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Estudos Espíritas
O mesmo tema, vários artigos, para ajudar a alguém que está preparando uma exposição ou estudando um assunto
Estudando o Espiritismo
segunda-feira, 12 de maio de 2025
O Segundo Reinado no Brasil - Período histórico do início do espiritismo no Brasil.
O Segundo Reinado no Brasil foi o período da história brasileira em que o país foi governado por Dom Pedro II, de 1840 a 1889, após o Golpe da Maioridade. Este período é caracterizado por uma maior estabilidade política em relação ao período regencial, a ascensão da economia cafeeira, a gradual abolição da escravidão, a Guerra do Paraguai e a Proclamação da República.
Detalhes do Segundo Reinado:
Início:
O Segundo Reinado inicia com o Golpe da Maioridade, que antecipou a coroação de Dom Pedro II, com apenas 14 anos de idade, em 1840.
Dom Pedro II:
O imperador governou o país por 49 anos, sendo o governante que mais tempo permaneceu no poder no Brasil.
Fases:
O reinado de Dom Pedro II pode ser dividido em fases, incluindo um período de consolidação, um auge e um período de decadência, que culminou com a proclamação da República.
Economia:
A economia do Segundo Reinado foi marcada pelo crescimento da produção de café, que se tornou o principal produto de exportação do Brasil. A escravidão foi gradualmente abolida, e a imigração europeia foi incentivada para suprir a mão de obra nas fazendas de café.
Política:
A política interna foi relativamente estável, com a manutenção da monarquia constitucional parlamentarista, mas também com a ascensão de novas demandas sociais e a formação de grupos com interesses divergentes.
Guerra do Paraguai:
A Guerra do Paraguai (1864-1870) foi um conflito internacional que envolveu o Brasil e outros países da América do Sul, marcando uma época de instabilidade e mudanças no cenário político e social do país.
Fim do Império:
O Segundo Reinado terminou com a Proclamação da República em 15 de novembro de 1889, quando militares depuseram Dom Pedro II, encerrando a monarquia no Brasil.
O que ocorreu antes deste período:
A história do Brasil entre 1780 e 1839 é marcada pela transição de colônia para um estado independente, com a formação do Império do Brasil. Este período envolve a ascensão de D. João VI, a chegada do Príncipe Regente ao Rio de Janeiro, a proclamação da Independência em 1822, o Primeiro Reinado de D. Pedro I e o Período Regencial, que sucede a abdicação de D. Pedro I em 1831.
Elaboração:
De Colônia a Império:
No final do século XVIII, o Brasil era uma colônia de Portugal. A chegada da família real portuguesa ao Rio de Janeiro em 1808, fugindo da invasão napoleônica, marcou um ponto de inflexão. O Brasil passou a ser sede do Império Português, com a capital transferida para a cidade.
A Independência:
A Revolução Liberal de 1820 em Portugal e a crescente autonomia brasileira, especialmente após a Revolução do Porto, conduziram à independência do Brasil. D. Pedro, Príncipe Regente, declarou a independência em 7 de setembro de 1822, sendo aclamado Imperador.
Primeiro Reinado:
D. Pedro I (1822-1831) governou o Brasil, enfrentando desafios como a guerra de independência contra Portugal e a necessidade de consolidar o novo estado. Sua abdicação em 1831 deu início ao período Regencial.
Período Regencial:
Com a abdicação de D. Pedro I, um Conselho de Regência assumiu o poder. O período foi marcado por movimentos de oposição à regência, como a Revolução Liberal, e por conflitos sociais e políticos em várias regiões do país, como a Sabinada, a Revolução do Rio Grande e a Cabanagem.
O fim do Período Regencial:
O governo regencial foi marcado pela instabilidade e pela falta de consenso entre os diferentes grupos políticos. O golpe da maioridade, em 1840, que proclamou D. Pedro II imperador com apenas 14 anos, marcou o fim do período Regencial e o início do Segundo Reinado.
segunda-feira, 5 de maio de 2025
quarta-feira, 30 de abril de 2025
ÉTICA E ALTERIDADE
ÉTICA E ALTERIDADE
Renomado teólogo pergunta: — O que é alteridade? — Ao que responde: — É ser capaz de apreender o outro na plenitude da sua dignidade, dos seus direitos e, sobretudo, da sua diferença.[i] — Essa ética filosofal quer estabelecer uma relação de entendimento entre os que considera essencialmente diferentes, mas para um dos seus maiores teóricos: “O absolutamente outro é outrem; não faz número comigo”.[ii] Bem; contornemos essa tão funda singularidade antes que trague toda nossa luz. O fato é que se impôs o clamor por um espiritismo em que Kardec não seja senão mais uma corrente em tantas, o que, por sinal, sem qualquer novidade, remete não à rota criteriosa da doctrine spirite pelo mestre sonhada, sim ao new spiritualism ou spiritism anglo-americano, mais difuso.[iii] O instrumento usado para tanto há sido a ética da alteridade; mas o que se almeja, desse modo, é progredir sem óbices entre kardecistas, fazendo os adeptos deste modal espírita, por natureza mais exigente, acreditarem não ser boa conduta opor lúcida resistência a certas heterodoxias um tanto excêntricas por vezes.
Essa filosofal ética alteritária, todavia, não afronta em nada o spiritisme. Ninguém respeitou mais as diferenças e apreendeu, nelas, o outro, do que o professor H.-L.-D. Rivail. O controle por ele feito do ensino geral dos espíritos o obrigava a ter em conta mesmo o que seres de pouca elevação tinham a dizer. Para esse gênio da observação, os espíritos foram, do menor ao maior, meios de se informar, não reveladores predestinados.[iv] Aos detratores, respondia que a doutrina preconiza a liberdade de consciência como direito natural de seus adeptos e de todo mundo; respeita convicções sinceras e exige a reciprocidade.[v] Que saberiam, porém, da filosofal ética da alteridade os que, desde a morte do mestre, asseveram, em falso, que estaria de todo ultrapassado e oferecem, como solução, as obras que eles adotam de outrem, escrevem por si ou recebem de espíritos sem nenhum confronto de aferição? Não há ética alteritária nisso, salvo se a reciprocidade lhe seja de somenos. O espiritismo stricto sensu, a doctrine spirite — sim, o kardecismo —, não seria um absolutamente outro que é outrem e, afinal, diverso, merecendo seu direito de existir tal qual é? Como podem os paladinos desse pluralismo dito “filosófico” se proclamar kardecistas em flagrantes contraditas a Kardec? 1) reencarnação é castigo a espíritos falidos noutra linha de evolução [Roustaing]; 2) incensos e defumadores são detonadores de miasmas astralinos [Ramatis/Armond]; 3) a atual filosofia espírita é limitada por não nos esclarecer as primeiras origens do universo e o plano geral da criação, faltando-lhe visão completa do todo [Ubaldi]; 4) o espiritismo é uma doutrina laica, neutra quanto ao pensamento religioso, não pode ser cristão [CEPA/NEFCA]; 5) espiritismo é toda interpretação que possibilite espiritualização e, por isso, deve imperar o regime do mais livre pluralismo de concepções sobre os postulados da doutrina [movimento Atitude de Amor]; dentre outros subsistemas.
