Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 19
"O dever é o resumo prático de todas as especulações morais; é uma bravura da alma que enfrenta as angústias da luta".
O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 17 - Item 7
Angústia é o sofrimento emocional originado por alguma indefinição interna que leva ao conflito, causando intensa aflição. Seus reflexos podem alcançar o corpo físico com dores no peito e alteração respiratória. A intensidade da reação emocional que a criatura terá, diante desse seu conflito, vai determinar a existência ou não de algum prejuízo para o equilíbrio psíquico e mental. Isso ainda dependerá do maior ou menor comprometimento da individualidade com o tribunal da consciência, no qual está arquivado o montante de desvarios e conquistas de suas múltiplas vivências reencarnatórias.
Seguindo quase sempre uma linha predefinida, os conflitos nascem do desajuste entre aquilo que a criatura quer, aquilo que ela deve e aquilo que ela consegue. Um descompasso entre desejo, sentimento e escolha.
O conhecimento espírita pode levar à angústia existencial diante de novos alvitres comportamentais de suas lúcidas propostas. Muitos corações convidados por suas atrativas ideias poderão experimentar, em graus diversos, a angústia da melhora – o sofrimento que reflete a luta entre o eu real e o eu ideal.
Terminantemente, quantos se entregam ao serviço de autoburilamento penetrarão as faixas do conflito. O efeito mais perceptível dessa batalha interior é o sentimento de indignidade. Por ainda não lograrmos a habilidade do autoamor, costumamos ser muito exigentes com nossas propostas de progresso moral, cultivando uma baixa tolerância com as imperfeições e os fracassos. Uma postura de inaceitação e cobranças intermináveis alimenta essa indignidade em direção ao perfeccionismo.
O resultado iminente desse quadro mental é o cansaço, a desmotivação com as atividades espiritualizantes induzindo o desejo de abandonar tudo, uma postura psicológica de impotência que leva a criatura às famosas senhas de derrotismo: "Não vou dar conta!" ou "Não tem valido a pena o esforço!", "Estou cansado de viver!". Todo esse quadro de desastrosa penúria cria a condição mental do desânimo – o mais cruel e sagaz dos adversários de nosso crescimento espiritual.
Querer ser melhor e não conseguir tanto quanto gostaríamos! Eis a mais comum das angústias durante o trajeto de aperfeiçoamento na vida.
O desânimo é o desejo de parar, contudo nosso sentimento é de querer ser alguém melhor e, para agravar, nossas atitudes, em contraste com o desejo e o sentimento, são de fuga. Desejo, sentimento e atitude em desconexão gerando um estado de pane. Os conflitos criam as tensões no mundo íntimo em razão da contraposição entre esses três fatores: o que a criatura gostaria, o que ela deve e aquilo que ela consegue.
Nesse torvelinho da vida mental, um fenômeno é responsável por intensificar a dor emocional dos candidatos ao autoaperfeiçoamento, ou seja, a ilusão. Em muitos casos, sofremos os impactos emocionais do erro ou do desconforto com nossas imperfeições porque nos acreditamo grandiosos demais, portadores de virtudes que ainda não alcançamos, confundindo o conhecimento espírita e a participação nas tarefas com incomparáveis saltos evolutivos. Ilusão, ou desconexão com a própria realidade pessoal, agrava a tormenta da angústia de melhoramento.
Decerto não deveríamos agir como agimos em muitas ocasiões, considerando o volumoso caudal de conhecimentos e vivências espirituais que enobrecem nossos passos, contudo, quase sempre, sofremos culpa e desânimo perante nossas falhas porque nos imaginamo valorosos em demasia para, ainda, permitir que certas condutas manchem os novos caminhos que escolhemos.
Muito justo que nos exortemos a melhores comportamentos diante do aprendizado espiritual que bem recentemente começamos a angariar. Todavia, muita exigência tem sido formulada aos adeptos do Espiritismo, sem nenhuma identidade com as necessidades individuais de sua singularidade. Mormente nascem de padrões construídos por modelos de conduta. Semelhante quadro pode gerar tormenta e obsessão para quem não sabe adequar sua realidade àquilo que aprende, sendo outra fonte costumeira de episódios angustiantes para a alma.
