Estudando o Espiritismo

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sexta-feira, 17 de setembro de 2021

Imprudência no Trânsito


Reforma Íntima Sem Martírio - Capítulo 20



"Quantos homens caem por sua própria culpa! Quantos são vítimas de sua imprevidência, de seu orgulho e de sua ambição!"


O Evangelho Segundo o Espiritismo – Capítulo 5 - Item 4


Cumprimos nossos afazeres rotineiros no Hospital Esperança, quando fomos chamados com urgência por dona Maria Modesto Cravo no saguão para confinamento de acidentados.


Descemos o mais rápido que pudemos em direção aos pavilhões do subsolo, acompanhados por Rosângela, jovem aprendiz que se tornou infatigável companheira nos serviços de socorro.


Ao chegarmos, adentramos a unidade de tratamentos especializados e vimos Frederico, excelente cooperador das lides mediúnicas em conhecido estado brasileiro, em condições dolorosas.


Dona Modesta nos recebeu com a notícia:


— Fizemos o que foi possível, como você sabe, Ermance, mas veja o resultado...


— E qual o prognóstico, dona Modesta?


— Coma mental! Foi recolhido trinta minutos após o acidente, sem problemas com vampirismo e nem com o desligamento dos chacras.


— Ficará no monitoramento ou vai para as câmaras de recomposição?


— Por dois dias, permanecerá aqui, depois vamos reavaliar o quadro. Verifique você mesma o estado.


Aproximamo-nos. Rosângela, sempre atenta, acompanhava cada detalhe. Frederico estava com o corpo em estado de languidez, musculatura flácida e muitos ferimentos expostos na região craniana. Um leve toque na sua fronte foi o suficiente para aferir a problemática mental. Intenso barulho de vidros estilhaçados e ferro sendo retorcido, seguido de uma infeliz sensação de descontrole e impotência. O corpo perispiritual assemelhava-­se a uma massa amolecida que lembrava um corpo após o desfalecimento, mas com muito maior soma de flacidez. Não seria exagero dizer que parecia estar se desmanchando. A cor arroxeada dos pés à cabeça dava a ideia cadavérica e assombrosa. Rosângela se apiedava da situação de nosso amigo e teve um leve mal­-estar devido à cessão espontânea de energias. Saímos um pouco do ambiente, juntamente com Dona Modesta, enquanto trabalhadores especializados tornavam outras providências.


Dona Modesta, sempre atenciosa, indagou:


— Está melhor, Rosângela?


— Sim, foi uma doação imprevista. Estou tranquila.


Percebendo que Rosângela se recuperava, dirigiu-se a mim com as informações:


— Como você bem conhece a história, a despeito das inúmeras qualidades que faziam dele um homem íntegro, Frederico agia como uma criança ao volante. Sempre impudente no trânsito, acreditava em demasia na segurança do automóvel e preferiu ignorar os cuidados que deveria tomar. Negou-se a se reeducar nas lições do trânsito e colhe agora o fruto amargo de sua opção. Foi alertado muitas vezes fora do corpo, durante as noites de sono, em vão. Providenciamos amizades que o chamaram à responsabilidade, sem sucesso. Por fim, ele vai ser a lição em si mesmo, embora com o elevadíssimo preço da vida física.


Atenta a sempre educadamente curiosa, Rosângela questionou:


— Poderíamos aventar a hipótese de inimigos espirituais no caso, já que era médium?


— De forma alguma, minha jovem.


— Haveria algum componente cármico em aberto para resgate em forma de morte trágica?


— Também não, Rosângela.


— Algum descuido da parte dele, que não seja na arte de conduzir o veículo?


— Absolutamente, ele era extraordinariamente precavido quanto à manutenção do carro, com o objetivo de que usufruísse tudo o que a máquina podia oferecer. Não ingeria alcoólicos, era possuidor de reconhecida habilidade visual e motora.


— Então é um caso de imprudência?


