Estudando o Espiritismo

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sexta-feira, 1 de junho de 2018

AMIZADE, NECESSIDADE RECÍPROCA DOS HOMENS ENTRE SI


AMIZADE, NECESSIDADE RECÍPROCA DOS HOMENS ENTRE SI
“8 . – A encarnação é necessária ao duplo progresso moral e individual do Espírito: ao progresso intelectual pela atividade obrigatória do trabalho; ao progresso moral pela necessidade recíproca dos homens entre si. A vida social é a pedra de toque das boas ou más qualidades“.
                        (O Céu e O Inferno, Cap. III - Grifos nossos)

Uma pergunta para iniciar a nossa “conversa” já que tratamos da “música” da alma no artigo passado: Qual é o gosto, o tom, o cheiro, a cor, o ritmo da amizade?  Um amigo talvez seja como um jardim que nós cultivamos… nós o conhecemos, sabemos dos detalhes, mas sempre que repararmos bem, isto é, sempre que prestarmos um pouco mais de atenção, vamos notar algo que ainda não havíamos notado. Algo que já estava lá ou que apareceu a partir de uma mudança: uma nova flor, um broto que cresceu, tons diferentes. Um amigo é sempre uma novidade, ao mesmo tempo em que não cansa e nem causa ansiedade. Quantos amigos teria o leitor ?

Ora, mas um jardim necessita de quem o cuide…senão as ervas daninhas crescem e consomem toda estesia do momento de fruí-lo. Fruir. Isto é o que permite um amigo. De algum modo podemos fruir, saborear a amizade. Se ela causa ansiedade, se ela provoca aqueles vazios, quando procuramos as palavras certas com que preencher a conversa, talvez (ainda) não seja amizade! É preciso cultivar mais, isto é, prestar mais atenção e cuidar do jardim. Há no livro dos Espíritos uma pergunta sobre a criação dos Espíritos. Eis a resposta: Eles são criados simples e ignorantes. Que bela síntese! Simples, isto é, sem experiência. Ignorantes, isto é , sem conhecimento. Ora, tomemos emprestada essa idéia e façamos um paralelo com relação a um amigo novo: ignoramos quem ele seja e ainda não construímos experiências com ele.

Então, seguindo o exposto no artigo anterior (sobre os ingredientes da motivação,i.e., atividade, qualidade e felicidade), qualidade é isso: o gosto daquilo que experimentamos, daquilo que levamos na nossa exploração de um jardim que ainda não conhecíamos. Mais tecnicamente, as qualidades são os recursos empregados na ação (nosso conhecimento, nossas habilidades, tudo combinado, caracterizando o ”tamanho”, a “clareza”  da nossa percepção para captar o essencial). Então a qualidade da ação vai determinar a estreiteza ou amplidão do que “vemos”, como uma janela. Também vai permitir distinguir o nível dos detalhes, a visão de profundidade. Ela estará relacionada aos sentimentos – trata-se, lembrando Kardec, da qualidade dos fluidos que produzimos no pensar. Gosto porque se trata de pensar (ver) pequeno ou grande, mesquinho ou generoso.

Mas, então, repare o leitor que pode não ser fácil fruir a estesia de um jardim. Há que se estar em certo estado de espírito que permita captar o essencial. O coração precisa sorrir e se sentir em paz. Só assim vai encontrar aquilo que procura: o outro, isto é, alguém para amar. E isso tudo no justo momento que passa.

Pode parecer estranho ao leitor o que vamos dizer, mas o passado e o futuro só devem existir no pensamento do homem. Deus não foi e nem será. Deus é. Por isso, então, a vida que nos cabe viver não é nem a que já foi e nem a que virá. A única que pode ser vivida é a de agora. Não perca o agora, talvez cante  o refrão divino... Ele nunca mais se repetirá… E do que é feito o agora? É o espaço da nossa construção feito de momentos marcados por encontros com o outro. Daí a importância dos relacionamentos, segundo Kardec, sempre tão lúcido, a pedra de toque das qualidades…Porque de alguma forma o encontro com o outro nos mantém no aqui e agora. O outro nos solicita a atenção, levando-nos a confrontarmo-nos com as próprias qualidades na relação. Ou como diz Kardec na nossa obra de estudo:

