Estudo Dinâmico do Evangelho
Segunda edição
Amílcar Del Chiaro Filho
Capítulo XII - Seqüência do Sermão da Montanha - Tesouros e Outros.
Jesus prossegue no mesmo discurso, e Mateus registra no capítulo 6: 19 a 24. Jesus fala sobre tesouros e sentencia: Não ajunteis para vós tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem os consomem, e os ladrões penetram e roubam. Lucas, no capítulo 12:32 a 34 – mas especialmente no 34, diz: ... porque, onde está o teu tesouro, aí estará também o teu coração. (ver Evangelho).
Não é difícil entender (pelo intelecto), que os bens da terra tem valor efêmero, porque, na verdade, não nos pertence, pois deixamos tudo aqui quando desencarnamos (morremos), mas é difícil, muito difícil entender no coração, porque arranjamos mil desculpas para apegar-nos e não sentirmos nenhum remorso. O tesouro do avarento é o seu dinheiro. Do alcoólatra é a bebida. Do sensualista é os gozos. Outros colocam seu tesouro na fama, no poder, na glória e etc.
Na verdade, o maior perigo está na sedução, na atração das coisas materiais. Se possuíssemos as riquezas, sem nos escravizarmos a elas, se não permitíssemos que ela nos possuíssem, não haveria nenhum mal.
Allan Kardec, afirma que a prova da riqueza é muito mais perigosa do que a pobreza, porque faculta facilidades, gozo, poder, abuso de toda espécie, que o pobre não tem dinheiro para comprar, por isso se isenta dessa responsabilidade. Contudo, não ficará isento se não as pratica somente porque não tem recursos. Se os ricos podem ser condenados pelo apego daquilo que possuem, os pobres, com mais razão, podem ser condenados por se escravizarem aos bens que não possuem.
Acreditamos que quando Jesus afirmou: Não vos preocupeis com vossas vidas, pelo que haveis de comer ou beber, nem com o vosso corpo, pelo que haveis de vestir: não é a vida mais que o alimento e o corpo mais que a roupa? Olhai as aves do céu... (Mateus 6:24-34 e Lucas 12:22-31) não pode ser entendido conforme a letra que mata, e sim, conforme o espírito que vivifica. Do contrário seria a consagração da ociosidade. Não devemos ser escravos das riquezas, mas não devemos, também, ser pesado para ninguém, ou para a sociedade. O ideal é que aprendêssemos a viver sem precisar de muitas coisas, sem invejarmos o próximo, sem ter ansiedades e preocupações que nos desgastam. Paulo diz em uma das suas cartas: sei viver na pobreza e sei viver na abundância.
Homens cósmicos não precisam de propriedades para viver. Jesus não tinha uma pedra onde repousar a cabeça. Budha nasceu rico e abandonou o seu palácio com as suas riquezas. Gandhi, ao morrer deixou como herança, uma tigelinha onde comia o seu iogurte de leite de cabra, uma colher de cabo quebrado, um lençol em que envolvia seu corpo, um par de óculos e um par de alpercatas, pois, a cabra que o servia dando-lhe o leite, não era dele, e sim de um amigo que lhe emprestara.
Contam que um sábio grego, da antigüidade, estava sentado sobre uma grande pedra vendo a sua cidade arder em chamas, num incêndio devastador. Ele observava o vai e vem das pessoas tentando salvar os seus bens, quando alguém lhe perguntou se ele não ia salvar seus pertences, e ele respondeu que tudo que ele possuía estava com ele, em seu coração e sua mente.
Huberto Rohden explica que o homem profano está fora, à frente do Templo, mas não quer entrar porque é dominado pela matéria. Quer possuir, gozar, usufruir, tirar vantagem de tudo, enriquecer de qualquer maneira, mesmo por meios desonestos. O homem místico agarra-se às coisas que julga ser do espírito e despreza o mundo, torna-se misantropo. Gosta de exibir a sua pobreza. Veste-se mal, come mal, e o sexo causa-lhe repugnância, utilizando-o apenas para procriar. O homem cósmico, que já passou pelas duas fases precedentes, é espiritual, mas não despreza o mundo e nem as suas riquezas, mas não se deixa seduzir ou escravizar por elas.