— Pura imprudência, minha filha. Ultrapassou em muito a velocidade permitida em plena via urbana. Retorna com trinta e sete anos de antecedência, deixando família e uma reencarnação promissora com sua mediunidade e vida espírita consciente. Todo o amparo possível e desejável em nome da misericórdia foi-­lhe oferecido. O mundo físico, nesse instante, vai cogitar de carmas e obsessões, resgate e liberação, todavia, o que Frederico mais vai precisar é de tempo, autoperdão, paciência e muitas dolorosas intervenções cirúrgicas.


— Quanta dor desnecessária! — asseverou a jovem com grande lamento.


— Não existe dor desnecessária, Rosângela, existem provas dispensáveis, ou seja, tribulações que poderíamos evitar. A dor será tão grande e valorosa que levará Frederico à virtude da prudência em toda a eternidade. O que é de se lamentar é que poderia aprender isso a preço módico nos investimentos da vida. Não podemos confundir acaso e programação divina.


— Elucide meus raciocínios, dona Modesta, qual é a diferença?


A benfeitora, no entanto, como de costume, querendo esquivar-­se da postura professoral, falou:


— Querida Ermance, responda você mesmo a essa oportuna interrogação que deveria ser refletida e mencionada entre os espíritas reencarnados.


— Sim, dona Modesta, com prazer. Como sabemos, o acaso seria uma aberração nas Leis do Universo, portanto, não existe. É parte de uma concepção da ignorância em que ainda estagiamos. Dessa forma, todo acontecimento tem suas razões explicáveis. A programação reencarnatória, entretanto, é um plano com objetivos divinos em favor de quem regressa à sagrada experiência corporal na escola terrena. Semelhante projeto sofre as mais intensas e flexíveis alterações durante a jornada. Veja o caso de Frederico, que alterou em mais de três décadas o seu retorno. Nem sempre o que acontece está na programação da vida física; nem por isso existe acaso, ou seja, mesmo o imprevisto tem finalidades sublimes na ordem universal, embora pudesse ser evitado. Nada existe por acaso, quer dizer, para tudo há uma causa, uma explicação. Isso não significa que tudo tenha de acontecer como acontece. Até os fatos do mal não existem sem causalidade, nem por isso podemos concebê-­lo como uma obra do Pai, e sim reflexo oriundo de nossas decisões infelizes.


— Em sua ficha não constava o regresso na categoria de morte trágica?


— Não, ele se enquadrava na morte natural por idade, gozando de plena saúde.


— Suponhamos, então, que constasse um resgate através de tragédia, qual seria sua situação?


Dona Modesta interveio com naturalidade, esclarecendo:


— Se assim fosse, minha jovem, ainda seria um suicida, porque estaria, nesse caso, antecipando o tempo de sua liberação. Inclusive a categoria de desencarne pode sofrer modificações, conforme o proveito pessoal na reencarnação. Temos casos, aqui mesmo no Hospital, de criaturas que ressarciriam velhos crimes de guerra com desenlaces lentos, sofrendo longamente nas pontas dos bisturis e tesouras cirúrgicas e que, no entanto, levaram um leve escorregão no banheiro e acordaram na vida extrafísica felizes e saudáveis... Há também mudanças para melhor...


A conversa avançou, enquanto aguardávamos algumas providências de refazimento a Frederico. Passados alguns minutos, fomos orientados por dona Modesta:


— Chamei-­a, Ermance, a fim de que possa integrar a equipe de amparo à família de Frederico. A esposa está inconsolável. Como você sabe, ela não tem a fé espírita e está confusa.


— Sim, vou inteirar-­me das iniciativas e logo rumaremos para a residência para prestar os auxílios possíveis.


Quando regressávamos para os pavilhões superiores do Hospital, acompanhados por Rosângela, ela retornou sua sede de aprender:


— Ermance, mesmo não tendo sido intencional, a morte de Frederico será considerada um suicídio?


— Certamente. Não há ninguém que vá considerar a morte de alguém um suicídio, mas o Espírito, ao retornar a posse da vida imortal, submete-­se aos regimes naturais que vigoram no Universo. Por se tratar de uma criatura tão consciente quanto o médium Frederico, a cobrança consciencial é maior. Ele próprio se imporá severos castigos.


