quanto mais sábio é um ser, mais simples é a sua vida.
O sábio, pela riqueza interior que possui, precisa de muito pouco do mundo externo. Compreende a diferença entre desejos e necessidades. Aprendeu a libertar-se gradativamente dos desejos pessoais e reduzir, tanto quanto possível, as próprias necessidades.
Viver com simplicidade não só contribui para a preservação do planeta e dos recursos naturais, como é imprescindível para a sustentabilidade da vida humana na Terra. Também favorece uma melhor distribuição dos bens aos mais necessitados, contribuindo para uma sociedade mais equânime e fraterna. Para isso, o necessário exercício do desapego ajuda os seres a se libertarem do egoísmo e conquistarem maior consciência.
Para vivermos no mundo renovado e mais feliz, precisamos simplificar as relações humanas, as leis, os hábitos, a mente, o coração... Esvaziar-nos da pequenez dos interesses egoístas para sentirmos e expressarmos a plenitude divina.
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