Certos campeões da ética alteritária defendem respeito às diferenças, mas, para o caso particular da diferença que caracteriza o spiritisme francês, trabalham por diluí-la, isto é, a identidade kardeciana do espiritismo. A pretexto de atualizá-la, de combate às ações doutrinantes que a engessariam, não deixam de reproduzi-las a seu próprio modo. Onde, pois, a ética alteritária? Querem-na, é verdade; por obrigação alheia, contudo. Ora; não obstante o zelo da composição doutrinária de Kardec, ela registra esse espiritismo lato sensu, de alcance vário, por assim dizer. Ideias e fatos antigos mencionados pelo mestre como espiritismo: entre os druidas, na bíblia, etc.;[vi] o que ocorria, outrossim, na literatura estadunidense: ancient spiritism, present spiritism: espiritismo antigo, espiritismo atual.[vii] Por conseguinte, lato sensu, mas só por esse motivo admissível in totum, espíritas já o são todos os que pura e simplesmente se filiem a estudos e práticas que impliquem a crença na ação dos espíritos. Isso mais remete ao spiritism, ao new spiritualism anglo-americano, anterior ao Livro dos Espíritos; contudo não lhe é, a este último, alheia essa pluralidade mais difusa. Na introdução dessa sua magna obra, Kardec escreve que a doctrine spirite[viii] tem por princípio as relações do mundo material com os espíritos e que o adepto do espiritismo (celui qui croit aux manifestations des esprits: aquele que crê nas manifestações dos espíritos)[ix] será o espírita ou espiritista, vocábulo, aliás, também do inglês: spiritist, idioma em que a palavra central da “ciência” e da doutrina já fora tomada ao latim: medium.[x] Na conclusão da mesma obra fundamental, postula Kardec algo inédito, três graus entre os adeptos: os que se limitam à ciência experimental; os que admitem a moral que dela decorre, e os que praticam ou se esforçam por praticar a moral do spiritisme philosophique.[xi]
Portanto, o spiritisme, a doctrine spirite, corresponde, sim, ao produto singular da lógica estreme do método de composição kardeciano; todavia nem por isso deixou ao desabrigo do qualificativo spirites ou spiritistes os que não chegam a progredir nos três graus da doutrina ou que não a acolhem toda, os que se conservam na fase empírica e, como vimos, por extensão retroativa, até mitológica, oracular, profética; donde haver, sim, lato sensu, espiritismo na umbanda, no candomblé, por exemplo, como havia na bíblia, entre os druidas e por toda antiguidade. Tanto assim é que Kardec fez publicar sem reparos em sua Revista, já em 1868: “Por não ser espírita completo, não se é menos espírita, o que faz por vezes que se o seja sem saber, algumas vezes sem o querer confessar e que, entre os sectários de diferentes religiões, muitos são espíritas de fato, quando não de nome”.[xii] A dicotomia espiritualismo/espiritismo que se quer impor no Brasil, no sentido: não kardecista/kardecista, está eivada de uma deletéria pretensão hegemônica e, nalguns casos, de um criminoso preconceito contra as religiões afro-brasileiras; além de falsear a história do espiritismo. Não havia distinção entre espíritas e espiritualistas entendidos como adeptos e não adeptos de Kardec, sim entre os espiritualistas que criam nas manifestações dos espíritos e os que nelas nem sempre criam. Kardec percebeu esta confusa sinonímia estadunidense: spiritualists or spiritists, espiritualistas ou espiritistas.[xiii] A primeira, tradicional, ligada ao spiritualism; a segunda, neologismo, ao spiritism. Didata, Rivail logo preferiu spiritism e spiritist, para o que diz respeito aos espíritos e suas manifestações, a spiritualism e spiritualist, ainda que adjetivados, estes, por modern e new. Com isso, Kardec evitou qualquer dúvida quanto ao fato de a intervenção dos espíritos ser o traço distintivo do spiritism e a crença central dos spiritists, no que nem sempre eram acompanhados pelos spiritualists.[xiv] Estabelecera-se, assim, o grande divisor de águas; não entre os adeptos e os não adeptos de Kardec, mas entre os crentes e os descrentes na intervenção dos espíritos no mundo natural.
[i] Frei Betto. Alteridade. In: Agencia Latinoamericana de Información. http://alainet.org/active/3710〈=es.
[ii] Lévinas, E. Totalidade e Infinito. Trad. José Pinto Ribeiro. Lisboa: Edições 70, 1988, p. 26.
[iii] Fonte primeira do espiritismo moderno; 1837 (fenômenos entre os Shakers), 1848 (entre os Fox), 1854 (publica-se a palavra spiritism). Kardec se refere “a um dos mais fervorosos adeptos da doutrina e que, havia muitos anos, desde 1849, se ocupava com a evocação dos espíritos. (Cf. O Livro dos Espíritos. Introdução: IV.)
[iv] Obras Póstumas. Minha primeira iniciação no espiritismo.
[v] Obras Póstumas. Ligeira resposta aos detratores do espiritismo.
[vi] Cf. cap. 24 deste trabalho: Spiritism e spiritisme.
[vii] GOODRICH, Chauncey. The Apocatastasis; Or Progress Backwards. Cap. VI, p. 64. Burlington, 1854.
[viii] Salvo melhor juízo, locução kardeciana que, ali, tornou-se sinônima da palavra de língua inglesa adaptada ao francês: spiritisme (de spiritism). — “Si donc j'ai adopté les mots spirite, spiritisme, c'est parce qu'ils expriment sans équivoque les idées relatives aux esprits. Tout spirite est nécessairement spiritualiste, mais il s'en faut que tous les spiritualistes soient spirites.” — Se assim eu adotei os termos espírita, espiritismo, é porque eles exprimem, sem equívoco, as ideias relativas aos espíritos. Todo espírita é necessariamente espiritualista, mas nem todos os espiritualistas são espíritas. (O Que É o Espiritismo. Cap. I. Espiritismo e espiritualismo.)
[ix] Le Livre des Mediums. Nouvelle edition conforme a la onzieme edition de 1869. Union Spirite Française et Francophone. Chapitre XXXII. Vocabulaire spirite.
[x] GOODRICH, Chauncey. The Apocatastasis; Or Progress Backwards. Cap. V, p. 51. Burlington, 1854.
[xi] Conclusão: VII.
[xii] Emile Barrault, engenheiro. In: Revista Espírita. Jun/1868. Nota bibliográfica. Por Allan Kardec.
[xiii] BROWNSON, Orestes Augustus. The Spirit-Rapper. Cap. XX, p. 294. Boston, 1854.
[xiv] Cf. cap. 24 deste trabalho: Spiritism e spiritisme.
Etapas da Alteridade
Etapas da Alteridade
“Necessária é a variedade das aptidões, a fim de que cada um possa concorrer para a execução dos desígnios da Providência,no limite do desenvolvimento de suas forças físicas e intelectuais.”
Livro dos Espíritos - Questão 804
Alteridade, uma palavra que merece atenção nos programas de educação e melhora à luz do Espiritismo humanitário.
Consideremo-la como sendo a singularidade alheia, o distinto, aquilo que é “outro”, a diferença que marca a personalidade de nosso próximo.
Nas abordagens filosóficas a alteridade tem conotações de rara beleza e profundidade demonstrando a importância da diversidade humana. Entretanto, interessa-nos mais de perto, seu enfoque ético na convivência.
O trato humano com a diferença, da qual o outro é portador, tem sido motivo para variados graus de conflitos e adversidades. Inclusive entre os seareiros da causa espírita observa-se o desafio que constitui estabelecer uma relação harmoniosa e fraterna, quando se trata de alguém que não pensa igual ou que foge aos convencionais padrões de ação e pensamento, perante as tarefas promovidas nos círculos doutrinários. Freqüentemente, a dificuldade em manter a fraternidade com as diferenças e os diferentes tem ocasionado um lamentável fenômeno comportamental na sociedade: a indiferença. A indiferença é a negação da diferença; o outro não faz diferença nenhuma, é um bloqueio deliberado ou inconsciente ao distinto, àquilo que não é o “eu”. Não havendo disposição ou mesmo possibilidade de compatibilidade entre aptidões ou no terreno do entendimento, adota-se a exclusão afetiva como suposta solução para os embates do relacionamento. Leves agastamentos e decepções arrefecem as expectativas e as frágeis amizades levando muito facilmente as criaturas à mágoa e mesmo ao revanchismo.
Conviver é, de fato, um desafio. A humanidade terrena, nesse início do terceiro milênio, começa a se preocupar em delinear nos seus projetos educacionais a habilidade de “aprender a conviver” como um dos quatro magistrais pilares para todos os conteúdos das escolas do mundo. Muito relevante essa medida, tomando por base que esse será o milênio do homem interior, em contraposição aos últimos mil anos que fundamentaram a era do homem exterior, o homem das conquistas para fora, sendo agora o momento das conquistas e vitórias íntimas: a era do amor falado, sentido e aplicado.
A indiferença provoca uma quase total ausência de solidariedade nas relações entre os homens. O egoísmo é o responsável por essa calamidade da vida humana, levando ao “esfriamento da sensibilidade” ante tanto desrespeito e violência.
Compreender as etapas da alteridade nos mecanismos afetivos, sob o prisma do progresso espiritual, é fundamental para procedermos a uma autoavaliação de nossa posição íntima.
Delineemos essas etapas do crescimento moral e espiritual em três: primeiro o desejo de melhora, posteriormente a interiorização e finalmente a transformação. Em cada uma dessas vivências dilata-se a consciência para uma concepção mais apurada daqueles que jornadeiam conosco no carreiro das experiências de cada instante. Em cada uma, a singularidade “daquele que é outro” toma uma conotação de conformidade com a maturidade afetiva e moral de cada um.