— Então, mesmo não havendo intenções propositadas de um criminoso, ele guarda um nível de culpabilidade pelo esclarecimento que possuía?


— Certamente. Todo esclarecimento nos torna mais responsáveis. Quando Frederico retomar a lucidez completamente, iniciará uma etapa muito dolorosa de reconstrução mental. Alguns casos similares levam a estágios prolongados, anos a fio, na para-esquizofrenia (1), um quadro muito similar à doença psiquiátrica da classificação humana agravado pelas ideoplastias. Para isso temos aquele saguão no qual ficam confinados os hebetados em transes psíquicos que a Terra ainda desconhece. Seus quadros vão muito além dos transtornos psicóticos. O fato de não ter a intenção do trespasse e de se comportar à luz do Evangelho o livrou de outros tantos tormentos voluntários que ainda poderiam agravar em muito o seu drama, em peregrinações pelas regiões inferiores na crosta terrena. Para se obter melhores noções sobre o tema, sugiro a você, minha jovem, que reflita e estude o tema Lei de Liberdade, na Parte Terceira de O Livro dos Espíritos, acrescido da oportuna questão 954, que diz:


"Será condenável uma imprudência que compromete a vida sem necessidade? Não há culpabilidade, em não havendo intenção, ou consciência perfeita da prática do mal".


                                           


Amigos espíritas,


Por trás da imprudência escondem-­se, quase sempre, os verdugos da ansiedade, da malquerença, da vaidade de aparências, da avareza e de múltiplas carências que o homem procura preencher correndo risco e desafios em nome do entretenimento e da vitoria transitória.


A postura ética do homem de bem perante as leis civis deve ser a da integridade moral.


A direção de um veículo motorizado é uma arte, e como tal deve ser conduzida: a arte de respeitar a vida.


Os códigos existem para ser cumpridos.


Habitue-­se à disciplina nesse mister e procure agir com discernimento e vigilância perante as obrigatoriedades que lhe são pedidas.


Se outros não as seguem, responderão por si mesmos, e não por você.


Você, porém, deve agir no trânsito memorizando sempre que por trás de cada volante existe uma alma em provação carregando perigosa arma nas mãos, nem sempre sob controle.


Procure ser o pacificador e renove seu proceder, por mais desacertos nas avenidas do mundo...


Dirija com o coração, e não com o cérebro, e jamais esqueça que todos nós responderemos pela utilização que fizermos dos bens que nos foram confiados.


Aprenda a respeitar as leis humanas, considerando esse um passo favorável para a sua melhoria espiritual.


Faça de sua condução uma ocasião de autoconhecimento e procure averiguar o que sustenta a atitude de insensatez em acreditar que jamais ocorrerá com você os lamentáveis episódios que já ceifaram milhões de corpos, nos testes da prudência e da responsabilidade. Habilidade pessoal adquirida com o tempo é crédito que lhe solicita mais cautela, enquanto os iludidos nela enxergam competência com permissão para o exagero.


Quanto à segurança das máquinas, analisemo-­la como medida de prevenção e segurança, não como quesito para o abuso.


Recorde que, até mesmo como pedestre, há convenções que lhe cabem para a cooperação nos espaços comunitários.


Nossa tarefa, enquanto desencarnados, é proteger e orientar sempre conforme os limites das convenções, ultrapassando-­as somente quando o amor não se torna conivência.


Nesse sentido, estejam certos os amigos encarnados que, de nossa parte, respeitamos o que estipula a lei terrena; assim, apuramos sempre se o ponteiro não ultrapassa em muito a velocidade permitida como uma medida aferidora de equilíbrio para a harmonia geral, critério seletivo para dispensar amparo e auxílio em casos de reincidência...


1. Nota da editora: esta expressão é usada no plano espiritual para indicar outras variantes na classificação das doenças psiquiátricas.

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