“A bondade, a maldade, a doçura, a violência, a benevolência, a caridade, o egoísmo, a avareza, o orgulho, a humildade, a sinceridade, a franqueza, a lealdade, a má-fé, a hipocrisia, em uma palavra, tudo o que constitui o homem de bem ou o perverso tem por móvel, por alvo e por estímulo as relações do homem com os seus semelhantes.” (grifos nossos)

Não admira que tantos teimem a relação aberta e transparente: o perigo de se encontrar e (ter) de se reconhecer… E de quantas estratégias não lançamos mão para evitar esse encontro! Como dizia Mário Quintana, “quantas vezes a gente, em busca de ventura, procede  qual o avozinho infeliz: em vão, em toda parte, os óculos procura, tendo-os na ponta do nariz!” É para evitar o agora (o momento) do encontro… procurar, procurar, sofregamente, sem encontrar, para fazer o tempo passar e não deixar nunca o agora chegar.

Mas é também por isso que não podemos escolher todas as relações (encontros). Com quem vamos nos encontrar amanhã? Uma coisa só é certa: Há que progredir, crescer em sensibilidade, desenvolver a estesia na própria alma para poder enxergar(-se)! O que fazer, então? Ficar sábio, isto é, aprender a ‘con + viver’, ‘viver junto a’. E, nas palavras de Roland Barthes (professor do College de France) sobre o sentido de ficar sábio:

“Nada de poder;

Um pouquinho de saber;

E o máximo possível de sabor…”

Em outras palavras: a vida vista com uma imensa simplicidade. Não querer mandar, não se intoxicar de vaidades intelectuais. Mas buscar encontros sucessivos e inesperados com a alegria de “con + viver”, que está sempre ao alcance da mão. E note o leitor que ela, a alegria, mora no momento que passa, apenas. Nós a perdemos porque pensamos que ela virá no futuro. Depois de alguma coisa incrível que mudará nossa vida.  Ou porque algo do passado nos aprisiona (remorsos?), impedindo-nos o contato com o momento que passa!

E com isso podemos entender melhor a colocação acima em O Céu e o Inferno sobre a importância dos relacionamentos, onde é fundamental saber transformar a qualidade dos encontros no sentido da amizade. Reparemos que os próprios Espíritos nos relatam essa experiência nos romances que nos oferecem, as paixões, (i.e., relações de amor e ódio) se transformando em sólidas e profundas experiências de amizade. Isso deve nos apontar uma direção a seguir: Fazer do outro (mesmo quando um velho conhecido) um amigo novo, onde saibamos dar sabor às nossas atitudes, temperando-as pela perspectiva mais aberta com que enxergamos a importância do momento que fruímos na convivência com ele. Às vezes , para isso, é preciso desaprender, abandonar a casca velha, permitindo que a vida possa brotar de novo, fresca, renovada: nascer de novo! Abandonar aquilo que já é peso inútil, os entulhos que pesam no coração, idéias falsas como a de que a encarnação tem por motivação equilibrar uma conta tipo débito / crédito. Mas entendê-la como educação que promove a liberdade do espírito para amar, onde os atos inteligentes são sempre intencionais. E o que seria o Espiritismo nesse processo senão um bom motivo para os atos inteligentes, onde buscamos a alegria na experiência de crescer?  Nas palavras de Khalil Gibran:

“E que não haja outra finalidade na amizade a não ser o amadurecimento do espírito. (…) “

“Procurai-o (o amigo) sempre com horas para viver:

O papel do amigo é o de encher vossa necessidade, não vosso vazio.

E na doçura da amizade, que haja risos e o partilhar dos prazeres.

Pois no orvalho de pequenas coisas, o coração encontra sua manhã e sente-se refrescado.”

Horas para viver com sabor os momentos de crescer…Quantas horas reserva o leitor para viver ?

Vanderlei Luiz Daneluz Miranda
Setembro / 2002

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