Antes de assinalarmos as características pertinentes a cada passo, deixemos claro que todo processo de mudança interior obedece a esse espírito de seqüência natural. Sem desejo de melhora não existe motivação para quaisquer empreendimentos de renovação. Sem a etapa da interiorização não se deflagra o conhecimento fidedigno do trabalho a ser efetuado na intimidade de si mesmo. E a transformação é o resultado e o objetivo para o qual todos caminhamos na evolução. Esse dinamismo interior é processual e ninguém estagia em uma ou outra etapa separadamente. No entanto, para efeitos didáticos, analisemos o que costuma suceder-se na vida afetiva ao longo dessa caminhada, dentro da relação eu e o outro, para quantos tomam contato com as luzes do Espiritismo:
Desejo de melhora – período em que nos ocupamos pelas ações no bem. Etapa marcada pelo conhecimento espiritual criando conflitos íntimos, impulsionando novos posicionamentos. A necessidade de mudança será proporcional ao nível de maturidade de cada criatura. Nessa fase o outro ainda é uma referência de incômodo, disputa e ameaça, quase um adversário para quem são dirigidas cobranças não suportáveis a si mesmo. Tal estado psicológico instiga o julgamento inflexível através da análise para fora. O principal traço afetivo é a simpatia pelos iguais, aqueles que pensam conforme pensamos, que esposam pontos de vista idênticos. Embora seja um instante de muita “convulsão” nas metas e propósitos de vida, é quando o homem se define por uma nova opção de melhora com base na vida futura, na imortalidade e na ascensão. O convite ético do Espiritismo chega-lhe como consolo e também um abalo nas convicções. Mesmo o próximo não sendo ainda respeitado na sua diferença, trata-se do início da morte da indiferença. Apesar de não aceitar os diferentes, já se incomoda com eles, querendo modificá-los: um efetivo sinal de mutação na forma de sentir. Afetivamente não é uma postura ajustada, mas é uma estrada que se abre para superar a tendência de marginalização e impulso para repensarmos a nossa individualidade, até alcançarmos a interiorização. Interiorização – se na fase anterior a prioridade era a ação, aqui o aprendiz das questões do espírito volta-se para estudar suas reações íntimas. O conhecimento sai da esfera puramente intelectiva para o campo das reflexões sentidas, motivando a busca de estados mentais de harmonia. O “outro” promove-se à condição de espelho das necessidades de nosso aperfeiçoamento, uma extensão de nós próprios que deflagra o processo educativo; afetivamente toma a conotação daquele que nos leva a novos e mais elevados sentimentos. Esse é o estado psicológico da busca de entendimento e do autoconhecimento, uma análise para dentro. Há uma dilatação da sensibilidade para com a diferença alheia, seguida de mais intensa aceitação, disposição para o perdão e a concórdia. Começa-se assim a compreensão da importância que tem a diversidade de aptidões. O desigual passa a ser visto como alguém importante para o nosso crescimento pessoal. A maleabilidade, a assertividade, a empatia e outras habilidades emocionais passam a ser usadas com mais intensidade. Todas essas posturas sedimentam valores novos no rumo da transformação.
Transformação – os valores interiorizados atingem o campo dos sentimentos, é a mudança real. O outro é alteridade, distinção; é o estado psicológico do amor em que a diferença do outro passa ser incondicionalmente aprovada e, mais que isso, compreendida como indispensável lição de complementaridade. Nessa etapa aprende-se não só a aceitar os diferentes como se consegue aprender com eles, amá-los na sua maneira de ser. É a etapa da felicidade. O outro jamais poderá ser motivo para decepções e mágoas. Ainda que as tenhamos saberemos como lidar bem com essas emoções. A autonomia e a liberdade não permitem amarras e dependência, opressão e sentimentalismo. Aprende-se o auto-amor e por conseqüência ama-se sem sofrimento, sem sacrifícios; ama-se porque o amor é preenchedor e isso, definitivamente, basta. Jesus, na Parábola do Semeador, quando fala dos vários terrenos em que foram distribuídas as sementes, deixa-nos um tratado sobre a alteridade e suas etapas. Os solos da narrativa correspondem aos níveis evolutivos em que cada qual dará frutos, conforme suas possibilidades.
O aprendizado da reforma íntima, inevitavelmente, percorre esses degraus de aprimoramento. A análise sincera dos sentimentos que se movimentam na esfera dos corações nessa marcha de crescimento nos permitirá proceder ao conhecimento de si próprio com mais êxito. Não esqueçamos, em nosso favor, que em qualquer tempo e lugar, diferenças não são defeitos, os diferentes necessariamente não são oponentes, e a indiferença é o recolhimento egoísta do afeto na escura masmorra do desamor. Nossa harmonia é construída no cultivo das virtudes da indulgência, da fraternidade e do acolhimento. Ação, reação, transformação: caminhos da alteridade.
Morte da indiferença, autoconhecimento, amor:
caminhos da felicidade.
Em quaisquer etapas: sempre alteridade na erradicação do personalismo.
Hosanas às diferenças e aos diferentes!
Livro “Mereça Ser Feliz”
Espiritismo e respeito à diversidade humana
Espiritismo e respeito à diversidade humana
(Artigo retirado da FEB – Link no final)
Em tempos que nos pedem reflexão e consciência sobre o preconceito, a Doutrina Espírita nos traz palavras esclarecedoras para o nosso trabalho de autoaperfeiçoamento e convivência pacífica. Ante a lição de que somos todos irmãos, celebremos a diversidade humana com respeito e fraternidade, com a riqueza das palavras a seguir.
“Allan Kardec encontrou, nos princípios da Doutrina Espírita, explicações que apontam para leis sábias e supremas, razão pela qual afirmou que o Espiritismo permite “resolver os milhares de problemas históricos, arqueológicos, antropológicos, teológicos, psicológicos, morais, sociais, etc.” (Revista Espírita, 1862, p. 401).
De fato, as leis universais do amor, da caridade, da imortalidade da alma, da reencarnação, da evolução constituem novos parâmetros para a compreensão do desenvolvimento dos grupos humanos, nas diversas regiões do Orbe.
Essa compreensão das Leis Divinas permite a Allan Kardec afirmar que:
[…] o Espiritismo, restituindo ao Espírito o seu verdadeiro papel na Criação, constatando a superioridade da inteligência sobre a matéria, faz com que desapareçam, naturalmente, todas as distinções estabelecidas entre os homens, conforme as vantagens corporais e mundanas, sobre as quais só o orgulho fundou as castas e os estúpidos preconceitos de cor. (Revista Espírita,1861,p. 432.)
Com a reencarnação, desaparecem os preconceitos de raças e de castas, pois o mesmo Espírito pode tornar a nascer rico ou pobre, capitalista ou proletário, chefe ou subordinado, livre ou escravo, homem ou mulher. De todos os argumentos invocados contra a injustiça da servidão e da escravidão, contra a sujeição da mulher à lei do mais forte, nenhum há que prime, em lógica, ao fato material da reencarnação. Se, pois, a reencarnação funda numa lei da Natureza o princípio da fraternidade universal, também funda na mesma lei o da igualdade dos direitos sociais e, por conseguinte, o da liberdade. (A Gênese, cap. I, item 36, p. 42-43. Vide também Revista Espírita,1867, p. 373.)
Nós trabalhamos para dar a fé aos que em nada creem; para espalhar uma crença que os torna melhores uns para os outros, que lhes ensina a perdoar aos inimigos, a se olharem como irmãos, sem distinção de raça, casta, seita, cor, opinião política ou religiosa; numa palavra, uma crença que faz nascer o verdadeiro sentimento de caridade, de fraternidade e deveres sociais. (KARDEC, Allan. Revista Espírita de 1863 – 1. ed. Rio de Janeiro: FEB, 2005. – Janeiro de 1863.)” (1)
“Em diversos pontos de sua obra, o codificador Allan Kardec se refere aos Espíritos encarnados em tribos incultas e selvagens, então existentes em algumas regiões do Planeta, e que, em contato com outros polos de civilização, vinham sofrendo inúmeras transformações, muitas com evidente benefício para os seus membros, decorrentes do progresso geral ao qual estão sujeitas todas as etnias, independentemente da coloração de sua pele. […]
Na época, Allan Kardec sabia apenas o que vários autores contavam a respeito dos selvagens africanos, sempre reduzidos ao embrutecimento quase total, quando não escravizados impiedosamente. É baseado nesses informes “científicos” da época que o Codificador repete, com outras palavras, o que os pesquisadores Europeus descreviam quando de volta das viagens que faziam à África negra. Todavia, é peremptório ao abordar a questão do preconceito racial:
O homem de bem é bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças nem de crenças, porque em todos os homens vê irmãos seus. (O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo XVII, item 3, p. 348.) […]
Feitas essas considerações, é lícito concluir que na Doutrina Espírita vigora o mais absoluto respeito à diversidade humana, cabendo ao espírita o dever de cooperar para o progresso da Humanidade, exercendo a caridade no seu sentido mais abrangente (“benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições dos outros e perdão das ofensas”), tal como a entendia Jesus, nosso Guia e Modelo, sem preconceitos de nenhuma espécie: de cor, etnia, sexo, crença ou condição econômica, social ou moral. “ (2)
(1) NOTA EXPLICATIVA na Revista Espírita de 1859, mês de dezembro.
