PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
“Individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por individualidade entendermos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si mesmo. Podemos pois traduzir individuação como tornar-se si mesmo ou o realizar-se do si mesmo” Jung
PROCESSO DE INDIVIDUAÇÃO
E. Simone D. Magaldi
É difícil falar algo de forma nova, “pessoalizada”, quando tanto já se disse a respeito. E nesse aglomerado de opiniões, nem sempre o autor que formulou o processo é considerado dentro de seus limites e idéias, muitas vezes os comentadores tentam brilhar sobre o autor, ofuscando e, por vezes, deturpando seu trabalho. Muitos são os indivíduos que se autodenominam junguianos, propõem trabalhos, por vezes, mágicos, longe da atitude científica e profunda que Jung sempre trilhou. Eles aparecem em jornais, revistas, programas de televisão, vídeos, seitas esotéricas, centros espíritas e de várias outras religiões, fazendo, com isso, com que muitos interessados sérios e com visão científica, mas que não compactuam das crenças envolvidas, se afastem e tomem a psicologia junguiana como mística, e o processo de individuação como mágica. Esse processo já foi utilizado como sinônimo de várias coisas, esquecendo-se de sua peculiaridade, e mais ainda, cada ser humano passará por suas fases de forma absolutamente única, no entanto, para se atingir a individuação todas as etapas deverão ser vivenciadas. Os contos, os mitos, as religiões, as seitas, são parâmetros, mas a “pessoalização” é imprescindível, pois cada um é um universo.
Nas próprias palavras de Jung (O Eu e o Inconsciente, pág. 49) : “Individuação significa tornar-se um ser único, na medida em que por individualidade entendermos nossa singularidade mais íntima, última e incomparável, significando também que nos tornamos o nosso próprio si mesmo. Podemos pois traduzir individuação como tornar-se si mesmo ou o realizar-se do si mesmo” .
Essa não é em absoluto uma idéia nova, nós a encontramos repetidas vezes no pensamento de diversos filósofos, teólogos e gênios. As conotações, no entanto, é que diferenciam. Assim é em Schopenhauer, embora com forte dose de niilismo, onde a Vontade, que é superior e apartada do homem, criou todos os seres que evoluindo dos minerais para as plantas, e destas para os animais, tem na humanidade o ápice da suma manifestação de si mesma enquanto forma individuada, mas conscientizar-se desse privilégio supremo em toda criação, que nos torna especialmente únicos dentro de uma unidade que é a raça humana, não aniquila o sofrimento, só faz aniquilar a própria vida; em Nietzsche num sentido niilista positivo e teleológico com a figura do super-homem, que traz agora a Vontade para dentro do indivíduo, como uma Potência realizadora e criativa; em Plotino com a emanação do Uno que através de divisões cria a multiplicidade e, consequentemente a individualidade, que vivenciará um processo de retorno ao Uno, idéia esta trazida por Pitágoras anteriormente e que colocava a máxima órfica como ponto central de sua doutrina: “Homem conhece-te a ti mesmo e só então poderás conhecer os deuses”; em Hegel onde o homem alienado precisa superar a idéia de seu espírito como um outro, quando põe-se a si mesmo como objeto de estranheza, e é através da autoconsciência que o Absoluto reconquista a unidade consigo mesmo; em Fichte quando o eu finito compreendendo e integrando o não eu (os opostos), atinge o Eu Infinito; em Chardin que vê na humanidade um propósito maior rumo a espiritualização; em Sócrates e em tantos outros que se torna impossível abordá-los.
É fascinante percebermos como essa idéia central permeia a história do pensamento humano, como se fosse, realmente, uma verdade maior, guardada no mais interior de nós mesmos, e que alguns homens a vislumbraram com as lentes de sua peculiaridade, o que nos traz estes diferentes ângulos do mesmo tema. É impossível buscar na história como essa idéia foi tratada, dentro de um processo evolucional onde cada época criou seus gênios visionários, nem sempre compreendidos, mesmo pela posteridade, mas de qualquer modo deixando um legado incomensurável. Não é trabalho para uma só vida, visto a ampla e infindável diversidade com que se apresenta. Porém é preciso cautela para não especularmos fora dos parâmetros da ciência e da lógica da filosofia.
Essa multiplicidade de abordagens, no entanto, não faz desmerecer o trabalho de Jung, ao contrário; homem extremamente culto, grande pesquisador, tinha conhecimento de muitas dessas idéias, reconheceu dignamente muitas influências. Seu mérito está na forma como concebeu o processo de individuação, e com que cientificismo elaborou-o dentro da psicologia. Este não é mais uma elocubração filosófica sem propósitos práticos, ou uma especulação religiosa, é um processo psíquico com sentido e propósito.
Alguns psicólogos dizem que o processo de individuação acontece de forma independente, inicia-se no nascimento e termina com a morte, J.J. Clarke contesta (Em Busca de Jung, pág. 202) : “...o caminho da auto-realização exige a colaboração ativa do ego consciente, sendo, pois, uma questão de opção moral e vontade. A individuação não é algo que aconteça automaticamente à pessoa, mas deve ser buscada e conquistada com esforço, como um ato de grande coragem praticado na vida” .
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