O Livro dos Espíritos inicia-se com uma definição de Deus, considerando-O como causa primária de todas as coisas. Naturalmente, não temos aí uma verdadeira definição, porque esta implica numa descrição, ainda que sumária, do objeto definido, e não se pode definir Deus. Deus é indefinível. É, portanto, uma noção que se oferece, para que se possa ter, na Divindade, o ponto inicial de toda a estrutura do Espiritismo. A Doutrina não procurou descrever a Deus, salvo através de atributos gerais que pudessem orientar sobre tudo aquilo que Deus não poderia deixar de ser, sem deixar de ser Deus, como assinalou Kardec.
A admissão dessa noção primeira norteia todo o desenvolvimento da Doutrina, e o fato de não poder dar uma definição completa em nada depõe contra ela, pois também numa ciência positiva como a matemática é preciso partir de um ponto, considerado sem dimensão, para que se possa erguer o edifício da geometria, ou de pressupostos contraditórios - duas paralelas se encontram no infinito; por um ponto tomado fora de uma reta não se pode fazer passar nenhuma paralela a esta; pode fazer passar-se uma infinidade de paralelas a esta. O próprio raciocínio utilizado de que não há efeito sem causa, que nos leva a reconhecer a necessidade de uma causa inteligente para justificar os efeitos, ou seja, a natureza e o homem, apesar da crítica de Kant, não pode ser colocado de lado como um instrumento de trabalho da filosofia, mesmo porque o que caracteriza esta é exatamente a natureza da busca permanente das causas primárias e últimas, a curiosidade no desvendar os mistérios do Universo e do Homem, e assim a transposição do conceito de causa do conhecido para o desconhecido segue o ritmo do que se vê na própria ciência física e na astronomia, quando se procura explicar certas perturbações no microcosmo e no macrocosmo pela presença de astros ainda desconhecidos. É um raciocínio que se faz por inferência, pois.
Se é certo que não podemos apresentar uma prova insofismável da existência de Deus, porque Ele não se encontra dentro da categoria dos objetos demonstráveis, é, todavia, certo que o sentimento de sua existência é inato ao homem e perde-se na noite dos tempos. Como poderia ter este surgido na alma humana? Teria bastado o abismo do desconhecido, a expectação ante os fenômenos naturais, o medo? Pode o homem especular quanto deseje, mas não poderá negar que, enraizado na sua própria natureza, se encontra mais que medo, temor, admiração ante a grandiosidade da Natureza: existe um sentimento que denuncia a presença de Deus em cada criatura, justificando o sentimento inato de sua existência, ligação e orientação final no percurso de retomo, atraído que se encontra todo o Universo pelo centro que é Deus.
também não se pode desconsiderar que os cientistas até o presente não conseguiram despistar a ciência cosmológica do reconhecimento de um ato inicial de criação, porque se houve um momento inicial a que, ironicamente, denominou-se de big-bang”, tem-se de admitir que, nada, ao menos do que se conhece, existia, e este antes não só foge à compreensão humana, mas induz a considerar a existência de um momento criador, quando tudo começou para que um dia o homem pudesse existir. Nem a teoria de um universo estacionário que, aparentemente, procura fugir ao ato criador consegue explicar a existência do universo, no máximo traduzindo-se no apaziguamento da consciência, se não na transformação do universo em um novo deus”.
consideremos um outro lado: O Livro dos Espíritos não conceitua Deus como sendo a causa final de todas as coisas, mas é, evidentemente, o que decorre de toda a Doutrina”. A razão, o objetivo final de tudo o que ocorre, é sempre determinado pelo alcance de um alvo único - Deus, que assim não foi só o impulsionador primeiro, mas é o ponto de atração de todo o universo: todas as coisas, todos os seres estão Nele centrados e dirigidos por Ele. O Evangelho revela, de modo simples, este unidirecionamento do universo quando recolhe as palavras de Jesus de que nenhum cabelo cairia sem a vontade do Pai. Não está aí a revelação deste sentido do universo, não é o reconhecimento de um comando, de uma direção? E noa podia deixar de ser assim num universo evolucionário, pois a evolução se dá sempre numa determinada direção para atingir um determinado alvo. Portanto, não podemos esquecer que temos em Deus não somente o princípio inteligente a impulsionar a marcha evolutiva, mas que temos nele, igualmente, a causa de atração de todo o universo que se apresente unidirigido.