(2) KARDEC, Allan. Obras póstumas.
Fonte: https://www.febnet.org.br/portal/2020/06/03/espiritismo-e-respeito-a-diversidade-humana/
O aporte da alteridade como valor e referência
O aporte da alteridade como valor e referência
Bywgarcia
ago 5, 2011
A dinâmica interna do Espiritismo tende a incorporar naturalmente os avanços do conhecimento, dentro de um movimento que, de ordinário, não espera por decisões de ordem moral para se realizar. Isso pode parecer a alguns um contra-senso na medida que a realidade da doutrina contrapõe indivíduos e estabelece conflitos para aquilo que pode, deve ou é aceito como coerente frente aos postulados balizadores do saber espírita, ou seja, os seus princípios básicos. Mas a idéia de aporte natural dos novos conhecimentos possui sua lógica, independentemente e para além dos conflitos, e funciona em paralelo a esses conflitos. Ou seja, em meio às disputas pela adoção dos novos saberes se desenvolve um movimento que produz aportes enriquecedores e proporciona a que a doutrina continue fazendo sentido. O lugar aonde esse movimento se processa é a práxis do cotidiano, em que os indivíduos não só se inter-relacionam como de fato estão em contato com informações de todo tipo e ordem. Os aportes se dão de forma natural e espontânea na mesma medida e ordem em que são, também, combatidos pelo pensamento ortodoxo, ou seja, a ortodoxia que combate o novo também valida a sua discussão.
Ao aceitar esse tipo de raciocínio se poderia concluir que os embates entre o novo e o velho estariam localizados no terreno da irracionalidade, pois o novo não depende contemporaneamente do juízo da ortodoxia. Em parte, isso é certo. Inundados pela informação cotidiana, os indivíduos em sua diversidade tendem a conviver com o conflito gerado pelas próprias informações, dentro de um espectro de convivência em escala da aceitação pura até a o combate total, numa graduação quase infinita. Assim, quando o novo recebe a aprovação daqueles que estão no trecho da escala compreendido entre o seu início e mais ou menos o seu meio, a reprovação dos demais tem pouca ou nenhuma força contra o aporte. Este se dá por uma questão de esgotamento de forças contrárias ou sua pouca capacidade de impedir que informações vistas como importantes sejam adotadas como verdades. Por outro lado, é preciso convir que com a racionalidade científica trabalhando em regime de permanente fragmentação e de submissão parcial à sociedade do espetáculo, a informação nova estará sempre plena de contradições e conflitos, sendo, portanto, natural que se estabeleça uma divisão e oponha apoiadores e combatedores. O que fica claro é que, independentemente do embate que se estabelece e da existência da parcela que lhe nega veracidade (completa ou parcialmente) a simples existência de uma outra parcela que lhe confere lógica é suficiente para que o aporte ocorra, mesmo que entre estes existam aqueles cuja aceitação do novo não passa por outro critério de verdade que não seja a da aparência de verdade contida no novo. Explica-se assim, em parte, a dinâmica interna do Espiritismo enquanto movimento permanentemente relacionado com a produção do conhecimento.
Dito desta forma fica esclarecido porque consideramos que o aporte da alteridade, que se concretiza diariamente, já foi realizado pela parcela dos espíritas que lhe confere valor e importância, restando-lhe apenas (talvez seja esta a parte mais difícil) a tarefa do convencimento da parcela (a maior?) que não a tem na mesma medida, seja por total desconhecimento da filosofia alteritária seja por não ver sentido nesse aporte, uma vez que está convencida de que o necessário em termos éticos já se encontra presente na doutrina.
Em vista do exposto, vamos trabalhar tanto com o raciocínio do aporte concretizado quanto com a necessidade de conceituação da alteridade para fins de justificação, para então concluir com a ética alteritária, suas relações com o Espiritismo e o seu impacto na mídia de massa.
Conexões entre alteridade e ética espírita
O uso da noção de alteridade como balizadora da comunicação que se realiza pelos meios técnicos (mídia) comporta uma ampla gama de elementos de grande valor. É bem verdade que estes elementos não dizem respeito apenas ou somente à comunicação de massa, mas a todo e qualquer tipo de interação humana. Mas o trato da alteridade com vistas ao seu emprego na práxis midiática torna estes elementos fundamentais, seja por conta das reflexões que propiciam seja pelo posicionamento diferenciado em que se colocam. Por outro lado, em trabalho da natureza deste, em que se pretende abordar o valor universal da alteridade e as suas possibilidades de conexão com o saber espírita e, portanto, também com a práxis cotidiana da mídia especializada em espiritismo, será preciso buscar os pontos de contato que as duas doutrinas oferecem.
Vejamos, portanto, de forma descritiva, alguns elementos fundamentais da noção de alteridade e as reflexões que propiciam.
Em primeiro lugar será preciso fazer referência àquele que está acima de qualquer elemento: o outro. E aqui aparecem dois aspectos igualmente importantes: o outro é tanto a individualidade humana quanto a coletividade que resulta da junção de muitos outros. Como é também indispensável perceber que o outro é sentido e objetivo da mídia, independente de ser ela massiva ou seletiva. Ao tocar na questão do outro temos por interesse chamar a atenção para a idéia de que o outro é mais importante do que o eu em questões de alteridade, pois é pelo outro que o eu se realiza. Neste aspecto, desde já está claro que o outro alteritário quase nunca faz sentido quando se trata de analisar o olhar da mídia, naturalmente focado antes no eu (o eu do lucro ou da dominação) do que em qualquer outra coisa. Em geral, o olhar midiático é um olhar inverso ao olhar alteritário. Tudo o que a alteridade valoriza a mídia contraria e, por conseqüência, nega.
Senão, vejamos.
A noção alteritária estabelece que o outro é uma presença de alteridade, ou seja, é diferença, estranheza, novidade, contrariedade, infinitude, ignorância. De fato, estar na presença não só do que é diferente, mas da própria diferença implica constatar a diferença para compreendê-la a partir de um estranhamento que indaga, analisa, respeita e valoriza, ou seja, não olha o outro a partir de critérios de valor pré-existentes, mas de uma postura aberta e indagadora, à procura de descobrir valores, potenciais, desejos, sonhos e utopias elegidas pelo outro. Daí a certeza de que nesta interação alteritária e dialógica, o outro não só reafirma sua diferença como se demonstra capaz de surpreender e valorizar a individualidade que com ele interage. Com isto, o outro será sempre a possibilidade da relação solidária, do afeto em movimento, do saber que se alterna e flui nas duas direções: do eu para o outro e do outro para o eu. Sendo sempre um fluxo contínuo, a interação com o outro alteritário se mantém permanentemente distante da impaciência e da intolerância, bem como de qualquer tipo de violência e dominação.
Como se depreende de Lèvinas, o olhar alteritário supera o espelhamento, a expectativa de ver no outro o reflexo do próprio eu, para estabelecer um reconhecimento de sua importância e valor. A perspectiva que se apresenta é de um diálogo em que os atores se colocam em posição de igualdade onde o outro se torna mais importante que o eu, pois é o outro que possui a capacidade de fazer crescer o eu. No espelhamento está presente o ingrediente básico da dominação, enquanto que a relação alteritária não se submete a qualquer tipo de dominação, nem a interesses que normalmente motivam o eu e o colocam em posição de superioridade frente ao outro. Esta relação, portanto, se coloca em clima de des-inter-esse, ou seja, de desejos e intenções que permeiam e impedem a solução dos conflitos naturais às relações humanas.
A alteridade não pressupõe a inexistência de conflitos, mas a criação de condições para superação permanente deles, uma vez que a paz é sua condicionante e objetivo. Por isso, a alteridade também não pressupõe a passividade e a complacência, mas a relação que enriquece a partir da postura conscientemente assumida segundo a qual o outro é que produz a paz da qual o eu se beneficia. Os papéis se invertem. Tradicionalmente, a idéia de construção do bem é dada ao eu. Aqui é o eu que busca compreender o outro para que a paz possa ser possível. Ou seja, sem a compreensão do valor do outro não há possibilidade de qualquer clima real de construção da paz.