Rohden, diz ainda, no seu livro O Sermão da Montanha: Esse homem (cósmico) não precisa mais lutar pelas coisas necessárias, porque a natureza, amiga e aliada, lhe abre o tesouro das suas forças secretas, e lhe fornece espontaneamente e jubilosamente, todas as coisas de que ele tem mister, a fim de poder dedicar o melhor do seu tempo e das suas energias à causa magna do reino de Deus e sua justiça.
Num outro texto ele diz: O homem que trabalha para implantar o Reino de Deus na Terra, não precisa se preocupar com o que necessita para viver, porque aquilo que ele necessita, o procura.
Em outro passo do Evangelho, opina Del Chiaro, Jesus afirma: Procurai em primeiro lugar o Reino dos Céus e a sua justiça e tudo o mais lhe será dado por acréscimo de misericórdia. Ou conforme outros, lhe será acrescentado. Ora, o que Jesus falou sobre o Reino dos Céus, ou o Reino de Deus, que é uma só coisa? Ele disse que o Reino não vem com aparências exteriores, depois afirma: O Reino de Deus está dentro de vós. Então essa justiça deverá estar dentro de nós. Temos que ser justos e viver com justeza. Não se trata de julgamento jurídico, conforme diz Rohdem em outra passagem, mas justeza, lealdade, compreensão, fraternidade, aceitação, amor. É ser o sal da terra e a luz do mundo.
Ajuntai para vos tesouros no céu, onde não enferrujam e nem o ladrão penetra para roubar. O Espiritismo ensina que não devemos ajuntar riquezas egoisticamente, mas sim em família. Entendamos que não se trata de família pelo sangue, mas família em humanidade. Kardec deixa bem claro que uma propriedade só é legítima quando foi adquirida sem prejuízo de ninguém.
Quando Kardec questionou os espíritos sobre os bens recebidos em herança, eles responderam que é preciso verificar se a riqueza não foi usurpada de alguém na sua origem.
No entanto, o discurso de Jesus prossegue, e Mateus registrou no capítulo 7:1 a 5 e Lucas aborda o mesmo assunto no capítulo 6:37 –38 – e retoma nos versículos 41-42 (ver Evangelhos). Não julgueis para não serdes julgados. A lição é simples, não trata de julgamento jurídico feito por um magistrado, e sim no nosso julgamento, que estamos propensos a nos julgar melhores que as outras pessoas. O que Jesus adverte é sobre o julgamento leviano, vulgar. Na passagem há uma advertência da lei de causa e efeito: se julgamos levianamente alguém, estamos sujeitos a sermos julgados levianamente por outras pessoas. Naturalmente, não é preciso que tenham que existir levianos, mas a lei maior aproveita as disposições levianas das pessoas, para que, no contato social, castiguem-se mutuamente. Se não existissem levianos que julgam mal o seu próximo, não haveria esse tipo de resgate.
Jesus de Nazaré usa uma hipérbole, para falar daqueles que tem graves defeitos e ficam a apontar os defeitos menores do seu próximo. Por que vês o cisco no olho do teu irmão e não percebes a viga que tens no teu? Hipócrita, tira primeiro a viga do teu olho e então enxergarás bem para tirar o cisco do olho do teu irmão. (tradução do Pastorino dos versículos 3 e 5 de Mateus).
A. N. Wilson, considera a hipérbole exagerada (toda hipérbole é exagerada) dizendo que certamente Jesus não era um carpinteiro, pois, se fosse, conheceria a imensa diferença existente entre um cisco e uma trave ou viga.
Mateus 7:6 coloca nos lábios de Jesus palavras muito duras, fazendo com que muitos pensem que elas não são de Jesus. Não deis o que é santo aos cães, nem lanceis vossa pérolas diante dos porcos... (ver Evangelho). Acreditamos que o que ele quer dizer é que existem pessoas evolutivamente tão atrasadas, que não tem condições de compreender as coisas superiores do espírito. Podem mesmo voltar-se contra o seu benfeitor e instrutor e despedaçá-lo, como os porcos que pisaram sobre as pérolas.
