Estudando o Espiritismo

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terça-feira, 16 de setembro de 2014

Filosofia da Ciência Espírita – I – A Religião

Filosofia da Ciência Espírita – I – A Religião

Matheus Artioli Firmino

O Espiritismo é considerado por alguns como mais uma filosofia espiritualista. Outros já o enquadram como uma ciência rigorosa, empírica, não apresentando nenhum compromisso com princípios metafísicos. Outras correntes admitem um caráter eminente-mente religioso e moral, sem reflexões filosóficas ou teorias científicas. Finalmente, há aqueles que o classificam como mais uma técnica de cura ou terapêutica de medicina alternativa.

O que é realmente o Espiritismo ? Emmanuel ensina-nos que encontramos um tríplice aspecto, intrínseco em cada conceito espírita: ciência, filosofia, religião [1]. Assim ele divide os tópicos de seu livro O Consolador. Mas o que significa cada um desses termos e quais são as implicações desse entendimento? Vale a pena pensar nisso? Sabemos que sim, para descobrirmos os objetivos e método em que se formou a Doutrina Espírita. E, para compreendermos melhor, estudaremos nesta e nas próximas páginas esses três conceitos.

Na verdade, desde a pré-história humana, quando o homem ainda não desenvolvera a escrita, percebemos a busca incessante da felicidade. E, para chegar à felicidade, as experiências terrenas sempre levam a um questionamento sobre a realidade e as causas dos fenômenos que nos envolvem.

Entretanto, segundo Allan Kardec, "sendo o progresso uma condição da natureza humana, ninguém tem o poder de se opor a ele. É uma força viva que as más leis podem retardar, mas não asfixiar."[2] Vemos o ser primitivo inteiramente preocupado com a satisfação de seus interesses materiais. Nada podendo ainda conceber fora do mundo visível e tangível, imagina toda a realidade constituindo-se dos seres e das coisas com que se deparam. Mais tarde, torna-se necessário, para entender a si próprio, a compreensão do abstrato, para então, aos poucos, adentrar na essência espiritual da vida: a Verdade Real.[3]

Nesse sentido, diversas formas (métodos) de obter o conhecimento da Verdade a respeito de numerosos assuntos (objetos) foram construídos pela sociedade, em todos os períodos da humanidade. Não pretendemos aqui, definir cada método, mas os estudiosos do saber humano classificam o Conhecimento em dois grande grupos: o não-racional e o racional. Toda obtenção passiva, exterior, sem análise, pertence ao primeiro grupo: as diferentes superstições, as ideologias e, como veremos a seguir, as religiões. Por outro lado, todo conhecimento elaborado, refletido, pertence ao segundo grupo: a filosofia e a ciência.



Isso não implica dizer que a informação obtida é verdadeira ou falsa. A Verdade pode estar em qualquer uma dessas formas, mas elas se diferem pelo método, pelo meio de atingi-la. Muitas vezes, a conhecimento racional erra enquanto o não-racional detêm a veracidade.

A primeira grande organização do saber foram as religiões. Sabemos que os objetos (os assuntos) principais de qualquer religião são a Existência de Deus e a Imortalidade da Alma. Derivada do verbo latino "religare", a religião representa um laço de união entre a criatura e o Criador [4]. Por que, então, é classificada, de um modo geral, como uma forma não-racional do saber, até mesmo como uma superstição melhorada? Porque a esmagadora maioria desenvolve-se segundo o método da Revelação.

Revelar, do latim "revelare", cuja raiz é "velum", véu, significa literalmente "sair de sob o véu", figuradamente, descobrir, fazer conhecer uma coisa secreta ou desconhecida. No sentido especial da fé religiosa, a revelação é sempre feita a homens privilegiados, designados como profetas ou messias, isto é, enviados, missionários, incumbidos de transmiti-la aos homens. Considerada sob esse ponto de vista, a revelação implica passividade absoluta; é aceita sem controle, sem exame, sem discussão. A submissão faz aceitar "de fora para dentro"[5].

Notemos um exemplo. As primeiras civilizações desenvolvidas no transcurso da história, as Sociedades Hidráulicas, apoiavam-se totalmente na religião. Nessas organizações, a distinção social começou a se fazer notar quando a luta pela posse das áreas cultiváveis em torno de rios (Nilo, Tigres, Eufrates, Jordão, etc.) levou a se defrontarem os camponeses, na posição de possuidores da força de trabalho, e os proprietários patriarcais das terras, que delas se apoderaram e as mantinham invocando a proteção dos deuses e dos sacerdotes. Pelo "respeito" ao mais velho (patriarca) ou mais forte, os camponeses trabalhavam exaustivamente, organizavam exércitos, executavam ordens, mas não eram considerados escravos [6].

Desse modo, enquanto uma grande massa de trabalhadores produziam alimentos para a sociedade, os sacerdotes, a nobreza e o governante tinham mais tempo para estudar os fenômenos naturais, desenvolvendo a astrologia, a matemática, a religião, etc. Um fato da natureza de especial interesse nesse momento foi a mediunidade ostensiva, havendo intensas comunicações com os "mortos". Espíritos familiares instruíam o clero de forma característica para cada povo. Os "estudiosos" interpretavam segundo suas idéias necessariamente limitada, restrita à mentalidade da época, embutindo ilusões e imaginações, corrompendo a verdade.