Já a partir dessas reflexões tem-se por oportuno tentar responder a uma indagação de ordem: em que medida a proposição da alteridade interessa ao Espiritismo enquanto valor a ser agregado à ética inerente à sua doutrina? Afora qualquer sentimento de que o Espiritismo se basta a si mesmo em questões de ética (a qual permeia o pensamento geral predominante), a ética alteritária pode ser analisada em seu ponto de contato com a noção do próximo contida na ética cristã da qual a doutrina espírita se coloca como herdeira. E esse ponto de contato permite verificar que o outro da alteridade é o próximo do Espiritismo na medida que a ética espírita estabelece que o receptor da compreensão e dos desejos do eu é o próximo. Mesmo quando a idéia de próximo traz incorporado o clímax da solidariedade e, portanto, do amor, a sua reflexão através dos pressupostos alteritários permite um acréscimo extraordinário ao alargar a visão da construção de um estado de paz e crescimento que interessa diretamente ao ser humano. Mesmo que o aporte da alteridade não signifique modificar a essência do amor presente na mensagem da ética espírita, nem sua capacidade indiscutível de contribuir para a construção de uma sociedade justa e humana, os valores alteritários se apresentam como importantes fragmentos de uma ética que caminha na mesma direção e com iguais objetivos. O acréscimo vem por conta da capacidade da filosofia alteritária de estabelecer um olhar pela racionalidade que vai ao cerne das questões fundamentais, conseguindo reunir fragmentos importantes para a constatação de que o caminho da paz e do bem não pode desconsiderá-los.
A preocupação com a diferença presente na ética da alteridade é em si mesma uma razão forte para que o estudo da ética cristã, sob o olhar espírita, realize o seu aproveitamento e supere a própria presença da diferença, que por certo está no Espiritismo de modo difuso e não centrado. Sendo da filosofia alteritária que o outro é relação de distinção, diferença e contraste e que é preciso estabelecer esta consideração para que o diálogo se faça produtivo, a idéia de próximo ganha em status e identidade, sentido e realidade, em especial neste momento em que a fragmentação na sociedade contemporânea se faz presente com toda a força de conduzir as individualidades à exacerbação do eu, marcando ainda mais a própria ética espírita que considera o eu narcísico como fundamento e causa dos males que nos assolam.
Espetáculo a serviço do interesse do sistema
Feitas as reflexões, podemos voltar nosso olhar para os demais objetivos fundamentais deste texto. Desde logo se coloca a seguinte questão: é possível pensar uma relação mídia e sociedade sob os princípios da interação alteritária? Por extensão, cabe também questionar: a mídia especializada em Espiritismo possui condições de atender à ética da alteridade, considerando-se os seus postulados acima descritos? São duas questões inter-relacionadas e para as quais não se podem pretender respostas imediatas, mesmo que sejamos tentados a apresentá-las ou nos pareça tê-las na ponta da língua. Não sem antes estabelecermos uma boa reflexão sobre aspectos importantes da realidade midiática contemporânea, visando superar uma certa ingenuidade que assola a própria individualidade.
Comecemos por tocar na questão da enorme atração que a mídia exerce sobre as massas. Trata-se de um poder já bastante analisado por estudiosos diversos e demonstrado em pesquisas inúmeras, mas nossas reflexões aqui se estabelecem a partir da concepção de uma sociedade voltada ao espetáculo colocada com muita propriedade por Guy Debord , onde os meios técnicos de comunicação ocupam posição privilegiada. Temos, portanto, dois aspectos igualmente importantes à análise: a espetacularização da sociedade e a mídia. Já não é possível mais pensar um deles sem considerar o outro. Espetáculo e mídia se entrelaçam num entrecruzamento em que a mídia passa a conduzir o espetáculo e o exacerba para a sociedade, produzindo um sentido de convencimento de tal ordem que o ideal de sociedade deixa de possuir as características tradicionais para se transformar em ideal de espetáculo. O eu e o outro estão convencidos de que a identidade só se torna possível através da visibilidade midiática, proporcionando à mídia o nobre objetivo de tornar possível ao eu e ao outro alcançarem a sua identidade. O contraponto necessário aí é a percepção de que o ideal de felicidade assentado no espetáculo que a mídia incorpora não é o objetivo da mídia, pois a esta interessa o resultado que interessa ao capital investido. O ideal de felicidade que perpassa a mídia é fundado no consumo permanente, daí porque as mensagens publicitárias tratam de renovar sempre as necessidades e as possibilidades de serem atendidas. Mesmo a mídia enquanto produto que se vende a si mesmo não está aquém desta proposta de felicidade, pois reflete e reproduz o próprio sentido presente na proposta de consumo para alcançar a felicidade.
Em Debord, a idéia de uma sociedade do espetáculo se estende para além de interesses fragmentados deste ou daquele grupo, até mesmo da ação da mídia como parte econômica interessada. Conquanto a mídia ocupe aí lugar estratégivo e privilegiado, “o espectáculo apresenta-se ao mesmo tempo como a própria sociedade, como uma parte da sociedade, e como instrumento de unificação. Enquanto parte da sociedade, ele é expressamente o sector que concentra todo o olhar e toda a consciência. Pelo próprio facto de este sector ser separado, ele é o lugar do olhar iludido e da falsa consciência; e a unificação que realiza não é outra coisa senão uma linguagem oficial da separação generalizada” .
Não será de todo inverídico afirmar que desde o instante em que o jornalismo adotou a técnica das grandes manchetes e proporcionou a si mesmo um salto quantitativo, amparado pelo desenvolvimento tecnológico das máquinas de imprimir, o desenvolvimento da mídia foi traçado de forma a caminhar em direção ao próprio espetáculo, pois o emprego de manchetes sensacionalistas, independentemente de quaisquer outras análises, constitui a entrada no mundo do espetáculo visível e visual por parte do único meio técnico de comunicação de massa de fato existente então. A exacerbação do espetáculo na contemporaneidade encontra no jornalismo sensacionalista um dos seus marcos iniciais.
Não está em questão uma discussão conceitual ou filosófica do sistema capitalista, mas a compreensão de que objetivos capitalistas predominantes na mídia se tornam inadequados à convivência não conflitual com a proposta de uma ética alteritária, pois esta é fundamentalmente uma proposta de subversão de todo e qualquer interesse que conflite com o respeito integral e absoluto ao outro. O interesse midiático, enquanto submetido ao interesse do capital, torna-se inapropriado à consecução de uma relação interativa em que o interesse do outro se constitui em ponto de partida e de chegada, pois que o interesse midiático só pode se realizar sendo ele mesmo ponto de partida e de chegada.
A espetacularização dos meios de comunicação, portanto, pode ser vista como perfeitamente adequada e coerente com os objetivos do sistema que os mantém, mas não pode receber a mesma consideração daqueles cujo verdadeiro interesse está centrado na valorização do outro e, portanto, de sua intimidade. A constatação de que, parodiando McLuhan, a mídia é o espetáculo não constitui apenas a crítica da mídia, mas uma outra constatação: a de que os meios técnicos levam à última conseqüência o seu empenho para alcançar e manter o domínio sobre a audiência.
Este olhar crítico se faz ainda mais oportuno quando se considera que duas doutrinas que transitam fundamentalmente pela trilha da ética de valorização do que há de mais humano e legítimo no cidadão podem se legitimar também enquanto conceitos que se identificam. Tanto a ética alteritária quanto a ética espírita se torna incompatível com a espetacularização da vida humana e a única forma de superar essa incompatibilidade está na noção de prevalência do outro enquanto individualidade ou enquanto sociedade. A questão, portanto, não pode ser resolvida no ambiente dos interesses do capital, onde os meios técnicos de comunicação se situam e onde sobrevivem como império dominante, porque os interesses do capital não foram concebidos para dividir o poder. A única maneira de se resolver isso é com a transgressão das normas estatuídas pelo sistema.
Enquanto isso, uma questão de fato reclama reflexão: de que forma as doutrinas éticas podem transitar pelos meios técnicos de comunicação sem ver abalada a sua integridade? Esta questão se faz ainda mais presente quando se tem como indiscutível o fato de a mídia de massa ser o caminho único para se falar a grandes audiências em tempo real.