Pessoalmente acreditamos que as iniciações, os ensinamentos ocultos, terminaram quando o véu do santuário rasgou-se de alto a baixo, mas nem tudo pode ser ensinado indiscriminadamente a todos. Se não mais existem iniciações nos Templos, nas doutrinas secretas, existe uma seleção natural, uma iniciação cósmica.
Richard Simoneti, no livro, A Voz do Monte, diz que os princípios espíritas devem ser levados a todos indistintamente, mas a mediunidade é coisa santa que deve ficar restrita àqueles que aceitaram e compreenderam o Espiritismo. No dizer de Simoneti, uma sessão espírita só deve ser realizado com um objetivo santo.
Mateus, no capítulo 7:7 a 12 e Lucas no 11:5 a 13 registram as palavras de Jesus: pedi e dar-se-vos-á. Procurai e achareis. Batei e abrir-se-vos-á. (ver o Evangelho) Os evangelistas colocam uma condição comparativa simples, em relação ao pai humano e o Pai Criador. Qual é o pai, cujo filho lhe pedir um pão lhe dará uma pedra... Escreve Rohden: Pedir é rogativa de quem compreende que tudo pertence a Deus e ele é o dispensador. Batei, é ação – trabalho – trabalhar pelo que se pediu, criar condições favoráveis. Não se trata de muito pedir, insistir, importunar até conseguir, porém, confiar. Aquele que pede boas coisas (pão – peixe – ovos para a nutrição do corpo) está na condição do homem profano. E o que pede (luz, sabedoria, fé para a nutrição do espírito, está na condição do homem místico. O homem cósmico já não precisa pedir porque sabe que tudo que ele precisa lhe será dado.
Deduzimos facilmente que quem mentaliza coisas ruins, como, pedra, cobra, escorpião, atrairá infelicidades, tristezas, desgraças, doenças.
Precisamos compreender que muitas vezes não recebemos aquilo que pedimos porque nos é inconveniente. Nós mesmos não damos tudo o que os nossos filhos nos pedem, especialmente quando ainda são crianças. Será que evolutivamente não somos crianças espirituais? As vezes pedimos a cura de uma doença e a cura pode ser inconveniente para a nossa evolução.
Os dois cronistas do Evangelho terminam este passo com a regra de ouro dada por Jesus: Assim como quereis que vos façam os homens, assim fazei vós a eles.
Mateus no capítulo 7: 13 –14 aborda a porta estrada. Mateus diz: Entrai pela porta estreita: por que larga é a porta e espaçosa a estrada que conduz a perdição, e são muitos os que por ela entram. Mas estreita é a porta e apertado a estrada que conduz à vida, e poucos são os que a encontram. Lucas, fala das dificuldades da evolução no capítulo 13: 23 a 30 – e fala também que devemos forcejar por entrar pela porta estreita.
O caminho apertado é o dever, a boa conduta, o amor fraternal. Com o tempo, o nosso dever se transformará no nosso querer. Diremos então: entrei pelo caminho estreito por livre escolha. Sou cristão (Cristianismo do cristo e não dos seus vigários) por opção própria. Sou espírita porque quero, por amor ao Espiritismo, não por medo ou supostas vantagens.
A estrada larga é a da sedução. Nela encontramos a satisfação dos desejos inferiores, como orgulho, vaidade, egoísmo, violência, sensualidade, desonestidade....
Torres Pastorino faz uma admoestação contundente, dizendo que são poucos os que procuram a porta estreita e acertam com ela, porque se equivocam. Por exemplo: Há os que pensam que é pela devoção piedosa. Outros, pelos estudos cerebrais dos vocábulos. Outros por ações taumatúrgicas, milagreiras, Outros pelo puro mediunismo mecânico. Outros ainda, por conversas com os desencarnados. Há os que se apegam à posições corporais, como exercícios da Ioga, da meditação profunda. Poderíamos acrescentar que outros procuram esse caminho na doação de cestas básicas e na caridade material. Acreditamos que todos esses caminhos são válidos, mas parciais.
