O SINAL DE JONAS
A superioridade da natureza de Jesus, muitíssimo acima da humanidade terrestre, consoante conclui Allan Kardec, no livro A Gênese, evidencia-se nas inúmeras realizações que lhe são atribuídas, segundo os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João.
Exercendo domínio absoluto sobre a matéria, Jesus andou sobre as águas, acalmou ventos e tempestades, multiplicou pães e peixes, transformou água em vinho, fez desintegrar o próprio corpo físico.
Conhecedor profundo das leis divinas realizou curas extraordinárias, devolvendo aos necessitados os sentidos da audição, visão e fala; refez tecidos e órgãos que a lepra houvera destruído, pelo simples toque, imposição das mãos, pelo pensamento ou pela palavra. Libertou vários doentes de processos obsessivos de grau acentuado, a ponto de ser identificado, em algumas circunstâncias, pelos espíritos obsessores, como no episódio do endemoniado de Gedara.
Todas as realizações de Jesus são sinais de sua majestade espiritual; no entanto, nem todos estavam em condições de compreendê-lo. Neste sentido, narra-nos os evangelhos de Lucas e Mateus que certa ocasião um grupo de fariseus se aproximou de Jesus pedindo-lhe um sinal para que pudessem se convencer definitivamente ser Ele o Messias esperado.
Jesus, então, lhes responde afirmando que outro sinal não lhes seria dado senão o sinal de Jonas, que passou três dias e três noites no ventre do grande peixe.
Trata-se de um texto que exige reflexões, porque o seu conteúdo espiritual não está aparente.
Ao leitor desatento a resposta de Jesus aos fariseus está perfeita. Os fariseus pedem a Jesus um sinal e o mestre lhes diz que o sinal será Sua ressurreição.
No entanto, aquele que se dispõe a aprender com Jesus, com o propósito de conhecer, sentir, meditar e viver as palavras do Cristo, está convencido de que o evangelho é um vasto caminho ascensional, como diz Alcione, no livro Renúncia. Para o aprendiz do evangelho a resposta de Jesus aponta para um conteúdo espiritual que deve ser meditado, mesmo porque Jesus não disse uma palavra que fosse destituída de um profundo ensinamento, como também não movimentou recurso algum para satisfazer a hipocrisia dos fariseus.
A questão é quem é Jonas? Porque Jesus nos aponta Jonas? O que esse personagem tem para nos ensinar?
A história está no Velho Testamento, no livro de Jonas. Trata-se de um livro curtíssimo, com apenas quatro capítulos, que narra uma história aparentemente infantil, mas que traz um conteúdo espiritual profundo.
Conta-se, no livro de Jonas, que Deus lhe atribui a missão de ir até a cidade pagã de Nínive, capital da Assíria, habitada por pessoas perversas e más, inimigas ferozes de Israel. A tarefa consistiria em pregar ao povo, advertindo-os que o Deus de Israel os destruiria, por conta de seu comportamento imoral.
Jonas, no entanto, foge da presença de Deus e seguindo direção contrária, desce ao porto de Jope, descendo ao primeiro navio pronto a zarpar. Segue para Tarsis. Em certo momento, já em alto mar, sobrevém uma tempestade que coloca o navio em risco de naufrágio. Os marinheiros, em desespero, atiram as cargas pesadas ao mar, para aliviar o peso do navio. Jonas, porém, sem qualquer preocupação, desce ao porão do navio e cai em sono profundo. Os marinheiros, então, cada qual orando a seu deus, conclui que alguém deve estar atraindo a fúria divina para o navio e põem-se a lançar a sorte para saber quem era o culpado daquele fenômeno. A sorte cai sobre Jonas e eles o questionam a respeito. Jonas conta-lhes toda sua história e eles acabam lançando Jonas ao mar. Eis que aparece um grande peixe, enviado por Deus, que engole Jonas e lá ele permanece três dias e três noites. Durante esse tempo, Jonas se sente no abismo, nas profundezas do inferno, e arrependendo-se profundamente de seu comportamento, implora a misericórdia de Deus. O peixe, então, vomita Jonas em terra firme. Deus aparece a Jonas novamente e lhe impõe a mesma tarefa, antes abandonada, mandando-o pregar em Nínive. Jonas, finalmente, segue para Nínive e lá permanece por quarenta dias, pregando ao povo sobre a vontade de Deus. Os ninivitas impressionam-se com a história de Jonas e passam a crer no Deus de Israel e, definitivamente, se transformam. Consequentemente, Deus é misericordioso com os ninivitas e não os destroem. Jonas, no entanto, fica inconformado com o fato de Deus ser misericordioso com aquele povo, seus inimigos ferrenhos. Então, Jonas ora e pede que Deus lhe tire a vida, pois preferia morrer a ver a compaixão de Deus pelos seus inimigos.
