Não se lê a Bíblia literalmente...
Não penseis que eu tenha vindo trazer paz à Terra; não vim trazer a paz, mas a espada; – porquanto vim separar de seu pai o filho, de sua mãe a filha, de sua sogra a nora; – e o homem terá por inimigos os de sua própria casa. (S. MATEUS, 10:34 a 36.)
Vim para lançar fogo à Terra; e que é o que desejo senão que ele se acenda? – Tenho de ser batizado com um batismo e quanto me sinto desejoso de que ele se cumpra! Julgais que eu tenha vindo trazer paz à Terra? Não, eu vos afirmo; ao contrário, vim trazer a divisão; – pois, doravante, se se acharem numa casa cinco pessoas, estarão elas divididas umas contra as outras: três contra duas e duas contra três. – O pai estará em divisão com o filho e o filho com o pai, a mãe com a filha e a filha com a mãe, a sogra com a nora e a nora com a sogra. (S. LUCAS, 12:49 a 53.)
Resumo: Inicialmente, Kardec destaca que as palavras são de Jesus, apesar de a forma não favorecer o entendimento claro do pensamento que ele exprimia, já que sua missão era toda de paz. Destaca ainda que uma ideia nova encontra oposição, tanto maior quanto a importância dos resultados previstos. Assim, Jesus trazia uma ideia nova, toda de amor e bondade, que ia de encontro aos abusos dos fariseus, escribas e sacerdotes, gerando uma oposição que culminou com a morte de Jesus. Essa ideia, porém, sobreviveu à sua morte, pois que era verdadeira, engrandeceu-se e espalhou-se, enfrentando grandes lutas. Considera ainda que o Cristianismo surgiu na época propícia, quando o Paganismo já se apresentava exaurido. Quando as mesmas ideias foram trazidas por Sócrates, o povo, apesar de muito inteligente, ainda não estava preparado. Na época de Jesus, o caminho já estava aberto e os espíritos predispostos a essas ideias. Essas ideias, no entanto, também não foram bem compreendidas, gerando numerosas seitas que se lançaram em guerra umas contra as outras, por não compreender a ideia central do Cristo, que é a Caridade. Jesus quis dizer que sua doutrina não se estabeleceria pacificamente, que traria lutas sangrentas porque os homens não a teriam compreendido. Mas, de toda essa confusão, sairia triunfante a verdade. Assim, quando o campo estivesse preparado, seria enviado o Consolador, que restabeleceria todas as coisas, Kardec destaca ainda que o Espiritismo vem, na época prevista, realizar as promessas de Jesus, e, da mesma forma, enfrenta oposições, que agora não são mais sanguinolentas e sim de ordem moral, e que durarão menos do que as que o Cristianismo teve de enfrentar. Essas palavras de Jesus devem entender-se portanto, como a cólera que sua doutrina provocaria, em conflitos momentâneos, e não de uma ideia premeditada de causar confusão. O mal viria dos homens.
(Resumo de "O Evangelho Segundo o Espiritismo, cap. 23, itens 9 a 18)
Explicação da passagem evangélica: Carlos Torres Pastorino, na obra Sabedoria do Evangelho, volume 3, explica que: “A doutrina pregada por Jesus torna-se, pois, a ocasião (embora não a causa) desses conflitos, que terminarão em perseguições violentas e sanguinárias, e “os inimigos do homem são os de sua própria casa", fato explicado com pormenores alguns séculos antes pela Bhagavad-Gita.
(...) A individualidade (Jesus) declara ter vindo "lançar fogo sobre a Terra". Com efeito, a matéria inerte e mesmo a vivificada pela força da vida animal e psíquica, pode considerar-se apagada se não tiver em si o "fogo" do Espírito desperto, consciente de si, a trabalhar pela evolução. Quem lança esse fogo nos seres humanos é a individualidade, ao assumir seu legítimo posto de supremacia na criatura humana. Para lançar, porém, esse fogo espiritual, a individualidade necessita mergulhar no corpo físico, encarcerando-se na carne; e durante toda a sua permanência nesse mergulho, vive angustiada (synéchomai), ansiosa por libertação, a fim de voar livre em seu mundo próprio.
