Postado em Editora Vivência
É natural que, pelo instinto de preservação, o homem negue inconscientemente a morte, mas o estudo espírita demonstra que ela é uma "volta para casa".
- Raphael Carneiro - Entrevista realizada pelo canal IRC #Espiritismo
São vários os motivos que levam as criaturas a temer a morte, entretanto, nenhum deles sobrevive ao crivo da razão e do conhecimento que o Espiritismo nos traz. O "instinto de preservação" presente em todos os animais é um recurso da sabedoria divina, permitindo-lhes se afastarem de situações que coloquem suas vidas em perigo. É a "lei de conservação", necessária para assegurar às criaturas o desempenho de suas missões terrenas.
Desde os primitivos estágios do homem, existe um sentimento inato do futuro, uma intuição de que a morte do corpo não é o fim de tudo. Porém, o temor do desencarne é providencial enquanto não se tem um esclarecimento suficiente a respeito da vida futura. À medida que o homem se torna um ser mais complexo, fatores psicológicos contribuem para exacerbar certos temores, muitas vezes de forma inconsciente ou ilógica, baseada em informações incompletas ou falsas convicções.
Crendices seculares, ensinadas geração após geração desde a infância, induzem o indivíduo ao medo do inferno e do sofrimento eterno que ali encontrará se não levar uma vida virtuosa. Como a virtude plena é algo que dificilmente se alcança em uma única existência, a dedução que o fiel faz, para seu desgosto, é que o destino geral de quase todos que morrem é a dor infinita. O amor às coisas terrenas também alimenta o temor da morte, pois representa a perda das fontes mundanas de prazer, como comida, bebida, sensualidade, entre outras. Da mesma forma, o sentimento de perda da estrutura existente na Terra (família, amigos, casa, sustento, proteção etc.) leva ao medo de desencarnar.
Na realidade, todos esses temores são fruto da ignorância e o desconhecido é sempre atemorizante. É muito comum ouvirmos pessoas lastimando a morte de alguém dizendo "coitado, morreu tão jovem", como se o seu tempo de vida na Terra não tivesse sido suficiente e a vida no além não fosse mais agradável. São idéias errôneas preconcebidas por vários e vários séculos. Sem contar que, muitas vezes, no intuito de se livrar das crendices e preconceitos, o homem cai no fosso do materialismo, fazendo com que a morte lhe represente o fim de tudo: da existência, do ego, da individualidade. Ou seja, um destino terrível para um ser pensante.
Através de experiências incontestáveis, a doutrina espírita trouxe a dissipação dessas idéias errôneas que perduraram por tanto tempo. A certeza da continuação da existência, da inteligência, da individualidade, das afinidades, das memórias, do reencontro com entes queridos que o precederam e muito mais construiu um arcabouço de confiança e conscientização sobre o estado de coisas aqui e no além. Para eliminar o temor da morte, o homem necessita adotar a perspectiva espiritual sobre a vida, de maneira a contrapô-la com a material. Somos seres espirituais e estamos temporariamente na vida material, não se podendo inverter essa visão. O espírita não deve temer o desencarne, o Espiritismo "matou" a morte.
Se todos nós temos várias vidas, ou seja, já tivemos muitas "experiências de morte", de onde vem esse pavor que algumas pessoas experimentam?
Raphael Carneiro - Em termos gerais, o pavor vem de duas grandes fontes: a ignorância sobre as questões do espírito e o esquecimento parcial e temporário das vivências passadas. A ignorância sobre o mundo espiritual vem sendo dissipada pelos grandes mestres e mensageiros que a Terra tem recebido, em especial, a falange do espírito da verdade, que nos trouxe o Espiritismo. Quanto ao esquecimento das vivências passadas, trata-se de uma providência necessária ao nosso atual estágio de desenvolvimento espiritual, porém, esse esquecimento não será tão acentuado.
O espírita deve temer a morte?
Raphael Carneiro - Como já foi mencionado, o espírita não deve temer a morte, mas isso não significa que devemos relaxar com os cuidados de nossa saúde e a preservação de nossa vida orgânica, pois nosso corpo biológico é uma "ferramenta de trabalho". Entretanto, conforme inúmeros relatos vindos dos amigos espirituais, a experiência de desencarne é mais prazerosa do que a de reencarne, pois nossa verdadeira pátria é a espiritual. Estamos aqui na Terra em missão de progresso e a morte é o nosso retorno para casa! Como espiritistas, não devemos temer a morte, mas cuidar para não desperdiçar a vida aqui.