A discussão aí assume outros contornos e passa inevitavelmente pela questão econômica, onde costuma predominar. Contudo, a discussão precisa se concentrar no sentido da espetacularização e do sistema predominante, que constituem, em última análise, uma questão de construção de uma consciência na forma de capacitação para compreender as condições em que a apropriação dos meios técnicos está sendo possível. Ou seja, torna-se necessário enfrentar a realidade da espetacularização como condição imposta pela mídia para seu funcionamento.
O que existe atualmente como prevalência é uma consciência moldada nos interesses e objetivos colocados, ou seja, de forma geral se considera que o espetáculo e a mídia são inerentes um ao outro como se fossem interdependentes e naturais ao sistema. Pois a noção de espetacularização passa exatamente pela compreensão dessa realidade, uma vez que, segundo coloca Debord, prevalece quase sempre a idéia de que o que é bom está na mídia e o que está na mídia é bom. A esta tal consciência é preciso interpor uma outra, a de que a utilização dos meios técnicos de comunicação dentro das regras impostas pelo sistema torna-se impraticável quando o que se pretende é uma ação comprometida com a alteridade.
Na mesma linha de raciocínio se coloca a questão de uma visão instrumental da mídia ou qualquer proposta que pretenda resolver as dificuldades de acesso à mídia de massa, pois a consideração meramente instrumental, de uso dos meios técnicos sob a visão imperativa de sua necessidade para difusão dos ideais ético-doutrinários reforça apenas a incosnciência quanto às condições de produção da comunicação aí colocadas.
Mais uma vez: alteridade e espetacularização da vida humana são inconciliáveis. Resta, então, encontrar, até mesmo antes dos recursos econômicos e financeiros de sustentação do uso dos meios técnicos, o ponto de equilíbrio entre o uso criterioso desses meios e a ética que o motiva. Tem-se necessidade de responder a questões cruciais, portanto, tais como: sobre que base e condições serão produzidos e apresentados, por exemplo, programas de rádio e especialmente de televisão que atendam ao mesmo tempo os interesses que conduzem os espíritas aos meios técnicos e o suporte ético imanente? De que forma a noção de sociedade do espetáculo pode nortear a ação sobre a mídia para minimizar os efeitos da dominação pelo próprio espetáculo. Uma vez que o espetáculo se apresenta atualmente de forma insinuante, convincente, como uma forma de vida natural e naturalizada, a tendência da consciência se faz no sentido de unicamente lutar para alcançar os meios técnicos de comunicação e fazer o melhor uso deles em benefício da filosofia de vida norteadora da individualidade. Mas cidadãos comprometidos com a ética alteritária e espírita não podem se satisfazer com isso apenas, sob pena de aumentarem o vazio entre o as condições da práxis cotidiana e o ideal de felicidade humana.
Conclusão
A consciência promanada da ética da alteridade e da ética espírita, em suas interconexões, juntamente com a análise das condições colocadas pela noção de uma sociedade voltada à espetacularização da vida humana, contribui para a compreensão de que o acesso ao mundo midiático é apenas um caminho para o enfrentamento de outros conflitos, principalmente o conflito entre o espetáculo e o outro. A luta pelo domínio do mundo midiático é uma luta de poder e o comum, historicamente, tem sido o homem lutar pelo poder e, ao alcançá-lo, submeter-se às suas condições. Provado está que, quase nunca, a tomada do poder significa mudança do status quo. E aí, então, caberia fazer uma última pergunta: qual é a vantagem de tomar o poder e continuar o exercício de dominação que o poder confere? Em termos espíritas se poderia perguntar: de que vale poder falar a grandes audiências se estas audiências apenas mudam de canal, mas não de mensagem?
Bibliografia
BAKHTIN, Mikail. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo, 8a, Hucitec, 1997.
DEBORD, Guy. A sociedade do espetáculo, Lisboa, Edições Mobilis in Móbile, 1991.
GARCIA, Wilson. A dinâmica cultural na comunicação de massa: uma análise das expressões populares na publicidade e editorial da revista Veja (2003). Dissertação de Mestrado na Faculdade Cásper Líbero.
KARDEC, Allan. O Evangelho segundo o Espiritismo, Capivari, Ed. EME, trad. Herculano Pires, 1997.
Aprendendo com as diferenças
LUIS ROBERTO SCHOLL
robertoscholl@terra.com.br
Santo Ângelo, Rio Grande do Sul (Brasil)
Aprendendo com as
diferenças
“Dize-me o que pensas, dir-te-ei com quem andas” (1). Allan Kardec.
Um assunto muito atual não só no meio espírita como na sociedade em geral é a alteridade, ou seja, “a qualidade do que é outro” (2).
É na alteridade que se desenvolve, é nas diferenças de qualidades com o outro que se aprende, é na variedade de aptidões que se complementa uma tarefa. Aceitar, conviver, aprender e amar a diversidade denota a presença de um ser mais evoluído, seja individual ou coletivamente.
O predomínio que a vaidade e o orgulho ainda exercem sobre as pessoas impede, muitas vezes, de crescerem somando qualidades e esta atitude facilita o acesso dos Espíritos inferiores para a influenciação negativa, exacerbando as mazelas internas de cada um, provocando embates, cisões, rupturas no trabalho.
Quando isto ocorre nas Casas Espíritas, o prejuízo se torna inda maior, porque ali é o local onde a causa única e suprema deve ser o desenvolvimento da caridade e da tolerância como ferramenta de renovação íntima individual.
Allan Kardec, no seu discurso de encerramento do ano social da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas do ano de 1858/59, tecia comentários de outras sociedades que surgiram desejando rivalizar com aquela a qual ele pertencia. Contava-se de sociedades com grandes números de participantes, com muitos recursos financeiros, sendo para ele um motivo de regozijo, ressaltando, apenas, que elas tivessem uma “unicidade de sentimentos para frustrar as influências de maus Espíritos e consolidar a sua existência” (3).
Naquela época, nos Estados Unidos, na Europa, especialmente em Paris, ocorria o surgimento de inúmeras reuniões íntimas, como outrora fora a própria Sociedade Parisiense, fato normal devido ao então crescente interesse pelos assuntos espíritas e ao surgimento de vários médiuns. Denotavam-se os mais variados resultados possíveis, desde reuniões sérias com resultados notáveis, até de fanfarronices e brincadeiras fúteis, de acordo com os interesses e intenções de cada uma. A despeito disso, Kardec ressaltou que poucas constituíam uma sociedade propriamente dita, pois lhes faltavam condições de vitalidade em razão do escasso número de componentes, de sua estabilidade, permanência e persistência.
A primeira condição, preconizada pelo mestre francês, é a de homogeneidade de princípios e maneira de ver. Toda sociedade formada de elementos heterogêneos traz em si o germe da dissolução, podendo considerá-la natimorta.
Mais adiante o Codificador explica a homogeneidade como comunhão de pensamentos. Sem a calma e o recolhimento, dificilmente os bons Espíritos se apresentarão, pois não encontrarão as condições necessárias para dar assistência à sociedade. Eles desejam ardentemente esclarecer para o bem, não participando em reuniões onde impera o espírito da oposição sistemática, da discórdia e da controvérsia.
A homogeneidade propagada por Kardec é a de ideais nobres, da vivência ético-moral e do estudo doutrinário com seriedade. As diferentes maneiras de agir, de conduzir e de pensar são saudavelmente administradas para o crescimento do grupo e dos seus componentes, quando não comprometem o corpo doutrinário.
Neste ideal, Bezerra de Menezes levanta a bandeira da unificação não como a uniformização de procedimentos, mas como a união afetiva em torno da prática da moral de Jesus à luz dos esclarecimentos espíritas.
Para unir deve-se ter o trabalho consistente, a ação correta, a vivência do discurso cristão.
São Luís, Espírito protetor da Sociedade Parisiense de Estudos Espíritas, fornece o meio infalível para não temer os conflitos: “Compreendei-vos e amai-vos” (4).
O trabalho da compreensão exige caridade e abnegação. “Que o amor ao próximo esteja inscrito em nossa bandeira e seja a nossa divisa” (5).
Kardec considerava todas as outras sociedades como irmãs e jamais como concorrentes. A inveja, o ciúme e a rivalidade indicam a assistência dos maus Espíritos e um direcionamento equivocado. A boa intenção, a benevolência, a vontade de servir e o pensamento reto revelam a natureza superior dos Espíritos que presidem a sociedade, procurando conduzi-la, por meio dos homens que a servem, ao trabalho no bem.