Ninguém sintetizou tão bem essa caminhada da vida interior quanto Paulo, o apóstolo dos gentios, ao mencionar: "Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço" (1). A grande batalha humana pela instauração do bem em si mesmo pode ser sintetizada nessa frase.
A saga da perfeição inclui a dolorosa luta entre aspirações e hábitos, conduzindo-nos a atitudes desconectadas dos ideias que cultivamos no campo das intenções. É o quadro psicológico que nomeamos como sendo angústia da melhora. Todo aquele que assume a lenta e desafiante tarefa da reforma íntima, inevitavelmente, será lançado a essa vivência da alma em variados lances de intensidade. Somente acendendo a luz do autoperdão, recomeçando quantas vezes forem necessárias, na aceitação das atitudes enfermiças e impulsos infelizes, é que edificaremos estimulante campanha de promoção pessoal no aprimoramento rumo à perfeição.
Reforma também exige tempo e meditação. Por isso não devemos recear a postura de enfrentamento do mundo íntimo. Um acordo de pacificação interior deve existir entre nós e nossa velha personalidade. Em vez de cobrança e tristeza, seria mais sensato um autoexame para verificar o que poderíamos ter feito de melhor nas ocasiões de erro, no intuito de condicionar na mente algumas diretrizes para outras oportunidades, nas quais novamente seremos testados naquelas mesmas deficiências das quais não conseguimos nos desvencilhar. Proceda a uma corajosa reconstituição do mau ato e analise o que poderia ter feito ou deixado de fazer para não chegar aos resultados que o infelicitam. Da mesma forma, instrua-se sempre sobre a natureza de suas mazelas, a fim de melhor ajuizar sobre sua maneira de atuação. Se de nada valerem semelhantes apontamentos, então reflita que pior ainda será se você parar e decidir por interromper o doloroso trabalho de melhoria.
Lázaro nos adverte de forma oportuníssima sobre o dever, definindo-o como "... uma bravura da alma que enfrenta as angústias da luta". Conquanto o valor do autoconhecimento, jamais poderemos descuidar do dever que nos chama, porque somente em seu rigoroso cumprimento encontraremos as condições essenciais para consolidar os reflexos novos. Somente com novos hábitos, que serão dinamizadores de novos raciocínios e sentimentos, romperemos a pesada carapaça das enfermidades morais, acolhendo no coração um estado de plenitude que ensejará a superação da angústia e da depressão, do desânimo e do desamor a si mesmo.
Diante disso, somente uma recomendação não deve sair do foco de nossas atenções: trabalhar, trabalhar e trabalhar, sem condições e exigências – eis o buril do dever.
Na medida em que progredimos pelas trilhas do dever e do autoconhecimento, adquirimos paz íntima e domínio mental, antídotos eficazes contra quaisquer adoecimentos da vida psíquica.
Enquanto se processam semelhantes ações de fortalecimento, podemos ainda contar com duas medidas profiláticas de dilatado poder em favor de nossa paz: a vigilância e a oração.
Verifiquemos que a função do vigilante é preventiva, é comunicar à sua volta que algo está sob cuidado e não à mercê das ocorrências. A função do vigilante não é atacar. Quem vigia, o faz para que algo não o surpreenda nem agrida. Vigilância no terreno da reforma íntima significa estar atento ao inimigo, aquele que pode nos causar prejuízos, nosso homem velho.
Vigiar o inimigo, no entanto, é diferente de abater o inimigo. A maneira mais pacífica de vigiar é conquistando-o, e só o conquistamos demonstrando a inviabilidade da guerra, fazendo fortes o suficiente os nossos valores para que ele se sinta impotente, incapaz de ser mais forte.
Vigilância é atenção para com as movimentações inferiores da personalidade, é o estudo sereno das estratégias do homem velho, requer muita disciplina.
Por sua vez, a oração é o movimento sagrado da mente no despertamento de forças superiores. É a busca da alma que se abre para o bem e se fortalece.
Dever, vigilância e oração – balizas seguras que nos permitem talhar o homem novo, mesmo sob a escaldante temperatura das velhas angústias que nos acompanham há milênios.
1. Romanos, 7:19.
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