Os que encontraram o caminho real sabem que ele conduz para dentro. O caminho é para o nosso interior. Conforta-nos saber que embora seja muito difícil acertar com a porta estreita e o caminho estreito, teremos tantas oportunidades quantas forem necessárias para continuar procurando.
Herculano Pires, no livro, O REINO – assinado com o pseudônimo, Irmão Saulo – conta a história de um homem que subia um estreito e escarpado caminho que o conduziria ao “Reino”, e chegando diante de um imenso portão, ofegante pelos esforços da subida e pelo peso dos sacos que trazia às costas, que guardavam os seus tesouros, tomou da grande aldabra e bateu com força. Abriu-se, não o portão inteiro, mas uma estreita abertura, por onde ele pôde divisar um panorama maravilhoso, um verdadeiro paraíso com rios de mel e leite. Tentou entrar com os seus sacos às costas, mas a portinhola era muito estreita e não dava passagem. Esforçou-se muito sem querer largar os sacos com os seus tesouros. Cansado, sentou-se ao chão, colocando os sacos à sua frente, enquanto olhava com olhos compridos para dentro do portão. De repente um dos sacos começou a rolar ladeira a baixo. Ele agarrou os outros sacos e tentou segurar o que escapara, mas acabou rolando com toda a carga lá para o fundo do abismo, e somente quando ele chegou ao fundo, que a portinhola que permanecera aberta num convite sereno, fechou-se.
Uma outra linda história é de Cid Franco, aliás, grande amigo de Herculano Pires. Num pequeno livro chamado Dois Caminhos, ele narra: Dois são os caminhos. O da violência e o da não-violência. Violência de pensamentos, palavras e atos. Não violência de pensamentos, palavras e atos. São dois os caminhos. É fácil correr pelo primeiro. É difícil caminhar lentamente pelo segundo. Bastam os instintos para escolher o primeiro. Só o sentimento e a vontade, apoiados em lúcido raciocínio, escolhem o segundo. Oh! Abandonemos o caminho velho, o caminho da violência. Tomemos o caminho novo. Novo? Há séculos grandes seres seguiram por ele, e seus pés deixaram para todos nós um rasto luminoso de estrelas, a poeira que caiu de suas sandálias. Os pés do Cristo, nosso Mestre e Senhor, os pés de Gautama, os pés de Francisco de Assis... Perto de nós, os do Mahatma Gandi. E de tantos caminheiros da não-violência. O que encontramos no fim do caminho velho? O ódio e a morte. Que nos espera no caminho novo, ou melhor, na estrada que até hoje não palmilhamos. O amor e a vida.
Jesus, em Mateus em 7:15 a 20 fala para nos guardarmos dos falsos profetas, que se vestem de ovelhas, mas são lobos vorazes. Lucas em 6:43 – 45 fala da arvore e dos frutos, dizendo que a boa árvore não dá maus frutos e a arvore má não produz frutos bons. Falsos profetas sempre existiram. É preciso que os homens aprendam a ver que tipo de frutos eles dão. Lucas termina o seu texto, dizendo: O homem bom, do bom tesouro do seu coração tira o bem, e o homem mal, do mau tesouro, tira o mal; porque a boca fala do que está cheio o coração.
No capítulo XXI de O Evangelho Segundo o Espiritismo, Allan Kardec fala da missão dos profetas e que não devemos entender como profetas apenas aqueles que fazem previsões. Kardec aproveita a advertência de João, o Evangelista, e faz um comentário sobre o não creiais em todos os espíritos, mas provai se eles são de Deus. Erastos, numa mensagem oportuna, adverte quanto aos falsos profetas da erraticidade, ou seja, espíritos que são falsos profetas.
Jesus termina o seu extraordinário discurso e desce do monte e a multidão o acompanhou. Queremos deixar bem claro que não examinamos o Sermão da Montanha versículo por versículo, mas destacamos aqueles que, na nossa visão, são mais importantes.
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