Aos grupos que se sintam melindrados pelo crescimento de outro, Kardec instiga que depende somente dele não ser ultrapassado. A Doutrina Espírita, sendo acessível a todos, depende do esforço próprio, do trabalho em equipe e da dedicação para que a Sociedade evolua e cumpra o seu papel na comunidade. Neste particular, outras poderão igualar-se, tanto melhor, pois serão irmãos que crescem juntos.
O laço de união dos homens de bem, sejam quais forem as divergências, é o amor ao bem, a abnegação, a abjuração de todo sentimento de inveja e ciúme.
Na alteridade, em vista de diversidade humana, importa seu enfoque prático de convivência fraterna.
O codificador encerra seu discurso com a convicção de que a finalidade do Espiritismo é melhorar aqueles que o compreendem, buscando através do exemplo demonstrar a vivacidade da Doutrina e a sua praticidade na vida cotidiana. “Numa palavra, sejamos dignos dos bons Espíritos se quisermos que eles nos assistam. O bem é uma couraça contra a qual virão sempre quebrar-se as armas da malevolência” (6).
Referências:
(1) KARDEC, Allan. Revista Espírita 1859. Sobradinho, DF: EDICEL, Discurso de encerramento do ano social (1858-1859), p. 196.
(2) Novo Dicionário Aurélio.
(3) KARDEC, Allan. Idem, p. 200.
(4) Idem, p. 20.1
(5) Idem.
(6) Idem, p. 202.
Conversando sobre a Alteridade e a Empatia na prática da Caridade
Conversando sobre a Alteridade e a Empatia na prática da Caridade
A máxima “Fora da caridade não há salvação” desde a codificação do Espiritismo tem suscitado a criação de entidades e inumeráveis atividades filantrópicas que buscam suavizar as dores e sofrimentos humanos no que tange às suas necessidades de alimentação, cuidado, saúde e educação, tendo o movimento espírita com estas iniciativas adquirido o respeito e consideração da população em geral, de instituições e autoridades. No entanto, ao adepto do O Consolador Prometido, cuja luz da verdade exige conduta compatível aos ensinamentos recebidos, com a resposta à questão 886 tem enormemente ampliado o conceito da caridade. Nela, Allan Kardec, interroga aos Espíritos da codificação sobre “Qual o verdadeiro sentido da palavra caridade, como a entendia Jesus? E, a resposta; “— Benevolência para com todos, indulgência para as imperfeições alheias, perdão das ofensas.”, seguida pelo
comentário do Codificador, fica claro que “A caridade, segundo Jesus, não se restringe à esmola, mas abrange todas as relações com os nossos semelhantes (...)”. Entendendo nesta explicação a esmola como o benefício material, resta-nos atingir a plenitude do “amar ao próximo como a si mesmo” agregando à assistência prestada a caridade moral. Nessa perspectiva os trabalhadores sinceros tem buscado a ampliação do entendimento a acerca da caridade moral, para isso estudar, compreender, refletir acerca dos conceitos de alteridade e empatia se faz impostergável para o estabelecimento de relações efetivamente fraternais, sem nenhum ranço de orgulho ou falsa superioridade que possa ferir a suscetibilidade do beneficiado. A compreensão da interdependência de cada indivíduo com os demais sujeitos do contexto social exalça a humildade que deve permear todas as relações; reconhecer a interação entre o “eu” e o “outro”, desenvolver a habilidade de se colocar no lugar do próximo – de enxergar o cenário a partir dos olhos dele, de ser sensível a ponto de compreender emoções e sentimentos de outras pessoas, desenvolvendo o “conjunto das qualidades do coração” que define o verdadeiro homem de bem de acordo com a definição de Allan Kardec, é a divina aspiração do verdadeiro espírita.
OS ESPÍRITAS E A ALTERIDADE
OS ESPÍRITAS E A ALTERIDADE
Embora pouco conhecido, o vocabulário “alteridade” tem sido bastante empregado pelos trabalhadores da Espiritualidade, em suas mensagens e orientações aos encarnados, em especial, aqueles que se reuniram em torno de uma proposta visando de modo mais concreto, ao despertar e à conscientização das lideranças espíritas, para um melhor posicionamento do quadro preocupante de distanciamento do Movimento Espírita, e dos valores simples e profundos que caracterizaram o Cristianismo Primitivo. A terceira edição atualizada do dicionário Aurélio, define a palavra “alteridade” como sendo o “estado de qualidade de que é outro, distinto, diferente”. Consiste no estabelecimento de uma relação de paz com os diferentes; a arte de conviver bem com a diferença do qual o próximo é portador”.
No Congresso Espírita Brasileiro que aconteceu em outubro de 1999, foi dado destaque ao Movimento Espírita que teve seu marco inicial nos compromissos de unificação estabelecidos no Pacto Áureo de 1949. Foi verificado na visão dos trabalhadores da Espiritualidade que o movimento de unificação edificou relevantes conquistas no curso dos últimos 50 anos. O mencionado congresso reuniu as lideranças do Movimento Espírita nacional, real e sinceramente comprometidas com os ideais da Codificação, muito embora a diversidade das percepções individuais, das diferenças regionais e culturais que pudessem criar controvérsias ocasionais, se constituíram no grande mérito do conclave por ter germinado ali “o embrião das novas e saudáveis construções do futuro, no campo da unificação”. Entretanto, os companheiros da espiritualidade chamam a atenção para uma série de ocorrências, por eles testemunhadas nos interregnos da comemoração, que deixou evidente o quanto ainda temos de trabalhar para conquistarmos posturas mais evangélicas e vigilantes, a fim de nos relacionarmos com o devido respeito diante da multiplicidade das opiniões. Ditas ocorrências se constituíram em “comentários, indisposições vibratória na convivência, mágoas, discursos vaidosos, lisonjas e dissimulações próprias das pessoas invigilantes...” Note-se que no congresso estavam reunidas as lideranças do Movimento Espírita nacional... Assim também, essas ocorrências lamentáveis são rotineiras no dia a dia das nossas Casas Espíritas.
Por que, em detrimento do conhecimento adquirido, ainda nutrimos sentimentos e manifestações tão destrutivas e desagregadoras? - Poderíamos dizer que o Movimento Espírita carece de Alteridade. Analisando o problema com o apoio das obras espíritas verificamos que o Movimento Espírita padece de duas mazelas, comuns a todos nós, que precisam ser combatidas, que são: o orgulho e o personalismo com a ausência de afeto. A propósito do orgulho, Maria Modesto, trabalhadora da Espiritualidade, costuma dizer que “os espíritas estão muito orgulhosos da humildade que imaginam possuir”.
Aqueles que buscam auxílio na Casa Espírita são, em geral, assistidos, orientados amparados, consolados. Embora meritória essas práticas, cumpre nos interrogarmos com severidade: qual o sentimento que nos impulsiona nessas ações? A compaixão que nos permite sentir o sofrimento do outro e nos impele a abraçar a sua causa, ou adotamos a postura daquele que já detém algum conhecimento e orienta e ajuda sem descer do seu nível ”superior”? – Se a segunda premissa foi o móvel das nossas ações, aí está o orgulho! – Nas palestras, cursos e exposições que fazemos como nos situamos diante dos eventuais elogios e manifestações agradecidas? Se a vaidade se apresenta, lá está o orgulho que precisa ser trabalhado no íntimo para ser extinto. Até mesmo quando nos rotulamos de tímidos, e deixamos de atuar e participar, a fim de não ficarmos em evidência, revelamos mais uma faceta do nosso orgulho; aquela que não deixa que nos exponhamos devido ao medo de sermos criticados. . .
O personalismo, igualmente, está presente toda vez que, inadvertidamente, adotamos atitude de intransigência e intolerância; quando nos colocamos como donos da verdade ou simplesmente desmerecemos a opinião ou as idéias de outras pessoas que, para o personalista, é visto como um concorrente. O indivíduo tem, então, visível dificuldade de trabalhar em equipe; não permite a troca de experiências com o outro; tem dificuldade de cultivar amizades sinceras, assim como não sabe ser solidário e companheiro. O orgulho e o personalismo bloqueiam sua capacidade afetiva. Essas duas mazelas – o orgulho e o personalismo – criam uma série de bloqueios capaz de enclausurar o ser e dificultar o relacionamento com os seus semelhantes.