Deus, em resposta as suas rogativas, não lhe tira a vida, mas faz crescer uma grande árvore sobre sua cabana, dando-lhe sombra refrescante. Jonas fica muito feliz. Em seguida e imediatamente, Deus manda um verme comer a arvore e Jonas volta a ficar sob o sol escaldante. Jonas se revolta e pede novamente a Deus lhe fosse retirada a vida. No entanto, Deus lhe diz que como pode ele, Jonas, revoltar-se a ponto de querer morrer apenas porque uma árvore lhe foi retirada. Uma árvore que Jonas não plantou não viu crescer, que nasceu e morreu num único dia. Então, Deus lhe fez ver que se Jonas tinha compaixão por um vegetal, quanto mais Ele, Deus,tinha compaixão pelo povo de Nínive, que era um povo que mal sabia conhecer a diferença entre suas mãos.
E assim termina a história de Jonas.
Alguns pontos da história merecem cuidadosa reflexão. Antes, porém, é preciso destacar que o final do texto, escrito por volta de V a VII anos antes de Cristo, revela atributos de Deus bem diferentes daqueles revelados por Moises. O texto aponta um Deus de amor, que tem paciência com todos nós, que não se cansa de nossa infantilidade, de nosso egoísmo, pouca vontade e orgulho. Um Deus que confere oportunidades de recomeçar e que não nos abandona jamais, mesmo que tenhamos nos lançados às trevas em razão de nossa rebeldia.
O final do texto também aponta um padrão mental humano equivocado, egocêntrico e egoísta, que busca o amor de Deus somente para si, acreditando ser merecedor, diante do erro, de perdão e misericórdia, quando deseja, em silêncio, a punição de todos àqueles que lhe ofenderam. É comum ouvir-se expressões como: “Deus é justo, fulano que fez aquilo comigo vai pagar, pois ninguém foge da justiça divina”. Mas o texto nos revela um Deus de amor, que ama igualmente o bom filho e aquele outro que ainda encontra-se cego no crime e no mal. Ambos têm o mesmo carinho, a mesma oportunidade, pelo simples fato de que Deus nos ama pelo que somos e não como estamos.
Voltando ao início do texto, destaca-se a missão de Jonas, como ponto importante de reflexão e aprendizado com Jesus.
A Jonas fora conferida uma missão, como a todos os seres humanos Deus também confere uma missão. Todos recebem missões, as mais variadas, que estão de acordo com as necessidades evolutivas de cada um. No entanto, há duas missões que são comuns a todos os indivíduos. A missão da autotransformação, do enfrentamento da Nínive interior, que todos trazem dentro de si, exigindo educação e reforma. E a missão de transformar, pelo exemplo, aqueles que lhes compartilha a existência, os próximos mais próximos, os familiares.
O êxito ou o fracasso dessas duas missões irá definir a condição espiritual de cada um após a morte, como irá estabelecer o programa da próxima experiência reencarnatória.
No entanto, todos querem acertar. Portanto, para fazê-lo é preciso seguir um roteiro seguro, que não falhe. Jesus é o roteiro, o modelo e o guia, e nos ensinou que para desempenhar bem uma missão é preciso conjugar dois verbos: amar e servir. Foi exatamente isso que Jesus fez. Amou e serviu durante todo o tempo que esteve entre nós. Ainda, já na despedida, na última ceia,deixou bem claro a conjugação desses dois verbos. Os meus discípulos serão conhecidos por muito se amarem, disse-nos Jesus. O maior no reino do Pai é aquele que serve a todos, completou o Mestre.
É preciso considerar, todavia, que o exercício do amor exige a ferramenta do perdão constante. Ninguém consegue desenvolver a virtude do amor sem perdoar e pedir perdão de forma infinita e constante, a todo tempo.
A tarefa missionária que nos foi confiada começa com o exercício do perdão, para que a amor cresça em nosso mundo intimo. É preciso desenvolver o autoamor com o autoperdão. Quantos naufragam em tormentos íntimos constantes simplesmente porque não conseguem se perdoar? Igualmente, é preciso exercitar o perdão dentro do lar, perdoar os familiares e todos os demais com os quais convivemos. Perdoar e pedir perdão; sobretudo pedir o perdão aos outros, pois ofendemos muito mais do que somos ofendidos. O exercício do perdão não admite que se examine o mérito da ofensa. Equivoca-se quem deixa de pedir perdão porque não reconhece o erro. O mérito de analisar uma situação que causou mágoa somente pertence a quem detém legitimidade para julgar. Somente Deus pode julgar. Jesus nos ensinou isso no episódio da mulher que seria apedrejada. Quem estiver sem pecado atire a primeira pedra. Ninguém se habilitou a fazê-lo. Nós menos ainda poderemos. Resta-nos perdoar sempre, pois o perdão nos liberta da peçonha da mágoa e do desejo do mal ao outro.