O medo da morte não teria um limite saudável que nos fizesse procurar a manutenção de nossas vidas, respeitando, assim, a lei de conservação?
Raphael Carneiro - Certamente, é o chamado "instinto de preservação". Como tal, ele existe em todos os animais, é um recurso da providência divina para que a vida não se esvaia inutilmente. O ser humano, dotado de raciocínio e discernimento, jamais deve cair no equívoco de temer excessivamente a perda da vida corporal.
Nos casos de morte gradual, como por doenças, qual seria exatamente a necessidade de enxergar entes queridos? Seria aliviar e preparar o indivíduo para o desencarne?
Raphael Carneiro - No leito terminal, é bastante comum o doente ver parentes que desencarnaram muito antes dele, como um prelúdio da vida no plano espiritual. Nesse estado de esgotamento da energia vital, os laços que prendem o espírito ao corpo já se encontram mais relaxados, de modo que as percepções espirituais ficam mais acentuadas e chegam ao ponto em que o paciente terminal, às vezes, tem dificuldade de distinguir os companheiros desencarnados dos encarnados à sua volta. São preparativos para uma transição mais suave.
Os casos de cristãos que cantavam diante da morte no circo romano são provas da falta de temor à morte. Mas eles não vão contra o instinto de conservação que trazemos para nos mantermos vivos? Raphael Carneiro - Se fosse oferecida aos cristãos a alternativa de não estarem ali, junto aos leões na arena, certamente eles a escolheriam. Entretanto, seu martírio já estava selado pelos imperadores romanos, cabendo-lhes escolher entre morrer desesperadamente, em uma inútil tentativa de lutar contra as feras famintas à sua volta, ou dignamente, com a consciência tranqüila de quem sabe que a vida no além será gloriosa e dando ainda uma lição moral aos seus verdugos. Como espíritas, também escolheríamos a segunda opção.
Algumas vezes, os espíritas se vêem defrontados com situações nas quais são questionados naturalmente sobre a morte e, como seu "trato" com ela é muito mais natural, às vezes choca as pessoas. Qual a postura que o espírita deve ter quando perguntado sobre a morte?
Raphael Carneiro - Uma postura natural. Entretanto, cabe a ele distinguir cada situação, devemos sempre respeitar a dor alheia. A esposa que chora junto ao caixão de seu esposo merece receber atenção e consolo, portanto, mesmo que tenhamos a convicção de que o momento daquele homem já havia chegado e que ele estará muito melhor no plano espiritual do que se permanecesse aqui entre nós, devemos respeitar o momento da esposa chorosa e não chocá-la com uma visão que lhe seja incompreensível. Nem todas as pessoas estão devidamente preparadas para encarar a realidade dos fatos e, assim, há que se ter discernimento para que nossas convicções não causem mais prejuízo do que auxílio.
O temor da morte seria um medo de uma oportunidade desperdiçada que teríamos em nosso intimo?
Raphael Carneiro - Penso que esse receio existe na alma de muitos espíritas. Costumam perguntar: "Será que estou desperdiçando minhas oportunidades? Será que a morte me revelará o fracasso que foi minha passagem terrena"? Para evitarmos esse desapontamento no futuro, após o desencarne, o melhor a fazer é agir desde já. Na questão 919 de O Livro dos Espíritos, Santo Agostinho evoca um mandamento de um filósofo grego: "Conhece-te a ti mesmo". A recomendação é que cada um de nós reserve um momento fixo para meditar sobre tudo que fizemos de certo ou errado em nosso dia. Se monitorarmos nosso progresso, nossas oportunidades aproveitadas ou desperdiçadas diariamente, teremos mais chances de alterar nosso rumo na vida.
"Treinar" seus adeptos para a morte seria uma tarefa das religiões?
Raphael Carneiro - Deveria ser um dos benefícios de uma educação religiosa apropriada, entretanto, infelizmente, muitas religiões não desempenham bem essa tarefa. Entre os aspectos religiosos a serem ensinados ao homem, estão aqueles que afetam as conseqüências dos atos desta vida sobre aquela depois da morte. Uma existência terrena seguida dentro da lei divina é uma infalível receita para se chegar à felicidade após a morte.
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