Escrito por Marcelo de Oliveira Orsini
Esclarecendo o Evangelho
Marc 12:41-44
E sentado em frente ao Tesouro, olhava como o povo jogava dinheiro no tesouro; e muitos ricos jogavam muita coisa.
E vindo uma viúva mendiga jogou dois leptas o qual vale um quadrante.
E chamando seus discípulos, disse-lhes: "Em verdade vos digo que essa viúva mendiga jogou mais do que todos os que jogaram no tesouro, pois todos jogaram do seu supérfluo, ela, porém, jogou tudo quanto tinha de sua pobreza, toda a vida dela".
Luc. 21:1-4
Erguendo os olhos, viu os ricos que jogavam no Tesouro suas ofertas;
Viu, porém, certa pobre viúva muito pobre, jogando lá dois leptas;
e disse: "Digo-vos que verdadeiramente, essa viúva mendiga jogou mais que todos;
pois todos esses jogaram como ofertas, do que lhes sobrava; esta porém, jogou da pobreza dela, toda a vida que tinha."
Jesus se achava no átrio das mulheres. Era esse um quadrado cercado de três lados por colunas, sobre as quais havia uma galeria, de onde as mulheres podiam assistir as cerimônias litúrgicas. No quarto lado estava uma larga escada semicircular, com quinze degraus que levava ao "átrio de Israel". Num desses degraus sentara-se Jesus, para breve descanso.
Daí via-se, à esquerda, o Tesouro (gazophilácio), que consistia em treze salas, cada uma das quais exteriorizava um "tronco", de gargalo estreito em cima, que alargava na parte de baixo. Aí eram lançadas as esmolas para o gasto do templo. Os exibicionistas trocavam a importância que desejavam dar em moedinhas de cobre, para terem grande número e fazerem bastante barulho ao serem lançadas, atraindo dessa forma a atenção dos demais peregrinos.
O Mestre estava a olhar aquela multidão, que tanto se avolumava nos dias de Páscoa, enquanto observava as reações dos discípulos, que se admiravam, arregalando os olhos e cutucando-se, quando algum ricaço, ruidosamente, despejava sua bolsa cheia de moedas, causando um tilintar que trazia alegria aos corações dos sacerdotes que serviam no templo.
Nisso surge uma pobre viúva, que deixa escorregar, envergonhada, dois leptas (centavos). Um sorriso fugaz dançou sub-reptício nos lábios dos discípulos, revelando compaixão por aquele gesto inútil. Ao ver o gesto da viúva (paupérrima, mendiga) e ao observar o desdém compassivo dos discípulos, o Mestre, que via além das aparências, chama-lhes atenção para o fato e explica:
- Olhem, ela deu mais que todos...
Os olhares dos discípulos se transformam em outros tantos pontos de interrogação duvidosos, até que o Mestre completa a frase:
- ... todos deram do que lhes sobrava, mas esta, deu tudo o que tinha para viver.
Todos eles abaixaram as pálpebras de seus olhos: as cenas exteriores deveriam desaparecer, para que pudesse sua visão ser preenchida pela luz que lhes nascia, na meditação a respeito de ensino tão inopinado e contundente. E não era para menos. Invertiam-se de um só golpe todos os valores até então vigentes.
Naquela época, como ainda hoje se observa, vale mais quem mais dá: nos templos, nas igrejas, nos centros espíritas, nas associações e fraternidades, e até na vida particular: o presente mais caro deve ser comprado para aquele que nos deu mais. As pessoas jurídicas dão títulos (benemérito, sócio vitalício, presidente de honra...) e medalhas. Ninguém olha com olhos espirituais para a pobrezinha que tirou do seu sustento para doar seu tostão: seu troco é um sorriso complacente, um agradecimento pró forma, e logo se esquece o gesto que tanto lhe custou.
Interpretando a passagem espiritualmente, a personagem ambiciosa, materialista e interesseira só avalia as pessoas pelos valores materiais; só ajuda se é ajudado; só dá bons ordenados a quem dá maiores lucros a organização. Os que dão pouco rendimento material, os que se dedicam doando de si mesmos, mas sem aumentar os lucros, os que se entregam de coração, esses nada valem para as instituições.
Após 2000 anos ainda não aprendemos a lição do óbolo da viúva; não conseguimos despertar da matéria para o Espírito; ainda não subimos da personagem para a individualidade; não fugimos da orientação de Mammon para a do Cristo.
Marcelo de Oliveira Orsini
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