O segundo verbo a ser conjugado, para o êxito de nossas tarefas no mundo, é o verbo servir. Servir exige sacrifício, renúncia, paciência, tolerância, esquecimento de si, negação de si, doação.
Diante de nosso mundo íntimo impõe-se rigor e disciplina na tarefa da renovação moral. Perante o próximo, no entanto, somente teremos êxito mediante o exemplo. Somente auxiliaremos os outros a serem melhores pelo nosso exemplo.
Embora difícil, trata-se de conjugações com força capaz de nos conduzir das trevas a que nos encontramos à luz, que nos aguarda.
Ocorre que podemos escolher outro caminho e outros verbos a conjugar. Nada nos é proibido. Temos o livre arbítrio. Podemos escolher permanecer o tempo que quisermos neste mundo de provas e expiações, sem problema algum. Deus não tem pressa. Cada um escolhe quanto tempo quer viver por essas paragens. Mas quando o despertar da consciência exigir que se busque a luz, o caminho que se apresentará ao percurso ainda será o mesmo, conjugar o verbo armar e servir. A história de Jonas deixou bem evidente esse ponto.
Jonas decidiu não aceitar a missão. Fez uso equivocado do livre árbitro e se colocou em fuga; no entanto, ao se colocar em fuga, imediatamente iniciou uma trajetória de descida (quedas), revelando, com isso, uma lei divina e universal. Três são as descidas (quedas) de Jonas. Desde a Jope, desce ao navio e desce ao porão do navio, entregando-se a sono profundo, da inercia, da irresponsabilidade, do conformismo.
Quando fugimos da missão de nos autoenfrentar, de nos autoconhecer, quando nos recusamos a educar a nossa “Nínive” interna, egoísta, má, perversa, vaidosa, fugimos nos navios das máscaras. Apresentamo-nos aos outros e a nós mesmos com a máscara da bondade, da caridade, de boa mãe, de bom pai, etc... Máscaras que caem na primeira contrariedade, deixando os outros estupefatos. Nossa! Mas fulano disse isso, fulano fez aquilo! Quem diria....sempre dando uma de bonzinho, agora mostrou quem é de verdade.
Outras vezes fugimos da nossa missão dentro do lar, junto aqueles que estão ligados a nós pelos laços mais santos. Como é difícil perdoar e servir a esposa ou o esposo complicado, o filho rebelde, o irmão ignorante, cheio de vícios, a sogra perturbada, o genro orgulhoso, a nora cega de vaidade, etc. Passamos a fugir da missão pelas mais variadas formas de fuga, como permanecer por mais tempo fora do lar, em atividades variadas; outras vezes a fuga se dá pelas portas dos vícios; de outros relacionamentos e até mesmo pelas portas das doenças. Quantas enfermidades são verdadeiras fugas.....
Todas as nossas quedas morais são resultados do uso equivocado do livre arbítrio e que nos leva a percorrer um caminho de descida, de queda. Jesus nos advertiu para esse perigo quando do exercício do livre arbítrio. Na parábola do samaritano, há referência a essa queda, quando se analisa os simbolismos que revestem a cidade de Israel e a cidade de Jericó. Na parábola do filho pródigo, a queda, resultado do uso equivocado do livre arbítrio, fica evidente.
Por outro lado, Deus não nos abandona jamais. Outras oportunidades virão para aqueles que se equivocam e caem. E o recomeço situará o viajor no mesmo ponto que se recusou a seguir. A mesma tarefa lhe será conferida. Foi isso que aconteceu com Jonas; ao se arrepender e rogar nova oportunidade, depois de um longo caminho de quedas, tormentas e escuridão, Deus lhe mandou novamente a Nínive.
Analisemos o perfil de Jonas e façamos uma reflexão bastante sincera, buscando identificar o que há de Jonas em nós, e tenhamos ânimo e coragem para fazer a reforma necessária enquanto o barco da nossa encarnação viaja sob o amparo do Cristo, a caminho da luz.
Muita Paz!
Palestra proferida no Centro Espírita Mansão do Caminho, em Quirinópolis-Goiás, no dia 23/10/2017, por Angela (angela.a.giovanini@gmail.com)
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