Um exemplo clássico disso, foi o surgimento do princípio da Metempsicose. Essa doutrina, oriunda dos egípcios e, posteriormente, na Grécia Antiga (Pitágoras), aceita a Lei da Reencarnação, mas professa a possibilidade de uma alma humana renascer num corpo de um animal inferior, retrocesso na árvore evolutiva. Sabemos, porém, que a reencarnação, apesar de ser bem estabelecida como verdade inabalável, tem como finalidade o progresso sem retorno. Uma provável origem dessa crença na Metempsicose, foi a aparição de Espíritos desencarnados, tão grosseiros e inferiores, que plasmaram no corpo espiritual (perispírito) suas idéias bestiais, aparecendo sob a forma temporária de animais. A interpretação da natureza animal desses seres podem ter levado à Metempsicose ou, indo mais além, a crença em deuses zoomórficos (forma total de animais) ou antropozoomórficos (com forma semi-humana e semi-animal) [7].

Outro fato digno de nota é a questão da Ressurreição, professada inicialmente pelos princípios hebraicos, no entanto aceita largamente por várias doutrinas cristãs. Está bem claro que um corpo morto não pode retomar à vida orgânica original, mas entra no ciclo inviolável da natureza de transformações. Além da reencarnação, retorno à vida orgânica em um novo corpo, pode ter gerado confusão, outro fato provavelmente levou à idéia de ressurreição. Um Espírito desencarnado, principalmente aqueles cujo desenlace da matéria foi recente, apresenta-se geralmente com o perispírito da mesma forma do último corpo. Uma aparição aos sacerdotes nessa forma, fez surgir uma conclusão precipitada, de que a pessoa ainda estava ainda viva com o mesmo corpo [2] .

E de todos os tempos, os "reveladores" da verdade, ainda extremamente encoberta por fantasias, sempre dependentes de médiuns, sob nomes diversos, como sacerdote, rabino, padre, píton, profeta, pastor, pajé, lama, monge, etc., arrogavam-se o privilégio de relacionar-se com a Divindade. O servos submissos, suportando horas de trabalho árduo, esperavam ansiosos receber "os recados confortadores dos deuses", pela voz de seus superiores. Por isso, entendemos as religiões detendo uma razão de ser providencial, apropriadas ao tempo e ao meio, ao gênio particular dos povos. Apesar do erro dessas doutrinas, não deixaram de agitar os espíritos e, mesmo por isso, de semear os germens do progresso, que mais tarde haviam de alastrar-se ou se alastrarão à luz brilhante do cristianismo [5].

No entanto, esses reveladores, engajados em cargos políticos, transformaram a religião em instrumento de dominação; com ambições secundárias sociais, de fama, têm explorado a credulidade em proveito de seu orgulho, da sua cupidez ou de sua indolência e acham mais cômodo viver à custa dos iludidos [5]. Além das interpretações surgirem erradas por precipitação, alguns conceitos foram cortados ou incluídos propositalmente. A crença no sobrenatural e no poder milagroso possuído pela nobreza e clero, foi um artifício psicológico de controle que, em termos de eficiência, é muito mais interessante que um exército gigantesco. Lembremos que a mediunidade é uma faculdade natural da criatura humana, variando em intensidade, mas não escolhe a classe social em que desabrocha. Por isso perguntamos, quantos médiuns ostensivos que apareceram na população mais carente, com expressiva percepção da vida futura, não foram ignorados, discriminados, condenados ou mortos?

Nessa forma de religião passiva, não é nem um pouco interessante que a população pense, conheça ou saiba usar os fenômenos. Para os governantes, o comodismo das massas é o melhor meio de atingir os interesses pessoais. Os conceitos devem, então, ser intocáveis, como dogmas. Daí a necessidade de surgirem outros métodos para atingir a Verdade. Emergiram pensadores desafiadores da religião, não por rejeitarem seus conceitos, mas para produzirem o próprio conhecimento, mesmo errando, porém com a possibilidade de discutir e usufruir o direito da Liberdade.

Toda essa busca levará o homem a entender que religião, crença, rótulo, sem religiosidade, isto é, sem vivência dos princípios aceitos, estaciona e detém em alguma parte do processo em estudo.

Portanto, "a Religião é sempre a face augusta e soberana da Verdade; porém, na inquietação que lhes caracteriza a existência na Terra, os homens se dividiram em numerosas religiões, como se a fé também pudesse ter fronteiras, à semelhança de pátrias materiais, tantas vezes mergulhadas no egoísmo e na ambição de seus filhos."[1]

Referências Bibliográficas:

[1] Emmanuel (1988). O Consolador, 14a Edição. FEB. Definição, página 19; item 292.
[2] Kardec, Allan (1994). O Livro dos Espíritos, 54a Edição. LAKE. Terceira Parte, Capítulo 8: item
783.
[3] Kardec. Allan (1979). O Céu e o Inferno, 3a Edição. LAKE. Primeira Parte, Capítulo 9: item 2.
[4] Durozoi, Gerard e Roussel, André (1996). Dicionário de Filosofia, 2a Edição. PAPIRUS. Verbete
Religião: página 406.
[5] Kardec, Allan (1999). A Gênese, 19a Edição. LAKE. Capítulo 1: item 7 e 8.
[6] Arruda, JJA, Fernandes, SR, Turin, E (1999). História Antiga e Medieval. SOL. Capítulo 3: 13-19.
[7] Ângeles, Joana de (1982) . Estudos Espíritas. FEB. Renascer: página 71.
Julho/2001

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