O Espírito, individualização da Centelha Divina, quando consegue comunicar seu fogo próprio espiritual (o "mergulho de fogo", conforme Mt 3:11; Mc 1:8; Lc 3:16) ao ser humano, sente em si a alegria de vê-lo arder na espiritualização integral; no entanto, seu aprisionamento lhe faz sofrer todas as restrições de um cárcere cheio de lutas. Com efeito, o domínio da individualidade numa criatura lança-a em lutas titânicas externas, embora garantindo uma paz interior inabalável.
Mas a "descida" da individualidade traz, não a paz, à personalidade, mas a divisão em dois, a "dicotomia" entre matéria e espírito. Se bem que a matéria nada mais seja que a condensação (congelamento) do espírito, ocorre que, no momento de a individualidade assumir o comando, a personalidade adquire a consciência de uma dualidade, da nítida separação (dicotomia), com a característica de oposição entre espírito e matéria. Centenas, e talvez milhares de autores já se referiram a essa luta entre os dois pólos "opostos" (positivo e negativo, Sistema e Anti-Sistema, alma e corpo). Há pois razões ponderosas de afirmar que, no mergulho na carne, a individualidade vem produzir, de início, a dicotomia entre espírito e matéria.
Essa divisão, todavia, não reside unicamente nas extremidades opostas. Também os planos intermediários estarão sujeitos a ela. Assim, numa "casa” (ou seja, numa pessoa humana), onde há cinco pessoas (o pai: o espírito; a mãe: a inteligência; o filho: o corpo astral; com sua esposa: o duplo etérico; a filha: a carne), a luta entre os elementos é grande e contínua. O pai ("espirito") quer impor-se ao filho (corpo astral, emoções), mas estas se opõem a ele; a mãe (inteligência) quer superar a filha (a carne), mas esta se rebela e não quer obedecer a ela, vencendo-a com o sono, o cansaço, etc.; a sogra (ainda a inteligência) busca dominar a nora (as sensações físicas), mas estas são mais poderosas e levam de vencida a inteligência. Quem não conhece a dificuldade de a inteligência desarraigar hábitos (vícios) como de fumo, de bebidas, de gula, de preguiça, etc"? Ou os obstáculos causados à inteligência pela fadiga do corpo? Ou o descontrole que o espírito sofre, perturbado pelas emoções da cólera e da raiva, do amor descontrolado e do ciúme, etc.?
Bem razão tem a individualidade de proclamar que não veio "lançar a paz, mas a espada". E por isso, "os inimigos do homem são os de sua própria casa", isto é, as máximas lutas que uma criatura tem que enfrentar são, realmente, contra seus próprios veículos inferiores, que causam os maiores distúrbios e perturbações, obstáculos e embaraços na caminhada da senda evolutiva. Muito mais fácil derrotar um inimigo externo que a si mesmo: "vencedor verdadeiro é o que vence a si mesmo", lemos algures. Indispensável, pois, harmonizar os veículos entre si e depois sintonizá-los com o Espírito.
Daí a conclusão: não é digno do Espírito, do Cristo Interno, quem "mais ama seu pai ou sua mãe, seu filho ou sua filha". No sentido em que estamos examinando a questão, essas palavras exprimem os veículos mais densos (da personalidade): seu intelecto, suas emoções, suas sensações, seu comodismo.
Quem mais ama essas partes personalísticas do que ao Cristo Interno, não é digno do Cristo Interno: está voltado para as falsas realidades transitórias terrenas, externas a seu verdadeiro EU, ao invés de apegar-se à realidade real perene, eterna, infinita. Não é digno da realidade, quem se apega às aparências. Não é digno da individualidade eterna, quem valoriza mais a personalidade momentânea. Não é digno do Espírito quem lhe prefere a matéria. Não é digno do Cristo, quem lhe antepõe o mundo e suas ilusões.”
Bons estudos!
Carla e Hendrio
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