A que vem isto? Por que tais considerações que poderiam parecer dispensáveis? São perguntas que naturalmente podem ser colocadas pelos que as lerem. À primeira vista, inexistiriam razões para fazê-las, porém, a partir delas, gostaria de chamar a atenção de que o fato de nos voltarmos, de modo peremptório, para o ato criador, até deslumbrados com as conquistas que vai fazendo a ciência no desvendamento dos mistérios cosmogônicos, tem desviado a atenção dos indivíduos de observar a direção da própria vida, a condução dos próprios passos. O que quero dizer é que, geralmente, o homem se volta para um Deus criador, colocando-O a uma distância infinita, e, por isso mesmo, desconhece sua presença, sua direção, relutando contra sua atração. Não parece certo reconhecer que, se tivéssemos uma visão mais correta da presença de Deus como o supremo objetivo da vida, outra seria a nossa conduta, outro o nosso comportamento? Não sei se, pelo fato da civilização cristã ter sido influenciada durante muito tempo por Aristóteles, diretamente ou via São Tomás de Aquino, a sobrevivência de certos conceitos perdura no mundo ocidental, embora não possamos culpar o doutor da Igreja. Agimos ou não, em nossas vidas, como o filósofo estagirita, ou seja, admitimos um Deus como primum mobile, mas, do mesmo modo que ele o afastou de qualquer influência no universo existente, nós também costumamos afastá-Lo de nossas vidas? É claro que não falo de um afastamento formal. De modo algum; ainda vemos pessoas persignarem-se diante dos santos e das igrejas, ajoelharem-se na via pública a reverenciar Alá voltadas para Meca, celebrarem o Shabat com todo o ritual e participarem de reuniões e reuniões mediúnicas, e doutrinárias, num esforço, talvez, de inscrever-se em algum Guiness Book - o livro dos recordes. Refiro-me à questão essencial da aceitação de Deus na própria vida, em seu direcionamento, em conformidade com as leis divinas. Mesmo no campo espírita, infelizmente, não podemos dizer que temos feito muita coisa melhor que os outros. É preciso não confundir o conhecimento revelado pelos Espíritos, o conhecimento doutrinário, as perspectivas que estes conhecimentos abrem para o ser humano, com a atitude do espírita individualmente, nem com o movimento espírita como conjunto.
Chega-se à Doutrina, toma-se conhecimento de uns tantos princípios, inscreve-se o indivíduo como sócio contribuinte de uma ou mais sociedades, com o pagamento de uma pequena mensalidade de praxe, às vezes se dispõe à participação em algum movimento social patrocinado pela Doutrina, mas... Este mas ou porém diz sempre respeito a uma série de coisas que o indivíduo resolve não abrir mão. Realmente a sua natureza não mudou, ou modificou-se, em fatores que eram essenciais. Assim, admita-se ou não, Deus está colocado à parte da vida, pois apesar de ter gerado o universo, nós teimamos em impedir que Ele recrie a nossa natureza, ou seja, utilizamos mal o nosso livre-arbítrio, desconhecendo que os piores inimigos não são os outros, não são os obsessores, mas nós próprios, que abrimos canais extensos à ação do mal.
Que aconteceria se atentássemos para o fato de que Deus é realmente o objetivo da vida humana e que a marcha evolutiva nele se consuma?” Que aconteceria se o homem passasse a agir consoante este entendimento? Os nossos males não são derivados da disparidade entre o nosso discurso e os nossos atos? Consideremos o fato de que temos, em O Evangelho Segundo o Espiritismo, um roteiro de conduta cristã dirigido para homens comuns, e não para santos. Ali está o básico, e eu gostaria de dizer, o indispensável, para que se possa ser reconhecido como um verdadeiro espírita, verdadeiro cristão, que, como disseram os Espíritos, é a mesma coisa. Temos, portanto, um manual prático de como dirigir a vida consoante as leis divinas. Toda vez que alguém se inicia no Espiritismo com a recomendação de praticá-lo, se desejasse ser espírita. Não seria demais, devemos enfatizar a questão. A única dificuldade que vejo não está no preço do livro, nos custos que isto poderia acarretar, mesmo porque o grande esforço de divulgação das editoras tem sempre deixado o Evangelho ao alcance das bolsas; a única dificuldade, repito, seria saber quem teria autoridade suficiente para a entrega e a recomendação.
Tal observação pode fazer sorrir ou chorar. Mas o que importa realmente é aprendermos a trazer Deus por dentro de nossas vidas, pois este é o único modo de resolvermos os problemas do mundo.
Espírito Deolindo Amorim
Médium Elzio Ferreira de Souza
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