A RETOMADA DA PUREZA
"Bem-aventurados os que têm limpo o coração, porque verão a Deus." (MATEUS, 5:8.)
Para que possamos compreender melhor a presença de Deus no Universo, é preciso que superemos a concepção antropomórfica do patriarca sentado no trono celeste a comandar os anjos, determinando castigos para os maus e oferecendo aos bons a suprema ventura de contemplá-lo, face a face, por toda a eternidade.
Deus é a Mente Criadora, a Consciência Cósmica que construiu o Universo e sustenta a Vida. Estamos mergulhados em seu seio, segundo André Luiz, como peixes num oceano. Tanto mais próximos estaremos dele quanto maior a nossa capacidade de nos ligarmos aos valores espirituais, já que Deus é Espírito e em Espírito deve ser adorado, conforme ensina Jesus.
Os místicos e os santos, cultivando rigorosa disciplina da mente e do sentimento, conseguem sobrepor-se às limitações da matéria e sentem a gloriosa realidade da presença de Deus no Universo, o que os leva a experimentar sensações de felicidade e de plenitude de vida tão intensas que são verdadeiros êxtases celestes.
Há em homens assim uma consciência tão ampla de interação, de comunhão profunda com a Natureza, que um Francisco de Assis, plenamente integrado na obra da Criação, via irmãos seus nas aves, nos animais, no mar, no rio, na flor, no fruto, no sol, na lua, nas estrelas ...
Para encetar-se a jornada rumo a tão elevado estágio de espiritualidade, é preciso ter limpo o coração. Poderíamos definir essa pureza como a ausência de sentimentos inferiores - a cobiça, a luxúria, a maldade, o ódio, o ressentimento, a ambição, o orgulho, a vaidade, o egoísmo ...
As crianças, não porque detenham a pureza, mas porque os sentimentos inferiores ainda dormitam em seus corações, são mais espontâneas, mais capazes de uma ligação com os valores espirituais, revelando, não raro, uma surpreendente religiosidade.
Nossas orações, nos verdes anos da infância e no início da adolescência, são mais puras. Sentimos mais de perto a presença dos Espíritos em nos dirigirmos aos Benfeitores Espirituais com muita naturalidade. Por isso, assimilamos amplamente a proteção do Céu ao surgirem as dificuldades da Terra.
Com a maturidade física e a integração na vida social, com seus problemas, seus interesses, suas disputas despertam no indivíduo as tendências inferiores, herança de desatinos passados. E, após um período de conflitos íntimos, nascidos da luta entre os ideais religiosos não bem definidos e amadurecidos e as paixões humanas, arraigadas e fortes em sua personalidade, ele acaba por acomodar-se às próprias fraquezas.
Surge, então, o tipo comum, esmagadora maioria na Terra: o indivíduo que defende o valor do Bem, mas com facilidade se detém no Mal. Alguém que acredita em princípios morais, mas nem sempre age com moralidade. Se atrelado à religião, temos nele o fariseu, preocupado com as aparências, sem cuidar da essência.
Há um castigo imposto àqueles que se deixam levar pelas tendências puramente humanas. É a perda da tranqüilidade, a insatisfação crônica, a angústia existencial, marcadas pela incapacidade de orar, de sentir a presença da Espiritualidade. Ea Vida, assim, torna-se um fardo terrivelmente pesado.
No passado, muita gente tentava adquirir pureza para o cultivo da religiosidade autêntica, entregando-se a mortificações não raro caracterizadas por excessos mórbidos. Anacoretas pastavam nos campos, à maneira de animais; outros rolavam nus sobre arbustos espinhentos ou viviam em charcos infestados de serpentes. Monges de determinadas ordens passavam a existência em sombrios mosteiros, sem jamais pronunciarem uma única palavra.
Certamente, tudo o que puderam aprender nessas desastradas existências foi que ninguém pode encontrar Deus aplicando agressividade contra si mesmo ou fugindo do convívio social.
A retomada da pureza, para o cultivo da fé autêntica, não pode estabelecer-se em clima de isolamento nem de mortificação. Impossível também retomá-la ao nível da ingenuidade ou da simplicidade dos primeiros anos de vida.
Com a Doutrina Espírita aprendemos a retomá-la em níveis mais altos e definitivos, em bases de conscientização, seguindo os caminhos do trabalho no campo do Bem e do combate sistemático às nossas tendências inferiores. Neste particular, há muitas perguntas que deveríamos formular, diariamente:
Quantas horas por dia estamos dedicando à participação em obras assistenciais?
Quantas vezes por semana temos comparecido ao círculo da oração, no templo de nossa preferência, não para receber, mas para oferecer algo, em termos de participação?
Quais os recursos que estamos mobilizando para ajudar a combater a miséria e o infortúnio que grassam na vida social?
Quantas vezes temos calado diante das ofensas alheias?
Quantas vezes temos perdoado aos que nos criticam?
Quantas vezes temos disciplinado a língua, evitando a maledicência?
Quantas visitas temos feito a enfermos e necessitados, atendendo suas necessidades imediatas, levando-lhes consolo e esperança?
O que temos feito para edificar o Bem no Mundo? Qual nosso empenho por eliminar o Mal em nós?
Em se tratando de comunhão com Deus, o culto religioso, a reunião mediúnica, o trabalho doutrinário, a leitura do livro espírita são recursos preciosos. Todavia, representam apenas um planejamento. Para sentir a presença de Deus precisamos muito mais de " fazejamento" .
Richard Simonetti
Nenhum comentário:
Postar um comentário