Em trabalho de pesquisa e análise sobre o tema, Cairbar Schutel, na Espiritualidade, mostra com clareza que a trajetória da maioria daqueles que hoje trabalham nas frentes espíritas, está indelevelmente marcada por reencarnações sucessivas, no curso dos últimos 20 séculos, nas diversas religiões comprometidas com a mensagem do Evangelho, falhando, também sucessivamente, em decorrência do orgulho e do personalismo ao longo de tantas lutas. Prosseguindo, afirma ele: “segundo as conclusões de sábios psicólogos celestes, o maior obstáculo íntimo, para almas com esse perfil, seria a indisposição para o contato comunitário, o que levou a incitar o serviço de unificação, como medida apropriada para que a lição da convivência, em comunidade, pudessem ser aprendida e desenvolvida, considerando outros compromissos maiores no futuro”.
Em alguns aspectos, a ética da alteridade vem deixando a desejar e poderá, inclusive, resvalar por atalhos como acontece com a decantada “reforma íntima”, que acaba sendo uma prescrição para os outros e não para nós mesmos, ou então, acaba transformando-se em uma tentativa “obsessiva” de melhora, a qual, por ausência de preparo e de condições morais, não atinge os patamares que nós mesmos estimamos. O grande desafio da alteridade está na convivência dos diversos movimentos, entidades, instituições e correntes de igual teor, pois pelo exercício do livre-arbítrio, desenvolvem-se teorias e fundamentos, idéias e opiniões nem sempre homogêneas ou similares. Assim, o que importa, em essência, é a aceitação de determinados princípios básicos espíritas e, a partir daí, o que cada pessoa ou grupo faz com tal conhecimento, passa a ser de inteira responsabilidade do mesmo, sem a necessária concordância absoluta em todos os pontos.
Na Doutrina dos Espíritos, não há hierarquia e isto importa como conseqüência que “qualquer pessoa pode considerar-se espírita pela aceitação de sua filosofia e, principalmente, por sua prática de amor em relação ao seu semelhante”. Então, se estamos concordes quanto à existência de Deus, a imortalidade do Espírito, a pluralidade das existências sucessivas e dos mundos habitados, todos nós somos espíritas, ou não? É preciso algo mais para que sejamos considerados assim?
Ser alteritário não é “fechar os olhos” para o que acontece ao nosso redor, nem baixar a cabeça para desmandos e arbitrariedade, nem aceitar a violência, principalmente a coação moral, a ameaça e a dissimulação. Desse modo, sempre que nos sintamos agredidos ou que presenciemos a violência, é nosso dever denunciá-la e manifestar nosso descontentamento público. Isto não importará em “quebra de respeito” ou em atitude “anti-fraternal”, nem tampouco em redução no nível “vibratório”. Todos nós temos defeitos e isto não deve impedir de apontar aquilo que nos pareça negativo em relação à ordem espiritual, aquela que estabelece a igualdade plena em direitos e deveres perante o Criador. Se temos “telhado de vidro”, e o temos de verdade, não importa o que os outros possam dizer de nós, de nossas atitudes, de nossas atividades. Será até bem salutar que alguém possa apontar nossos equívocos e comprometimentos, para que possamos refletir recompor e prosseguir. A alteridade representa, pois, a relação pacífica e respeitosa em relação ao próximo, no respeito às diferenças, em termos de idéias, entendendo que o outro é diferente de nós e exerce o seu direito de “ser diferente”.
Assumir responsabilidades tem sido motivo de afastamento de muitas pessoas das lides religiosas, principalmente na seara espírita, não só para não se expor como também por ser caracterizado como um trabalho voluntário, onde todos indistintamente, sentem-se chamados a uma participação ativa. O voluntário, por muito tempo, foi visto como um “turista”, que agia sem regularidade ou assiduidade; que estaria fazendo um favor ao vir dar uma “mãozinha” e que voltava às suas atividades habituais, certo de que havia desempenhado sua cota de “caridade”.
A Doutrina Espírita reformulou esses conceitos quando nos chama a uma participação responsável, a uma conduta operante e a uma assiduidade que tornará a tarefa passível de ser realizada com êxito. O estar no mundo se traduz por uma responsabilidade pessoal, familiar e social; mas o Espiritismo nos convida ainda a uma participação ativa na Casa Espírita, onde podemos estudar trabalhar e assumir tarefas, observando o fim útil de estarmos visando ao nosso retorno à pátria espiritual, em melhores condições íntimas do que quando aqui chegamos. O trabalhador da Casa Espírita precisa estar consciente de que sua participação nas atividades da Casa não será uma realização apenas em proveito do outro, mas principalmente em seu próprio benefício. Nela começa o seu aprendizado de
doação, humildade, troca de idéias, renúncia, qualificação e evolução; que pode encaminhar os tarefeiros às atividades mais específicas e até aos cargos de dirigentes da própria Casa que freqüenta. O dirigente de uma Casa Espírita é sempre visto como aquele que tem a responsabilidade maior, e que por isso, tem que assumir todas as falhas e cobrir a irresponsabilidade de possíveis dirigentes e tarefeiros da Casa. Isso assusta e afasta outras pessoas de compartilhar do trabalho e de se preparar e substituir o dirigente. O movimento espírita ouve e repete com freqüência: São poucos os tarefeiros e a Seara é muito grande. – O servidor que amadurece moral e espiritualmente, vai percebendo que é exatamente nos momentos mais difíceis que ele precisa do labor, da auto-superação, que as escapatórias ou fugas só multiplicarão as amarguras e adiarão os compromissos e as genuínas soluções. Lutas, dissabores, cansaço, desânimo não podem impedir o tarefeiro ou o dirigente ou torná-lo vacilante perante a tarefa abraçada. Disciplina, abnegação, fé, boa-vontade, instrução e prece farão de todos, os trabalhadores escolhidos e comprometidos com a causa do Mestre Amado.
É importante que nos conscientizemos que é missão dos espíritas, divulgarem as palavras consoladoras, não só para os espíritas, mas para todas as pessoas. Se atentarmos à seguinte frase contida no texto “Missão dos Espíritas”; “Certamente falareis com pessoas que não quererão ouvir a palavra de Deus”, o espírito de Erasto certamente não estava se referindo aos que freqüentam a Casa Espírita. Sendo assim, concluímos que nossa missão vai além do que hoje estamos fazendo. Precisamos fazer a divulgação de nossa Doutrina de acordo com as nossas possibilidades. Se Jesus e Kardec foram audaciosos, plantando em terreno hostil, sendo maltratados, criticados e ultrajados; por que nós espírita devemos tranqüilos, continuar sendo levados ao sabor do vento calmo? – Por tudo isso, é importante sabermos que, para fazer parte do grupo que divulga a Doutrina dos Espíritos, além das quatro paredes do Centro Espírita, é preciso que o espírita tenha algumas especiais qualidades: a) Seja um conhecedor da Doutrina Espírita; b) Seja espírita praticante; c) Não forçar as pessoas tentando fazer proselitismo; d) respeitar as demais instituições religiosas sérias; e) Não entrar em polêmicas inúteis; f) Agir sempre com brandura e bom senso. - Encontrar pessoas que reúnam todas as qualidades mencionadas não é impossível, mas também não é fácil. A tendência natural é que acatam essa missão, os espíritas que mais usam as palavras do que os atos; o ideal, entretanto, seria para essa tarefa, os espíritas que mais valorizam os atos do que as palavras, porquanto o exemplo vale mais que as palavras.
Joana de Angelis reforça a necessidade de levarmos aos outros lugares, a essência da Doutrina, dizendo: “Cabem neste momento graves compromissos que não podem e nem devem ser postergados”. Essa educadora espiritual passa-nos os quatro procedimentos que cabem aos espíritas: 1- Proclamar a Era Nova; 2- Demonstrar a existência de mundo de causa e efeito; 3- Demonstrar a anterioridade do Espírito ao corpo; 4- Demonstrar os incomparáveis recursos saudáveis decorrentes da conduta correta, dos pensamentos edificantes e da ação do bem. E nos alerta ainda dizendo que esses procedimentos devem ser executados pelos espíritas conscientes das suas responsabilidades – aqueles que se equivocaram em outras encarnações e que agora recomeçam em condições melhores. “Ide e pregai a palavra divina. É chegada á hora em que deveis sacrificar, em favor da sua divulgação, o comodismo e as ocupações fúteis. Ide e pregai o Evangelho: os Espíritos Superiores estão convosco”, pois sois os trabalhadores da Última Hora. Alteridade torna-se necessária para a nossa missão, disse Erasto, e segundo Joana de Angelis, temos que assumir nossos compromissos. Sejamos espíritas audaciosos, levando além das quatro paredes, as palavras consoladoras de nossa Doutrina...
Jc.
S.Luis, 30/01/2009